Pensei em não entregar esta crônica por falta de tempo. Sabe como é, feriadão chegando, clientes cortando prazos, publicação que sairia no sábado sendo antecipada para quinta. Parei (mas só um pouquinho) para pensar quando foi a última vez que eu realmente me senti com tempo. E, sinceramente, não foi durante finais de semana, feriados ou férias. Porque a gente tem essa mania besta de preencher cada minutinho do dia com alguma coisa. Parece que se não estivermos fazendo algo, estamos perdendo tempo.
Comecei a ler essa semana - na meia horinha que reservo para a leitura, antes de dormir - o ótimo “Anarquistas, graças a Deus”, escrito pela Zélia Gattai. O livro reúne várias memórias da infância e adolescência da autora, nos anos 1920 e 1930, época em que não havia TV nem rádio e o cinema ainda era mudo. Em que, pela Avenida Paulista, passavam apenas alguns carros importados e até a música ganhava outro ritmo com os gramofones à manivela.
Apesar de ter nascido em São Paulo, vivi minha infância e adolescência no interior e sou grata por isso. Já existiam muitos carros e TVs nos anos 80 e 90, mas a vida era, sim, muito mais tranquila e exigia de nós um pouco mais de paciência, como diria Lenine. Para mudar o canal da TV, a gente tinha que levantar e caminhar até o aparelho. Para fazer um telefonema, era preciso se concentrar para discar cada número até o fim. Para falar com o crush, o jeito era esperar um telefonema dele ou telefonar, se fosse o caso, sempre correndo o risco de ter que falar antes com a mãe dele ou dela. Hoje a gente fica ofendido se o boy ou a garota demoram mais que 10 minutos para responder uma mensagem. Com o controle remoto, assistimos a mil programas ao mesmo tempo e a nenhum por inteiro. A gente lê, ouve música e olha o celular ao mesmo tempo. Faz reunião do carro, pega o almoço no drive-thru e recebe trabalho pelo Whats.
E, na hora de praticar um esporte, faz o quê? Corrida!
Agora que estou de volta ao interior, sinto que a rotina, em geral, é menos frenética, mas eu, infelizmente, ainda sou obrigada a viver no ritmo de São Paulo e, o que é pior, na loucura de uma agência de publicidade.
Passo meus dias escrevendo anúncios que vendem economia de tempo: a tag de automóvel para você não perder tempo na fila. O gerenciador de frotas para você não perder tempo no trabalho. A campanha de incentivo que diz “Acelere suas vendas”. O app de pedidos de comida pra você não perder tempo almoçando. E até o remédio para quem não tem tempo para ter dor de cabeça. Tudo para que você “tenha mais tempo para o que realmente importa”. Mas será que estamos usando esse tempo com o que realmente importa ou preenchendo as horas com mais e mais coisas que não importam?
Quando recebo e-mails ou mensagens dizendo que o trabalho é para ontem, eu só respiro fundo e penso: “bem que poderia ser verdade”.
Porque ontem a gente vivia com mais tranquilidade, brincava na rua, ia à casa dos amigos, almoçava com a família. Ontem os nudes eram ao vivo, as fotos tinham que ser reveladas e a gente contava o número de amigos nos dedos das mãos. Ontem a gente colocava cuidadosamente a agulha na vitrola, esperava a música tocar no rádio para poder gravá-la e as mensagens ficavam eternizadas nas cartas que a gente aguardava, cheio de expectativa, o carteiro entregar. E nem ele tinha pressa.
Escrito por Andréa Martins