Vou pegar o ônibus para Prudente. Faz tempo que não venho à rodoviária para fazer essa viagem. Com a pandemia, tornou-se complicado viajar de ônibus e fui postergando alguns assuntos que tinha para tratar por lá. Hoje, verifiquei os dados no noticiário de ontem, comparei com o site de notícias antes de sair de casa e, após mais de 622 mil mortes, causadas pela peste, somos mais de 81% dos brasileiros vacinados, isso se contarmos os maiores de 5 anos de idade.
Neste maio de 2022, depois de dois anos de corona vírus solto pelo mundo, vive-se “o melhor momento desde o início da pandemia”, dizem os especialistas e o cotidiano. Nas ruas, as máscaras não cobrem mais os rostos. Em São Paulo, já tem bem um mês que usá-la não é mais um hábito obrigatório. Até parece que acabou a pandemia. Seria ótimo registrar o fim dela nestas linhas. Consulto, porém, os dados e informações acima e sei que pandemia ainda é. Ainda não saio sem máscara. Ainda estou aqui, mesmo depois que tantos se foram.
Mas já topo encarar um ônibus e pegar o asfalto da Transpresidencial. O ambiente da rodoviária me relembra outras viagens e crônicas vividas por aqui. Gosto de caminhar pela plataforma de embarque e me rever nos meus primeiros dias venceslauenses. Cheguei para conhecer mais uma cidade-presidente, foi em 2016. Antes, quando minhas rodoviárias eram somente as do chão pernambucano, eu nem imaginava que existisse uma cidade chamada Presidente Venceslau (nem que ela fosse apenas uma dentre as várias cidades batizadas em homenagem aos governantes da República Velha), muito menos que se tornaria o meu lar.
Mudei para cá em 2017 e lembro de ter sentido fome na rodoviária e de ter buscado algum quitute pelas redondezas. Encontrei, numa das poucas lojas abertas, o combo perfeito das lanchonetes oeste-paulistas: esfiha de carne com tubaína. Esse rango me encheu o bucho muitas vezes por essas bandas e por aquelas viagens. Pois quero repetir o rango, já que vou repetir a viagem. Parece um bom plano, ainda mais num trajeto que tem o horário de partida marcado para às 11h50min. Viajarei no pingo de meio-dia, é bom pegar a estrada alimentado.
“É pra comer aqui ou pra levar?”. Se eu respondo: “aqui”, corro o risco de ter que sair correndo, atarantado, quando o ônibus chegar e eu ainda não tiver terminado a mastigação. Se respondo: “pra levar”, fico com o lanche empacotado e ensacado, à espera do coletivo, e com a barriga roncando. Respondo que essa é uma pergunta difícil. No terminal, a gente, geralmente, não sabe o que dizer. A vendedora reitera e desfia uma lista de situações em que a clientela pede de um jeito e consome de outro.
Meu ônibus chega, decide por mim: o lanche vai ser para viagem. Dentro do coletivo, a máscara ainda é obrigatória. Ainda é pandemia no transporte público, da mesma maneira que é fora dele. Um passageiro encrenqueiro quer entrar sem ela, discute com o motorista, mas tem que tapar a boca e o nariz. É isso ou ele não embarca. Eu, embarcado e mascarado, escolho uma cadeira individual, olho a janela e me permito gozar a paisagem. Ao ver minha cara semitapada refletida na vidro, uma expressão de quem nem comeu e por isso não gostou, balanço a sacola pendurada entre os dedos. É o meu almoço. São 12h22min.
O estômago: bora, vai comer não? Tô com fome, cuida! O pulmão: será? - e olha, aliás, comanda o olhar para o encrenqueiro, que enfia a máscara no bolso. O cérebro: calma, pessoal, deixa eu pensar um pouco.
(*) O autor é pernambucano e mora em Presidente Venceslau. Pesquisa e ensina a Geografia Literária, escreve e estuda a crônica brasileira. Contato: anthonypaalmeida@gmail.com
Escrito por Anthony Almeida
Crônicas do meu lugar