“A Casa dos Espíritos” obra de Isabel Allende, publicada em 1982, é o relato da saga de uma família, que cobre três gerações, paralelamente ao relato de um período de turbulência política.
Através do realismo fantástico, Allende constrói um mundo conduzido por espíritos e por personagens controvertidos, desde Esteban Trueba, o patriarca da família, um homem orgulhoso, rico proprietário de terras e que vive inconformado pela paixão que sentira por Rosa, mulher belíssima, com quem se casaria, o que não se concretizou devido à morte prematura da mesma, vítima de envenenamento.
É uma história em que, apesar da presença masculina e dos conflitos sociais e políticos, o protagonismo é feminino, composto por mulheres fortes e visceralmente passionais: Clara, a matriarca, clarividente e misteriosa, que prevê a tragédia familiar e molda o destino da casa e dos Trueba; Blanca, sua filha, de fala suave, mas rebelde, cujo amor pelo filho do capataz de seu pai alimenta o eterno desprezo de Esteban, mesmo quando resulta na neta que ele tanto adora; e Alba, a neta, (fruto do amor proibido de Blanca), uma mulher ardente, obstinada e dotada de incrível beleza.
As três mulheres, personagens principais, possuem diferentes dons clarividentes, mas a trama não se detém nesse aspecto; ao contrário, em paralelo à trajetória da família ao longo de 75 anos, acompanhamos conflitos que se referem à economia, política e diferenças sociais, bem como temas envolvendo amor e ódio.
Com a morte de Rosa, Esteban que enriquecera com a mineração, viaja para a fazenda de Las Tres Marias, antiga propriedade da família, abandonada há muito, torna-a próspera e rentável com sua dedicação. Cruel e libidinoso, o solteirão estupra várias camponesas da região indiferente aos filhos bastardos que brotavam pelos quatro cantos.
Após dez anos vivendo em Las Tres Marias, Esteban Trueba assiste à morte de sua mãe e promete-lhe que irá se casar com uma mulher de sua classe social. Casa-se com Clara, irmã de Rosa, agora com 19 anos, que não é tão bonita quanto a irmã, mas é bastante formosa e muito simpática. Clara tem poderes paranormais, é péssima dona de casa e ficou quase uma década em total silêncio, traumatizada pela morte da irmã.
Clara e Esteban são, a princípio, muito felizes. Ele cuida dos negócios na fazenda do interior e entra na política (torna-se senador da República), ela realiza trabalhos sociais e ações religiosas na residência dos Trueba, na capital. Têm três filhos: Blanca e os gêmeos Jaime e Nicolau.
Porém, os gênios tão diferentes de Clara e Esteban irão colocá-los em campos opostos. À medida que os anos passam, a esposa odiará o marido, cada vez mais truculento e insensível às necessidades do povo carente. Os filhos de Clara e o pai também tornar-se-ão antagonistas. Blanca se envolverá com Pedro Terceiro Garcia, um jovem trabalhador de Las Tres Marias. Jaime se tornará um médico engajado socialmente. E Nicolau terá gosto por aventuras exóticas. Esteban, torna-se cada vez mais velho, rabugento e solitário. A única que dará algum carinho ao velho senador é Alba, a sua única neta. A moça é filha de Blanca e Pedro Terceiro Garcia. Como a mãe, Alba irá se apaixonar por um revolucionário marxista, Miguel, o que trará problemas para todos quando um Golpe Militar for decretado. Aí tempos sombrios se abaterão sobre a casa dos Trueba. Esteban resistirá às dificuldades políticas com as forças de seu passado e com os valores de sua personalidade.
O fim da saga familiar dos Trueba se restringe a Esteban e sua neta Alba que dividem a narração dos fatos, tomando detalhes dos “Cadernos de anotar a vida” escritos pela avó Clara; juntos reerguem o casarão onde sempre moraram e juntos escrevem a história da família. Esteban, lúcido sempre, escreveu de próprio punho várias páginas. Quando considerou ter dito o que desejava, deitou-se na cama de Clara, e aguardou a morte que não tardou. Morre sussurrando o nome se sua esposa: Clara, claríssima, clarividente.
A impressão que se tem é que a obra de Allende começa e termina em alto nível. São quase 450 páginas em que se sucedem cenas impactantes. Em nenhum momento, o espaço e o tempo não são citados; há sutil referência a um Presidente e a um Poeta. No entanto, a análise criteriosa induz o “leitor modelo” a entender que o país é o Chile, os fatos se passam entre o final do século XIX e início do século XX, o Presidente é Salvador Allende e o Poeta é Pablo Neruda.
Vale o destaque, as figuras femininas, sem exceção, agiram sempre em prol da justiça social. Vale a leitura!
(*) Aldora Maia Veríssimo – Presidente da AVL
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