
O semáforo fecha quando estou chegando na esquina. Eu com pressa. Preciso almoçar rápido e voltar para o hospital. Entretido com meus pensamentos não vejo quando o homem se aproxima e assusto quando bate em minha janela. É um homem ainda jovem e, embora não seja um maltrapilho, apresenta roupas puídas e muito usadas. Traz na mão um papelão onde leio “estou com fome”!
Embora um pouco irritado resolvo abaixar o vidro e o calor do meio dia invade o veículo; abro a janela por curiosidade e, talvez, por compaixão porque vinha para casa orando e agradecendo a Deus pelo sucesso da cirurgia matinal. Indico ao homem que vou estacionar para falar com ele e, assim que o sinaleiro abre, paro em frente à Cybelar.
O rapaz em um “portunhol” arrastado me conta sua história: é um venezuelano que fugiu da miséria que grassa em seu país e veio para o Brasil em busca de nova vida. Perambulou por Roraima, depois por Tocantins, trabalhou em Sinop e veio para São Paulo para trabalhar em uma fazenda em Tarabay, perto de Presidente Prudente. Tem mulher e dois filhos pequenos que estão no pátio da estação, o dinheiro acabou e ele está esmolando para matar a fome da família e poder chegar ao seu destino. Me conta que neste périplo até chegar aqui dormiu muitas vezes no mato, trabalhou como escravo em madeireira, foi enxotado de propriedades rurais e, desesperado, apelava para que as pessoas o ajudassem pelo menos a matar a fome. Escuto sua história com atenção e, embora sem saber se está mentindo ou não, me compadeço daquele homem.
Temos sempre a postura inicial da dúvida, da desconfiança. Sempre achamos que aquele que nos pede, que nos procura, está nos enganando. Nunca prestamos atenção às pessoas. Envolvidos com nossos problemas e com nossa atividade preferimos descartar logo quem se aproxima e, na maioria das vezes, continuamos nossa caminhada sem nos envolver com mais nada.
Não sei se o homem que me fez parar o carro e me atrasar para o almoço estava mentindo ou não, porém ao lhe dar uns minutos de meu tempo e de minha atenção me fez sentir muito melhor! O dia ficou mais leve e muito mais proveitoso para o desempenho de meu labor.
Estendi para o rapaz uma nota de dez reais e fui surpreendido por uma grande lição de vida: ele me disse: “não precisava me dar nada. Há meses vago por este país e o senhor foi a primeira pessoa a me dar atenção. Este gesto valeu mais que qualquer dinheiro”. Emocionado entendi que a melhor manifestação de amor depende apenas de um gesto: prestar atenção ao próximo!
(*) O autor é médico e membro da Academia Venceslauense de Letras