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Apenas um sonho


Sigmund Freud, ‘o pai da psicanalise’, tem como uma de suas principais obras o livro sobre a interpretação dos sonhos e disseca para os entendidos os vários fatores, concretos e abstratos, que de certa forma tentam explicar porque sonhamos e qual é o significado dos sonhos. Quando menino me recordo de uma vizinha que dizia saber interpretar os sonhos. Todos os dias, principalmente no período da tarde, sua casa ficava lotada de pessoas que iam buscar resposta para aquilo que havia ocorrido com elas durante o tempo que estavam nos braços de Morfeu. A vizinha nada cobrava de sua clientela, mas recebia muitos presentes que, acredito, mantinha sua vida. Também importante dizer que na mitologia grega Morfeu é considerado o ‘deus do sono’, e segundo os gregos, uma noite com sono tranquilo só ocorria quando se estava nos braços deste deus. È certo também que dele se originou o nome do analgésico potente e importantíssimo que conhecemos e chamamos de ‘morfina’.


Mas quero escrever sobre um sonho... Cansado deitei para repousar um pouco e, de repente, estava diante de um dia claro e perfumado. No céu azul pequenas nuvens, como novelos brancos de lã, se movimentavam e o sol, embora extremamente brilhante e resplandecente, não era quente como o que temos experimentado ultimamente. Os caminhos eram floridos e pude ver margaridas, girassóis, tulipas, rosas e cravos ornamentando por onde se passava. O perfume era extremamente suave, mas envolvente e havia uma música no ar, não as gritadas como ouvimos agora, mas doces, oriundas de cítaras e flautas, que penetravam em nossos ouvidos e inebriavam nossa alma. Havia muitos pássaros à minha volta e cantavam e vinham pousar bem junto a mim sem nenhum medo. Os animais me acompanhavam e não se afastavam de mim nem se mostravam assustados. Um menino surgiu entre as árvores e pegou em minha mão com amor! Não, não vi o seu rosto, pois ao vê-lo de perto uma grande paz invadiu todo o meu ser; e este menino me levou pelos campos e vi pessoas trabalhando e acenando para mim, vi jovens ajudando idosos em sua caminhada e vi mães amamentando seus filhos com carinho. As pessoas se ajudavam e não havia ódio, não havia rancor e nem vingança. Não conheciam a sordidez humana. As árvores davam seus frutos em abundância e o leite dos animais alimentava a todos. O néctar da vida estava presente em cada mão estendida, em cada sorriso, em cada olhar. Andei por muito tempo por ali e não senti cansaço e nem estive impaciente com qualquer coisa... Se em determinado momento chorei as lágrimas foram de alegria e imaginei que a vida tinha mudado e podia ser desta forma.


Acordei de súbito e percebi que a TV estava ligada. Passava um noticiário que me dava conta de um pai que matara o próprio filho para se vingar da mãe que queria a separação, um abrigo de idosos em que os velhinhos abandonados em seus catres mal tomavam banho, um filho que espancava a mãe idosa para lhe arrancar dinheiro para a compra de drogas e essas notícias eram transmitidas para todos como se fosse algo cotidiano e normal.


Então com intensa dor no coração percebi que acabara de sair do sonho e voltara ao pesadelo.


(*) O autor é médico e membro da Academia Venceslauense de Letras

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