Conversava com o amigo dileto sentado na varanda do apartamento e, ao olhar o horizonte à distância, descrevi a ele o que estava vendo. Meu olhar detectou ao longe a junção do azul celestial com o verde limão das pastagens e esta imagem tomou conta, naquele momento, da minha retina e nada mais vi. Ele, ao contrário, me descreveu os telhados das casas que iam decrescendo à medida que se afastavam e deu pouca importância ao horizonte. Assim é o nosso olhar. A imagem captada pela nossa retina vai, através do nervo ótico, até a porção do nosso cérebro que a processa e, então, surge para nós o que estamos vendo. Este processamento envolve nossos sentimentos, nossa memória, nossa vivência e seguramente não será o mesmo daquele de outra pessoa. Interessante! O olhar da criança difere do olhar do adolescente, do adulto e do idoso. E cada qual descreve o que vê em consonância com o que seu cérebro processa. Quando criança, ao deitar para dormir, vinha à minha mente as histórias que ouvia dos adultos sobre mortes e doenças graves e, então, as luzes do quarto apagadas, começava a ver nos cantos escuros cenas que me aterrorizavam e a mãe era chamada para permanecer com a luz acesa até o sono chegar. Quantos de nós víamos monstros e fantasmas perto da gente. Eram frutos de nossa imaginação mas pareciam concretos, palpáveis, verdadeiros.
O olhar se transforma de acordo com o que estamos vivendo. Aquele do olhar infantil quando chamávamos a mãe possivelmente era um olhar de terror; na adolescência, ao vermos uma garota linda, tínhamos um olhar de admiração, à primeira namorada um olhar apaixonado, ao mestre um olhar de respeito, aos amigos um olhar de camaradagem e, as vezes, porque não, um olhar de raiva e até de inveja, afinal somos seres humanos.
A profissão nos ensinou a ter um olhar clínico, ao nascer uma criança em nossas mãos um olhar de alegria e satisfação, ao falecer uma paciente um olhar de profunda tristeza e sofrimento e, quando pensamos naquilo que já vivemos e como tudo pode mudar para melhor, um olhar de esperança...
Agora, na senectude, revejo os olhares que tive para meus pais. Na juventude, muitas vezes, um olhar de rebeldia e inconformismo, na vida adulta um olhar de impaciência e intolerância e neste momento, com lágrimas nos olhos, um olhar de carinho e profunda saudade. É meu amigo! Não sei se acontece contigo mas se pudesse voltar no tempo meu olhar para muitas coisas, pessoas e acontecimentos, seria totalmente diferente. Afinal os mais de setenta anos me ensinaram que a raiva, a inveja, a cobiça, a ganância não valem a pena e o amor, a concórdia, o carinho e a amizade é tudo o que precisamos para ser feliz.
Eu e meu amigo sentados na sacada do apartamento ao olharmos a paisagem à nossa frente tivemos visões diferentes e eu, sinceramente acredito que cada um de nós podemos e devemos buscar um olhar cada vez melhor para tudo o que fazemos! Afinal é o que podemos deixar como legado nesta nossa passagem por esta vida.
(*) O autor é médico e membro da Academia Venceslauense de Letras
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