
Há alguns anos escrevi uma crônica sobre a barbárie que assolava o mundo. Havia uma guerra na Síria e a mortandade de civis inocentes era imensa. Na época citei Atila, o rei dos Hunos, como um homem poderoso e guerreiro que para conquistar as estepes era capaz de trucidar seus algozes. Lembrei-me da idade média e da inquisição da igreja católica que, em nome da religião, queimava em grandes fogueiras os hereges, ou seja, os que tinham ideias diferentes das pregadas e impostas pelo catolicismo. Citei a escravidão que trouxe para o Brasil milhares de africanos que morriam nos porões dos navios negreiros ou nas senzalas explorados e maltratados até as últimas consequências pelos seus senhores. Enfim um texto que procurava mostrar do que o ser humano era capaz de fazer em nome de suas conquistas, de sua ganância e de sua “religiosidade”!
O tempo passou mas a vida continua exatamente igual. Enfrentando uma pandemia que está tirando a vida de milhões de pessoas no mundo (quase 600 mil no Brasil) e que deveria nos mostrar como somos pequenos e vulneráveis continuamos a praticar as mesmas barbaridades que caracterizam o ser humano através de sua história. Ligo a televisão e vejo que o Talibã voltou a tomar o poder no Afeganistão e lá as pessoas perderam sua privacidade e sua liberdade em nome de um radicalismo religioso inacreditável; a matança é enorme e as mulheres são encarceradas, só saem à rua acompanhada de um homem da família, não podem estudar e usam a burca que lhes tira até a possibilidade de ver a beleza do firmamento. Os africanos continuam morrendo na Nigéria, no Congo e na Costa do Marfim massacrados pela luta cotidiana e permanente entre as diversas facções políticas e as guerrilhas. Os que tentam escapar em busca de uma vida melhor ou em busca da sobrevivência acabam morrendo no mar mediterrâneo naufragados em barcos que não tem mínimas condições de navegação. Assim a barbárie continua grassando por todo o mundo.
E se você imagina que aqui no nosso Brasil estamos livres sinto lhe dizer que isto não é fato. A violência em nosso país chega às raias do absurdo. O homicídio, principalmente de homens jovens, é um dos maiores do mundo e a certeza da impunidade aumenta exponencialmente este fato angustiante. Ligue a televisão e você verá a todo instante notícias de crimes, de latrocínios, de justiceiros, de milícias e toda espécie de absurdos que possamos imaginar. Leis muito brandas, corrupção, negligência e pusinamilidade são a argamassa para a ocorrência desta vergonha nacional. E nossas mulheres? Não sofrem com assédios vergonhosos, não são estupradas e seviciadas? O feminicídio tem enorme incidência em todos os cantos do país. Racismo institucional, homofobia, pedofilia e tantas outras perfídias são fatos comuns em nossa sociedade.
Agora, se nós não temos nenhuma atitude positiva com tudo isto, se não nos enojamos e se não nos revoltamos com tantas barbaridades, se consideramos que estas coisas são desta forma mesmo e que os problemas dos outros não nos dizem respeito, se ao vermos na TV uma criança de 5 anos ser fuzilada por uma bala perdida nada sentimos, se ao sabermos que 20 milhões de pessoas estão passando fome em nossa terra, algumas pertinho de nós, e não somos capazes de nos sensibilizar então temos que convir que a barbárie está intrínseca em cada um de nós ou, por outras palavras, embora inteligentes e com o livre arbítrio concedido por Deus, nosso Pai, somos bárbaros e não podemos ser dignos de sermos chamados “humanos”.
(*) O autor é médico e membro da Academia Venceslauense de Letras