
Carisma é uma habilidade inata de alguns seres humanos de conseguir encantar, persuadir, fascinar ou seduzir um outro indivíduo, através da forma de ser e agir. Dito isto …
O ano era 1997 e eu Professora de Literatura em uma escola particular na qual desenvolvíamos um Projeto que tinha como objetivo proporcionar aos alunos do Ensino Médio experiências extramuros. Assim os alunos eram levados a assistir julgamentos nos Fóruns da região, viajar para Feiras do Vestibular, Exposições e Espetáculos em São Paulo e programas de televisão.
Eram momentos em que podíamos conhecer melhor nossos alunos, vê-los sob um prisma diferente: como se fôssemos uma grande família, professores e alunos convivendo amigavelmente, trocando cortesias e cuidados. Ficávamos nós, professores e professoras totalmente envolvidos com um grupo relativamente numeroso de alunos, um ônibus lotado, e os cuidados e o carinho eram recíprocos. Nas várias viagens que fizemos nunca houve nada que os desabonasse, nenhum comportamento menos louvável; o que havia, na verdade era companheirismo, solidariedade e compreensão admiráveis. Nossos alunos mostravam-se gratos e solidários durante a viagem e atividades.
O retorno para a escola se dava em um clima de muita amizade entre os alunos e professores; até os mais difíceis se transformavam. Voltavam melhores. Viajar com os alunos sempre foi muito educativo.
Uma dessas viagens a São Paulo ficou por longos meses sendo assunto nos intervalos, nas salas de aula e até nas baladas. Iríamos assistir ao Programa do Jô, já então na Rede Globo, em São Paulo.
A viagem de ônibus transcorreu normal: cantoria, brincadeiras, piadinhas, muita gozação principalmente com os mais tímidos; era quase impossível dormir, logo rolava maquiagem, pasta de dente e fotos indiscretas. Brincadeiras saudáveis que só paravam quando vencidos pelo sono.
Essa viagem tinha um charme especial; todos eram admiradores convictos de Jô Soares, devido à indiscutível cultura, inteligência e talento. Em um momento de expressivo sucesso, não era fácil conseguir agendar uma ida ao programa. Só conseguimos com a ajuda de Elaine Mickely, querida atriz venceslauense, na época contratada pela Globo. E lá fomos nós para a Globo, assim que chegamos a São Paulo; ao verem o símbolo da poderosa em uma enorme parede, a euforia tomou conta de todos.
Seguidos os protocolos, adentramos o prédio. Tomar lanche na lanchonete da Globo foi muito apreciado pelos alunos, que torciam para que algum ator ou atriz aparecesse por ali.
Dado o horário, seguimos para o auditório onde seria gravado o programa. Todos se acomodaram e aguardamos. Havia no estúdio um burburinho típico de adolescentes: cumprimentos, beijinhos, abraços, muita alegria, amizades sendo iniciadas (não havia celular!) e muita ansiedade pelo início da gravação.
Passado algum tempo, um rapaz da equipe cumprimentou os presentes e pediu que todos se sentissem à vontade, sem preocupação com manifestações de carinho ou apoio ao apresentador, durante as entrevistas, porque o Jô apreciaria essas manifestações. Acredito que a equipe percebia a tensão da plateia por conta da excelência do artista.
Em alguns minutos, anunciou-se a entrada do Jô no recinto. Demoramos a localizá-lo, pois ele entrara pelo fundo. O som da plateia quando um a um começamos a vê-lo, eu não saberia descrever, mas houve uma comoção, algo que percorreu o espaço. Quando pudemos vê-lo melhor, descendo pelo corredor, não apenas eu, mas os outros professores e muitos alunos, sentimos algo difícil de descrever: um frisson, uma energia, uma euforia, algo muito forte e inominável. Vê-lo entrevistar os convidados, in loco, foi muito agradável. Após o programa, conversando sobre a sensação sentida por muitos, deduzimos sem dúvidas: o que sentimos foi a força do carisma de Jô Soares.
Agora, tanto tempo depois, Jô nos deixou. Sua inteligência e talento embasam nossa admiração e nos fazem sentir tristes como se perdêramos alguém da família! Tão talentoso e tão produtivo que vale considerar a afirmação de Matinas Suzuki: “Jô Soares teve uma vida maior que a vida”.
“Jô só pensava em repartir o som da alegria. Era a maneira dele de homenagear o mundo e tornar a vida das pessoas mais feliz.”
(Matinas Suzuki, biógrafo de Jô Soares)
(*) Aldora Maia Veríssimo – AVL