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Deixem-me envelhecer

Atualizado: 20 de jun.



O tempo é inexorável. Não há como detê-lo. De repente me percebo idosa, filhos adultos com vidas direcionadas e, o mais maravilhoso, tenho netos.


O rosto não tem mais a pele lisa, pelo contrário está marcado pelos sulcos do sofrimento, das inúmeras preocupações e também do riso solto; os cabelos perderam um pouco de volume e a cor natural e o corpo, embora magro, não se encaixa mais nos padrões de beleza ditados pela sociedade.


A vocação profissional começa a parecer meio deslocada considerando-se grupos do mesmo mister.


Conceitos, atitudes, crenças soam estranhas se comparadas às manifestações das demais pessoas.  Percebo que minha faixa etária é minoria dentro da “turma”.


De repente, acordo e não vejo razão para as tarefas antes apreciadas, perderam o encantamento. Algumas convicções esgarçaram-se e se diluíram, enquanto outras tornaram-se claras e mais arraigadas, ganharam apreço e notoriedade. Mas sem o ímpeto e a necessidade da aprovação alheia.


Muitas vezes, perco a vontade de convencer alguém de alguma coisa, mesmo que muito importante, porque aprendi que “se o outro não quiser, você nunca poderá convencê-lo de nada”.


É possível, agora, olhar os problemas com mais tranquilidade porque já entendi que tudo passa, às vezes com mais, às vezes com menos dor, mas tudo passa. Até consigo ouvir longos e polêmicos relatos que não correspondem à verdade sem interrompê-los, porque não quero constranger o relator.


Deixem-me seguir minha rotina, tão marcada pelo planejamento para que nada saia do meu controle. Manter meu ritmo particular ao falar, analisar, andar e reagir, porque o tempo me ensinou que a vida tem um movimento próprio que  não depende do ser humano e que nos surpreende continuamente.


Deixem-me sentir saudades das diversões da minha infância e da adolescência que foi marcada por “lágrimas no travesseiro, que é lugar quente”. Pensar nas descobertas do amor e da convivência com o sexo oposto, e nas dificuldades de ser mãe e trabalhar oito horas/dia dando aulas e outras tantas preparando-as em casa.


Deixem-me contar, repetidamente, as histórias que protagonizei na  juventude mesmo que elas não tenham mais atrativos para quem as ouve. Elas reacendem minhas emoções como se estivessem acontecendo agora. E isso é prazeroso.


Deixem-me falar o que eu calei um dia, sobre coisas nas quais nunca acreditei e nunca aceitei; e o meu olhar triste vagar pensando nos que se foram e nas coisas que não fiz ou nas coisas que fiz e não queria ter feito.


Deixem-me assumir os medos que não consegui vencer e a coragem que brotou em plena maturidade.


Mimar meus netos, escrever meus textos, ler meus livros e cuidar de flores. Pensar em meus erros que já não posso corrigir e lembrar meus acertos, meus esforços, meu estudo e meu trabalho, minha verdadeira vocação. Agradecer a Deus, diariamente, porque tenho consciência de que fui e sou privilegiada, pelos pais que tive, pelos irmãos que tenho, pelos amigos que fiz, pelos alunos que tive, pela família que formei, pelos filhos que pari e eduquei e pelo companheiro de uma vida inteira.


Deixem-me fazer um balanço sincero sobre a minha vida: colocando em um lado os fatos e acontecimentos que deram certo e pelos quais agradeço a Deus todas as manhãs; e de outro lado, os fatos e acontecimentos que deixaram a desejar, pelos quais também agradeço, pois sem eles não seria quem sou, nem teria a compreensão de vida que tenho.


Parodiando Cecília Meireles, posso dizer que: “Eu não tinha este rosto de hoje, assim calmo, assim triste, assim magro. Nem estes olhos tão melancólicos, que constantemente deixam escapar lágrimas; nem o lábio amargo, que treme à mais frágil emoção. Eu não tinha estas mãos sem força, paradas e frias; eu não tinha este coração tão sensível que se compadece de tudo e de todos, principalmente das injustiças sociais.


Creiam, eu não dei por esta mudança: tão simples, tão certa, tão fácil. Pergunto-me, quando envelheci? Em que espelho ficou perdido o frescor da minha juventude?”


(*) Aldora Maia Veríssimo – Presidente da AVL

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