Hoje é o dia dos pais... Sentado num banco de pedra sob um caramanchão no abrigo de velhos o ancião parece cochilar. Olho fechado, pensamento distante, solitário naquele canto, não participa e não presta atenção no barulho e no movimento a sua volta. Muita gente se encontra no pátio da casa de repouso, pois os filhos vieram visitar seus pais neste dia dedicado a eles; há cantoria, abraços, presentes, choros de alegria e o clima no local transcende a carinho e amor. Mas o velho está sozinho... Sim, foi pai! Teve três filhos homens, mas há muitos anos não os vê. Na verdade sempre foi distante dos meninos porque o trabalho que realizava o deixava meses fora de casa. Não, nunca faltou nada para as crianças. Alimentação, saúde e educação eram prioridades para os filhos e deu a cada um deles um diploma de curso superior. Mas, sempre se culpou por isso, a sua presença junto a eles era difícil, rara. O filho mais velho talvez tenha estado mais vezes ao seu lado, mas tinha personalidade difícil e não aceitava seus conselhos; o do meio, na adolescência, foi para o seminário e, padre, foi para missões na África e nunca mais apareceu e o caçula, muito apegado à mãe, com ele teve pouco contato. Agora cantam perto dele o “parabéns pra você” e o velho se recorda do último aniversário que participou ao lado da esposa, porém muito distante dos meninos. Sempre foi assim... Há alguns anos a companheira faleceu e sem condições para o trabalho, praticamente cego pela diabete, preferiu ir para o abrigo. No inicio era visitado por alguns vizinhos e membros da igreja que frequentava, mas, aos poucos, as visitas escassearam e desapareceram. Os filhos nunca o foram ver. Nestes últimos dias um advogado o procurou para lhe informar que os meninos queriam vender a casa, seu único patrimônio, para não haver problemas com herança após seu falecimento. Assentiu passivamente com a ideia, pois, realmente, não precisava mais dela.
A noite vem chegando de mansinho e há uma imensa lua nova no céu. As pessoas já estão indo embora e daqui a pouco o silêncio e a solidão voltarão a tomar conta do lugar. O velho tem lágrimas nos olhos, pois sabe que será assim seu dia a dia até a viagem final. Sem esperanças levanta-se para entrar e então vê a seu lado um jovem lindo e sorridente que lhe estende a mão e pergunta seu nome: Agenor lhe diz e o jovem “então sou seu neto e vim para te ver e te buscar, pois eu sou o Agenor Neto e meu pai, seu filho, me pediu como ultimo desejo antes de falecer de covid que viesse busca-lo para tê-lo conosco”.
Há imensa claridade no céu e há imensa alegria no coração do nosso velhinho que neste dia teve a ventura de conhecer e abraçar o seu neto.
A vida apresenta nuances como esta narrada. Mas neste dia quero trazer o meu abraço a todos os pais que existem porque cada um, a seu modo, lutou e deu a vida por seus filhos!
(*) O autor é médico e membro da Academia Venceslauense de Letras
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