Com Revista Marie Claire

Paula Beltrão registra momentos de famílias com bebês que não vão sobreviver — Foto: Reprodução/Paula Beltrão/Grupo Colcha
A fotógrafa Paula Beltrão trabalha registrando partos há dez anos – inclusive, já foi premiada fora do Brasil por suas imagens de nascimento. Mas, há seis, ela conheceu um outro lado deste universo: o das mães em luto, que dão à luz bebês sem vida ou que perdem seus filhos no mesmo dia em que nascem. Desde então, dedica parte de seu tempo a registrar a conexão que essas mães têm com seus filhos. Em outras palavras, Paula fotografa, também, o nascimento de bebês que não vão sobreviver.
“Muitas vezes, quando eu chegava à maternidade, via uma mãe muito feliz e, ao mesmo tempo, via uma família chorando, com uma placa escrito ‘decesso’ na porta, sem nenhum acolhimento. Presenciei várias vezes uma mãe com o colo vazio, porque acabou de perder o seu bebê, ao lado de uma mãe recebendo seu bebê saudável”, diz Paula, que atua em Belo Horizonte. “Comecei a pensar se não tinha algo a ser feito por aquelas famílias.” A partir destes incômodos, Paula e outras duas profissionais atuantes no universo do parto – a obstetra Mônica Nardy e a psicóloga Daniela Bittar – começaram o Grupo Colcha, dedicado a prestar apoio a mulheres que estão vivendo uma perda gestacional ou neonatal durante a despedida de um filho.
“Entendemos que o processo que ela precisa passar, de despedida do filho, é muito importante em respeito àquele bebê, aos sonhos que não foram realizados”, explica. “Não existe superação e nem tem como amenizar a perda de um filho, o luto, o sofrimento. Mas temos como ajudar essa mulher a passar por esse momento de forma mais confortável.” Nos últimos seis anos, Paula já fez o acolhimento de mais de 300 famílias presencialmente – e de outras centenas à distância, pela internet.
Além de eternizar em fotos os poucos momentos de mães e bebês juntos, o grupo Colcha presta apoio psicológico no hospital e também nos meses seguintes, organizando encontros de grupo de apoio para conectar famílias que viveram a mesma experiência.
“Quando chego na maternidade pra fazer um acolhimento, muitas vezes não existe choro nem desespero, porque as mães entendem que o luto vai ser difícil, mas que é importante para elas sentirem o calor daqueles bebês, mesmo que sem vida. E a foto ajuda a resgatar essas sensações meses e até anos depois.”
‘Falar de luto ainda é tabu’
A primeira experiência de Paula registrando um bebê que não tinha expectativas de voltar para casa aconteceu em 2017, a pedido de uma mãe: “Ela conhecia meu trabalho como fotógrafa de partos e disse: ‘Não sei se minha filha vai viver um minuto ou uma hora, mas quero que alguém eternize isso’. Fui à maternidade e fiz o registro da chegada desse bebê de forma voluntária. Infelizmente, ela partiu depois de uma hora e 20 minutos de vida”, lembra.
Paula conta que, hoje, essa mãe diz que a foto é a única coisa que tem para lembrar da filha e materializar que a criança existiu, especialmente em meio a um luto solitário, muitas vezes invalidado pelas pessoas ao redor. “Essas mães têm por seus filhos o mesmo amor que tenho pelos meus três filhos, mas a sociedade não enxerga isso.” É comum as pessoas falarem, principalmente em perdas de primeiro trimestre, coisas como ‘pelo menos não criou vínculos’ ou ‘você vai ter outros filhos’, como se um filho substituísse o outro. Falar de morte, de luto, é sempre um tabu. Mas essa é uma vivência legítima, que precisa ser atravessada com afeto. Após uma década fotografando partos – foram mais de 2 mil até agora – a fotógrafa conta que só entendeu o poder da fotografia ao trabalhar com mães em luto.
“Esse é um momento muito rápido e a mãe está literalmente com os hormônios à flor da pele, tanto em decorrência do parto quanto pela emoção de conhecer o bebê e saber que não volta com ele para casa. A foto, portanto, permite que ela conheça detalhes sobre o filho que não conseguiu memorizar ou que vai se perder com o tempo. Muitas colocam essas fotos num porta-retratos, mostram para os outros filhos para contar que eles têm um irmãozinho, por exemplo.” São fotos diferentes de registros de partos comuns porque, nestes casos, não se fotografa a ambiência, mas especificamente a conexão entre a mãe e aquele bebê, ou os pais e aquele bebê, mostrando detalhes como os cílios, os pezinhos ou o contato pele a pele. “O fotógrafo tem que ter esse olhar apurado para retratar o que há de bonito naqueles minutos, e não a dor, o desespero”, fala.