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Histórias de Portugal: o cerco de Lisboa

Atualizado: 20 de jun. de 2023



José Saramago foi um escritor português nascido em 1922 e falecido em 2010. Consagrou-se mundialmente, inclusive no Brasil, onde se tornou um dos autores mais lidos. Suas obras são realistas, apresentam temática social, crítica política e religiosa, com elementos do realismo fantástico, e a defesa do protagonismo humano como solução para os problemas sociais. Com sua originalidade, deu grande visibilidade à prosa em língua portuguesa. Ganhou o Prêmio Camões em 1995 e em 1998 foi agraciado com o Prêmio Nobel de Literatura.


Entre as características da obra de Saramago, sua singularidade em relação ao uso da língua portuguesa, deu-lhe grande visibilidade entre os maiores escritores do mundo por “brincar” com a pontuação e adotar uma escrita inovadora em seus textos. Em suas obras a pontuação não é convencional, os pontos finais só aparecem ao fim dos parágrafos, que normalmente são longos. Nos diálogos, os travessões são excluídos e a interpretação da fala dos personagens é, muitas vezes, confundida com a autorreflexão. Essa estratégia cria sentidos ambíguos, uma vez que se torna difícil saber exatamente quem está falando. Isso exige atenção redobrada do leitor.


A “História do cerco de Lisboa”, discutida em 26 (sábado último), pelo Clube de Leitura da AVL, narra a vida de Raimundo Benvindo Silva, um humilde revisor de textos que, ao revisar um livro sobre a história do cerco de Lisboa, comete propositalmente um erro: acrescenta a palavra “não” a uma frase e, desta forma, altera o fato histórico que revela o apoio dos cruzados aos portugueses, fator decisivo para garantir o cerco e a consequente queda de Lisboa.


Enviado o texto à editora, descobre-se o erro após a impressão e a editora resolve o problema acrescentando uma errata. A editora não o demite, mas contrata Maria Sara para supervisionar seu trabalho. Tentando entender a causa do erro, a supervisora percebe que Raimundo não admitirá a alteração, e incentiva-o a reescrever tal episódio da história de Portugal, conforme seu ponto de vista. Enquanto reescreve a história, inicia um relacionamento com Maria Sara.


A “História do cerco de Lisboa’ retoma um fato histórico de Portugal,  ocorrido em 1147, misturando o evento real e a ficção. O personagem Raimundo Silva, revisor de livros, ao introduzir, propositalmente o advérbio “não” em um livro de história real faz nascer a ficção ou literatura.  Com isso, Saramago propõe uma análise sobre o papel do escritor e desencadeia uma reflexão sobre a proximidade do texto histórico com o texto literário.


A narrativa se desenrola em diferentes planos: a história real do cerco de Lisboa, a história criada por Raimundo, gerada a partir da inclusão do “não” e a do próprio narrador. Essa alteração mudou totalmente a vida de Raimundo; abriu-lhe a possibilidade de se tornar escritor, proporcionou-lhe conhecer Maria Sara e viver um grande amor.


Além disso, coloca-se em pauta o questionamento: o que é a verdade histórica ou a escrita da verdade histórica. Na verdade, a escrita, mesmo quando não tem intenções ficcionais, é proveniente da interpretação do passado e da visão de mundo de quem escreve.  Sendo assim, é válido afirmar que a história não deve ser colocada como uma verdade absoluta, pois sempre será contada de acordo com as escolhas, a visão e a interpretação de quem escreve. Assim, em toda boa obra a palavra e a escrita estão a serviço do autoconhecimento e/ou conhecimento do ser humano.


Assim, José Saramago, um dos mestres da literatura portuguesa contemporânea, em narrativas entretecidas magistralmente, expõe neste livro, as possibilidades da literatura como meio de recriar o passado e o presente, o vivido e o narrado e promover no leitor, entre outras coisas, o fortalecimento do senso crítico.


“Eu sou um céptico profissional. Vivemos num mundo de mentiras sistemáticas.”

(José Saramago)


(*) Aldora Maia Veríssimo – Presidente da AVL

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