top of page
Buscar

Infância e saudades

E por falar em saudade, onde anda você infância? Vejo hoje em dia crianças que dizem estar brincando sentadinhas em frente à TV ou com um “tablet” ou celular na mão. Passam ali horas e horas entretidas com “games” de guerra, perseguição e morte. São hábeis com os dedinhos e ficam tão entretidas que não percebem mais nada a sua volta. Alguns pais adoram esta situação: as crianças não saem de casa, não ficam correndo nem perguntando coisas, não sujam as dependências do lar e quase não incomodam mais a não ser para pedir lanches, sucos, doces e coca cola. Gordinhas parecem saudáveis e, inteligentes, tem respostas para tudo.


Esta é a infância hoje! Então meu coração se enche de saudades e eu me recordo do meu tempo de menino...Pergunto ao gordinho do celular se ele conhece o pião, o estilingue, o jogo de bafo, o de betes, o salve 123, o empinar pipa, o bilboquê, a bola de gude! Pergunto se já tomou chuva na calçada, se já fez guerra de lama, se já brincou de Tarzan nos galhos da mangueira e ele me olha entre curioso e indignado. Explico então que eram os brinquedos da minha infância e como brincávamos!


Nos reuníamos na calçada em frente de casa em grande número e as brincadeiras aconteciam intensamente. O jogo de betes era em plena rua pobre de carros naquela época; fazíamos as “casinhas” com pedaços de madeira, arrumávamos os tacos, uma bolinha de borracha e, em duplas, disputávamos o jogo. Ali aprendíamos noções de solidariedade e companheirismo, ali desenvolvíamos nossas habilidades na pontaria, na velocidade e na força.


Nunca fui bom no jogo de pião, mas era craque no futebol de botão e na bola de gude. Na escola, nos intervalos das aulas, jogávamos “bafo” com figurinhas de jogador que todo mundo colecionava ou disputávamos um futebolzinho com bola de meia. Não havia merenda escolar e levávamos o lanche de casa preparado com carinho pela mãe e, comunitariamente, dividíamos os nossos lanches com todo o grupo.


Não havia “bulling” e assim faziam parte da turma o alemão, o piolho, o magrelo e o negão. Crescemos numa época em que a amizade era muito valorizada e nos tornamos homens com conceitos de honradez e dignidade. Todos os amigos da infância, que estudaram na escola pública, se tornaram bons trabalhadores, excelentes pais de família e os que já partiram deixaram um legado de exemplos e de fé que nos orgulham demais! Nossa infância estruturou nossas vidas!


Hoje, como já citei, vejo o menino em frente à TV ou com o celular na mão. A vida moderna o tirou das brincadeiras da rua e ele não consegue cultivar as amizades. Gordinho, não toma sol, e apresenta deficiência de vitamina D diminuindo sua imunidade e potencializando a possibilidade de doenças autoimunes; solitário e fantasioso tem muita probabilidade de se tornar depressivo e, como sabemos, o índice de suicídios entre adolescentes aumentou exponencialmente neste século 21 e, salvo evidentemente as exceções, serão adultos dependentes de antidepressivos e psicoterapia.


E então meu coração cheio de saudades agradece a Deus pela infância que tivemos.


(*) O autor é médico e membro da Academia Venceslauense de Letras


Comments


bottom of page