Nasci há 75 anos atrás em um tempo em que o patriarcalismo era intenso, a mulher era preparada para ser mãe e dona de casa e a única profissão permitida para ela era a de professora. Havia a escola normal que formava grande quantidade de meninas que eram preparadas para ensinar. Nós homens, desde a tenra idade, éramos obrigados a ser “machos”, provedores da família e não podíamos esmorecer jamais. A frase “homem não chora” fazia parte de nossa formação, do nosso dia a dia e aquele que por qualquer motivo não se apresentasse como homem seria desprezado pelos demais. Lembro-me de um episódio que presenciei aos 7 anos de idade quando, participando de um concurso sobre o dia das mães com outros aluninhos do primeiro ano do grupo, vi um dos meninos ganhador de um dos prêmios chorando, tímido e envergonhado e o pai raivoso o empurrando para frente e dizendo “que vergonha! Você não é homem!! Eu que em seguida iria também receber um prêmio fui para a frente engolindo em seco para não chorar...Afinal eu era homem...
Conheci Epitácio quando fui prefeito pela primeira vez. Era um homem forte e trabalhador. Pai de três mulheres dizia de sua frustação de não ter um filho homem. Queria que as meninas estudassem até a escola normal e, seu desejo, que casassem bem. As duas mais velhas seguiram suas determinações. Casaram cedo, nem terminaram a escola e lhe deram netos. Epitácio se vangloriava de nunca ter chorado. Nem quando sua mãezinha falecera, mesmo com o coração partido pela perda, mesmo com dor intensa pois a mãe era tudo para ele, não chorou pois seguia as determinações do pai, já falecido: “homem não chora”.
Sandra, a filha caçula de Epitácio, foi rebelde com as determinações do pai...Estudiosa, trabalhadeira, mesmo contra sua vontade foi à luta e sem nenhum apoio, trabalhando dia e noite sem esmorecer, conseguiu se formar em direito, a primeira universitária da família. Como padrinho da menina compareci à sua formatura e quando a mesma foi chamada para o discurso por ser a oradora da turma, surpreso, vi lágrimas teimosas e furtivas brotarem dos olhos do velho pai. Abracei-o com carinho e ele me disse “estou velho”.
O mundo mudou muito e graças a Deus a família também. Vejo hoje pais trabalhando em casa, cuidando de seus filhos, trocando fraldas, dando mamadeiras e banhos em seus bebês e isto não alterou em nada sua masculinidade. Vejo que as mulheres ocupam espaço importante em nossa sociedade, trabalham em todos os setores de nossa economia, cooperam muito com as despesas do lar e algumas, inclusive, são arrimos de família.
O amigo Epitácio faleceu há algum tempo e não pode ver a Sandra ser aprovada e assumir o cargo de Juíza de Direito de uma comarca importante. Por certo, se estivesse vivo, verteria lágrimas de alegria e agradecimento a Deus. Nós, em seu lugar, agradecemos ao Pai Celestial por esta vitória e por ter tornado nosso mundo mais fraterno e equânime!
(*) O autor é médico e membro da Academia Venceslauense de Letras
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