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O nome dela era…

Atualizado: 20 de jun.



Morava em um quarteirão próximo a minha casa, nos tempos de minha adolescência. Casada, quatro filhos, três meninas e um rapaz. Marido, bastante idoso, trabalhador na Prefeitura Municipal, trabalho braçal. Viviam em uma casa humilde, trabalhava lavando e passando roupas para famílias abastadas. Sua filha e filho mais velhos trabalhavam para ajudar nas despesas da casa.


Toda a vizinhança admirava a energia de Judite. Trabalhava muito, vivia com parcimônia, mas não conhecia tristeza, era otimista, cantava muito, parecia levar uma vida tranquila, não ter obstáculos a vencer, enfim, uma alma feliz. Como todas as casas da vizinhança, a dela tinha um grande quintal com várias árvores frutíferas. Adorava pegar fruta no pé, limpava-as na blusa e as ingeria como se estivesse degustando um sofisticado banquete. Costumava dizer que queria ficar velhinha ao lado de seu marido, o Manezinho, até ficar de “miolo mole”, confundindo qualquer sombra com monstros horríveis. As mulheres da vizinhança a achavam muito alegrinha, demais até. Era comum ocorrerem discussões entre Judite e Manezinho. Onde você estava? Já cheguei do trabalho há mais de uma hora! E ela, rindo, dizia: Eu estava no quintal. Pensando na vida. Na vida maravilhosa que nós temos, meu velho! E, com descontração, fazia a discussão terminar. Essas ausências eram muito comuns, mas Judite sempre contornava o climão.


Eis que Judite foi surpreendida por uma gravidez inesperada. Ela já não estava em idade reprodutiva, não tinha mais idade para engravidar e a idade de seu marido também não era propícia. Mas, em nove meses, Judite deu à luz  dois bebês, duas meninas que receberam o nome de Maura e Marina.


Além da surpresa dessa gravidez tardia, e ainda de gêmeas, as bebezinhas chamaram a atenção das curiosas vizinhas. Maura era morena, lábios carnudos e cabelinhos encaracolados. Lembrava os traços do sr Manezinho. Marina, diferentemente, era muito branquinha, olhos azuis e cabelos loiros, em nada lembrava os traços da mãe, do pai ou dos irmãos.


De novo a vizinhança murmurou sobre as características de Marina: de quem ela puxara os olhos azuis e os cabelos loiros? Algumas começaram a dizer que, nos finais de tarde, sempre viam uma visita que chegava à casa de Judite. Era um senhor bonitão, branco, cabelos loiros, muito bem vestido e bastante simpático. Cumprimentava todas as pessoas, sempre sorridente e amável.


Após o nascimento das gêmeas, Seu Elias, esse era o nome do senhor simpático, passou a frequentar, diariamente, a casa de Judite e Manezinho. Sua simpatia e sua bondade eram expressas através de significativas ajudas financeiras à criação das meninas: roupas de qualidade, brinquedos e até passeios. Ovos de chocolate na Páscoa, presentes no Dia das Crianças e no Natal. Enfim, a vida da família melhorou muito. Que bênção era a amizade do Seu Elias com a simpática Judite. O sr Manezinho, diferente dos demais, entrou em profunda tristeza, que hoje chamaríamos de depressão. Definhou, adoeceu, perdeu a vontade de viver e de sorrir. Não alcançou a festinha de aniversário de 2 anos das gêmeas.


Faleceu duas semanas antes, o que não impediu que a festa fosse realizada.

Uma festa impecável: bolo com cobertura cor de rosa, brigadeiros, beijinhos, bala de coco, cachorro quente e tubaína. Tiraram até foto. Ficaram registradas as duas menininhas: Maura, morena, lábios carnudos, testa larga, esperta e falante, miniatura do sr Manezinho; Marina, uma princesinha, loirinha, cabelos lisos e longos, traços delicados destacados pelos olhinhos azuis da cor do céu, calma e simpática. Simpática como o Seu Elias, o melhor amigo da família.


“Erre, falhe e engane-se, mas seja leal, porque a traição não tem perdão.” (Autoria anônima)


(*) Aldora Maia Veríssimo – Presidente da AVL

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