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O professor chorou


O professor Mario Braga de Abreu era nosso catedrático de Clínica Cirúrgica na Faculdade de Medicina da PUC em Curitiba. Era considerado, não só na faculdade mas em toda a cidade, um dos maiores cirurgiões da história do Paraná. Extremamente respeitado e, por que não dizer temido, não só por sua competência mas também porque era tido como um homem extremamente severo e genioso, o velho mestre caminhava pelos corredores do hospital e espalhava grande temor entre os acadêmicos e os médicos recém formados. Não admitia falhas e ai daqueles que fossem negligentes e mal alunos...Ele os reprovava sem nenhuma misericórdia e dizia “quem quer ser médico tem que entregar sua vida a este mister”!


Por força do meu trabalho, necessário para me manter na faculdade, não tive um relacionamento mais próximo com o professor mas, com certeza, ele sabia que eu era um bom aluno.


Casei-me no quinto ano da faculdade e na metade do sexto ano nasceu meu único filho Tácito Alexandre. Na época eu já me dedicava mais à ginecologia e obstetrícia. Com 22 dias de vida meu filho apresentou patologia chamada “estenose hipertrófica congênita do piloro” que consiste em uma estenose, um estreitamento importante da válvula que liga o estômago ao intestino fazendo com que o bebê vomite muito e se não corrigido a tempo com uma cirurgia apropriada pode leva-lo à morte.


iagnosticado pelo amigo doutor Regis o menino foi levado para Curitiba onde eu me encontrava terminando o curso. Ali, fomos para o hospital de pediatria para realizar a cirurgia de urgência e, desesperado, eu não sabia o que fazer...Então, de repente, surge na enfermaria o doutor Mario e determina que seja dado todo o atendimento ao meu filho e que qualquer despesa que surgisse seria por sua conta. Quis agradece-lo porém ele, já saindo, me disse: “você é um bom aluno”!


A cirurgia correu muito bem e, ainda pela manhã, meu filho já estava no quarto, no colo da mãe. Após o estágio daquele dia voltei para o hospital e a noite quando estávamos orando e agradecendo a Deus por suas bênçãos o velho professor chegou. Entrou, verificou o estado do menino e, pela primeira vez, vi sorriso em sua face. Agradecido o abracei intensamente e notei lágrimas em seus olhos.


No dia seguinte fiquei sabendo que seu filho Mario, estudante de medicina na nossa faculdade, conhecido por nós como Marinho, tinha, naquele dia, sido internado em um hospital psiquiátrico com surto psicótico...


O professor Mario Braga de Abreu foi o Patrono de nossa turma em nossa formatura e ficou eternamente guardado em nossos corações como um mestre rigoroso mas com uma bondade infinita e com uma preocupação enorme de nos ensinar não só a ciência médica mas também a postura do verdadeiro profissional da medicina. Em gratidão temos nos esforçado para isto!


Lamentavelmente, alguns anos depois de formado, fiquei sabendo que o Marinho havia, num surto psicótico, se suicidado. Neste dia também chorei pelo velho professor. Lembranças que levamos conosco por toda vida.


(*) O autor é médico e membro da Academia Venceslauense de Letras

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