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O velho e o menino


O outono chegou derrubando as folhas das árvores na eterna, perpétua, consumação de um ciclo da vida com a natureza trocando sua roupagem para um novo período. O velho caminha devagar e sabe, sente na dificuldade da marcha, nas mãos que tremem um pouco graças ao Parkinson, que o seu ciclo está por terminar... Sozinho procura um banco para se sentar, inspira com dificuldade o ar da manhã e com os olhos busca as plantas das alamedas e os pássaros que gorjeiam entre os arbustos. Para ele tudo é cinza na manhã de abril. Recordar o passado lhe tem sido difícil: a esposa que partiu após sofrimento duradouro, os filhos que se foram e não voltaram mais, um no Canada, outro na Austrália , os dois sem tempo e sem disposição para falar com ele nem mesmo pelo aplicativo do celular, a vida no abrigo sempre com a mesma rotina do levantar, comer, cochilar, dormir...As lembranças, que teimam em aparecer nítidas, lhe doendo no coração a saudade de um passado, de um tempo de luta e trabalho mas de planos e esperanças, de sonhos, de conquistas e realizações. Não, não pode dizer que a vida lhe foi cruel. Teve trabalho, constituiu família e, se não realizou tudo o que queria, sente que, de certa forma, foi um vencedor. Mas considera que a existência é ingrata na senectude, pois, agora que poderia desfrutar do que conseguira, já não o consegue mais! Os amigos já se foram, no antigo emprego os novos funcionários já não o conhecem e as pessoas que antes lhe admiravam, que necessitavam da sua ajuda, da sua presença, lhe olham com comiseração e o tratam como se criança fosse...Ah! será que vale a pena...


Ali, bem perto, um menino brinca entre os canteiros da praça. Está sozinho, mas conversa como se alguém estivesse ao seu lado. Bonito, loirinho com sardas no rosto, com pequeno caminhão de madeira, destes que já não existem mais, enche a caçamba do brinquedo com folhas secas e as leva pela alameda até um outro local onde as deposita. Retorna então para pegar mais e sorri quando vê o ancião. Aproxima-se com certa timidez e mostra-lhe o caminhãozinho. Pergunta-lhe então: “quer brincar?” Criança é assim mesmo, não leva em consideração a idade e isto mexe profundamente com o velho. Há muito tempo não lhe convidavam para nada e quando se dirigiam a ele era sempre como se o mesmo estivesse muito mal: “cuidado, ande devagar, não pise aí, dê sua mão, pegue o copo com cuidado”... A criança não. A criança o tratou como igual. “Estas folhas são os bois de nossa fazenda e você é meu sócio; junte, meu amigo, a boiada que vamos conduzi-la para o outro lado do rio”... E, de repente, o velho estava sentado no chão juntando folhas secas e estava tão entusiasmado como se tivesse ganho um maravilhoso presente. As horas passaram céleres e de repente, de longe, uma mulher chamou pelo menino”. Estou com meu novo amigo mamãe mas já estou indo”. Abraçou o homem com carinho e lá se foi pulando e cantando puxando o caminhãozinho. Sentado no chão o velho o viu se afastar e lágrimas rolaram pela sua face. Mas eram de alegria. Aliás sentimento que há muito não habitava seu coração. O menino se foi e, ali, solitário, sentado no chão o senil se lembrou que não havia perguntado seu nome. Mas logo, do fundo de seu coração surgiu um nome que tomou conta de todo o seu ser! “Vou chama-lo Jesus meu grande e verdadeiro amigo”!


(*) O autor é médico e membro da Academia Venceslauense de Letras

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