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Os sons da minha rua

Atualizado: 20 de jun.


Teoricamente moro em uma rua do Centro, mas na prática não é bem assim. É uma rua simples, corredor para bairros mais afastados. Por isso o trânsito de carros e motos é bastante intenso durante o dia e principalmente em horário comercial.


Ultimamente, estando muito em casa devido às restrições da pandemia (e da idade!), vejo-me mais atenta aos detalhes do meu dia a dia, inclusive aos barulhinhos da vida. Recolhendo-me ao repouso, mais cedo, percebo que ocorreram mudanças na vida que transita neste endereço.


À noite, lá pelas 22 horas, tudo está em perfeito silêncio; nem motos nem carros passam por aqui; tudo dorme, exceto os gatos da vizinhança que insistem em “fazer sexo selvagem” embaixo da janela do meu quarto. O silêncio só é quebrado pelo apito do guarda noturno do quarteirão, o que aliás, acontece a espaços regulares durante a noite toda, tornando-se imperceptível até porque já nos familiarizamos com ele.


Até os incômodos toques da campainha acordando a madrugada desapareceram. As crianças e jovens esqueceram como é gostoso tocar a campainha e sair correndo? A conversa e risadas dos grupos de jovens amigos indo ou voltando das baladas também não acontecem mais. Ou seja, se a insônia permitir, nossas noites neste endereço são muito tranquilas e reconfortantes.


Mas, durante o dia, a coisa muda. O dia começa com os rapazes do Tiro de Guerra que passam correndo ao som das musiquinhas cujos versos de motivação são repetidos após um comando e servem para animá-los a se exercitar estando calor ou frio. Quando o trafegar de carros e motos começa, algo familiar acontece: o carro dos produtos de limpeza passa vendendo marcas famosas fabricadas em fundos de quintal: Veja, Amaciante, Qboa… Às vezes se dá uma disputa com o carro que vende pizza para o almoço, bem baratinha; não sei se é gostosa, ainda não experimentei! Ou com o carro da “pamonha, pamonha de Piracicaba! O puro creme do milho verde.”


A vizinhança é tranquila. Não temos brigas de casais. Não temos sequer discussão de comadres e não há adolescentes adeptos de som alto. Nosso sossego só é “violado” uma vez por mês quando os meninos de uma empresa próxima fazem, no espaço do depósito, um cheiroso churrasco regado a cerveja, provavelmente, e muita música de sofrência.


No dia a dia, após o almoço, minha rua ganha sons, cores e movimento. As crianças voltam da escola e a vida ganha nova trilha sonora e mais encanto. Joga-se bola, anda-se de bicicleta, acontecem choros e discussões, ouvem-se gritos “Não fui eu”, ‘Agora é a minha vez”, “O mãããnhe, olha o…” “Vovó, o sorveteiro vem vindo” “O bombeiro buzinou pra nós”.


São esses sons que diferenciam o dia e a noite em minha rua. Minha rua não é notívaga, minha rua é solar, indiscutivelmente solar, iluminada pelos raios solares, naturalmente, e também resplandece pela alegria e sorriso das crianças, que enfeitam a nossa vida.


Na metade da tarde ouvem-se sons jovens e promissores. São os alunos de uma escola de período integral, que em bandos, desprezam as calçadas e caminham pelo meio da rua, conversando alto e rindo sem pudor e comprovadamente felizes. Não falta em minha rua a algazarra das maritacas. Em grupos numerosos, como as crianças, emitem um diálogo ruidoso, onde alegremente ninguém respeita ninguém, todas “falam” ao mesmo tempo. Parecem crianças conversando animadamente. Sonoridade revigorante. Vez ou outra o firmamento é riscado por bandos de araras do peito amarelo e seu grasnar estranho. Ou seja, são as crianças, os jovens e a natureza que dão vida a minha rua e que a tornam tão especial. A pureza, a sinceridade e a essência colorem meu endereço.


Enfim, se esta rua fosse só minha “eu mandava ladrilhar com pedrinhas de brilhantes” só para ver a vida passar enfeitada com o sorriso das crianças, com a positividade dos jovens e com o que ainda temos de natureza pura.


“Aprendi que é na simplicidade da vida que a vida se enfeita.”


(*) Aldora Maia Veríssimo – Presidente da AVL

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