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Perplexidade


Já vivi bastante, já passei dos 70 anos. Portanto, coube-me o privilégio de ver a transformação dos espaços sociais e, por tabela, a transformação da sociedade, especialmente em Presidente Venceslau. Por índole, sou calada e observadora e poucas coisas escapam-me aos olhos e sentimentos. Já não tenho certeza se essas são características positivas ou não!


Vi e vivenciei a troca do prédio do Ginásio do Estado, que abriga hoje uma escola particular, para o prédio novo do querido IE “Antonio Marinho de Carvalho Filho”. Estava eu na 5ª série do ginasial, hoje ensino fundamental.


Vi com olhos marejados, a ampliação da Igreja Nossa Senhora de Fátima, que ganhou uma nova nave, mas em contrapartida, tristemente, perdeu grande parte de sua pintura e seu altar original que remetiam ao movimento barroco.


Vi a Capela Nossa Senhora Aparecida, pequena, simples e de madeira, ser substituída por um prédio de alvenaria, com a ajuda dos católicos de suas imediações. As ruas da vila Ernane Murad que nos levavam ao centro, cobertas por uma areia escaldante, foram substituídas pelo poderoso asfalto que tanto facilita a vida dos transeuntes, sejam eles pedestres ou ocupantes de carros.


A Igreja Santo Antonio foi concluída após vários anos parada, graças ao empenho do pároco da época e os cristãos de boa vontade. Pouca coisa por mim presenciada foi mais impactante que o transporte do Cruzeiro da Igreja Santo Antonio pelas ruas da cidade. Não me lembro onde começou a caminhada, mas foi levado até a Igreja por homens e rapazes, mulheres também, que num esforço inaudito, como formiguinhas, numa clara demonstração de que “a união faz a força” carregaram pelas ruas de nossa cidade, aquele colosso de ferro, enfrentando, inclusive as subidas ou descidas das ruas calçadas de paralelepípedos, de difícil equilíbrio. Não sei exatamente como isso se fez, a quantidade de pessoas, as substituições, os problemas; o que ficou marcado em minha memória adolescente foi a estrutura de ferro, gigantesca, e a moldura de homens de boa vontade, que tornavam a cruz maior devido ao ajuntamento de força e fé. Imagem inesquecível!


Nessa esteira de transformações, há pouco vi os paralelepípedos das ruas do centro serem substituídos por asfalto. Alguns amaram, outros lamentaram o descaso com uma característica histórica que em outras cidades mereceram preservação.


A estrada de ferro, atualmente em desuso, já dificultou a vida de estudantes que tinham que pular os vagões dos trens que ficavam parados, obstruindo, principalmente a travessia que liga a rua General Câmara à rua Bernardino de Campos. Com nossas saias de uniforme pregueadas, nossos sapatos vulcabrás e nosso material escolar no braço, era muito difícil subir e pular entre os vagões; nossas mãos sempre ficavam sujas. E o cheiro era horrível, eram vagões de carga. Mas a desativação da Estrada de Ferro trouxe benesses. O espaço transformado em Parque Histórico Municipal possibilitou melhorar o acesso da “parte de lá da linha” à “parte de cá da linha”.


Seria possível discorrer sobre inúmeros aspectos materiais da passagem dos tempos, mas, o que me incomoda mesmo são as mudanças imateriais ocorridas com os seres humanos. Estamos involuindo? Voltamos à idade da pedra? O que nos faz tão impacientes, intolerantes e sem filtro? O que petrificou os corações humanos a ponto de perdermos o controle ético e moral? A ponto de não nos importarmos se estamos ferindo ou não as demais pessoas. A que devemos a crueldade que permeia nossas vidas?


Sou fruto de uma educação conservadora, mas me entendo aberta à evolução. Mas, como é desagradável manusearmos o celular, no Facebook ou Instagram e lermos ou ouvirmos falas que estarrecem até os espíritos mais elevados: sexualidade explícita e detalhada, ofensas morais a pessoas proeminentes ou não, zero privacidade, a verdade sendo substituída por narrativas absurdamente inverossímeis subestimando a inteligência de qualquer cidadão, comportamentos degenerados e as pessoas se colocam nas redes sociais de forma grosseira, desrespeitosa, ultrajante, e o pior, acreditam, piamente, que estão “lacrando” como se diz atualmente.


Todos conhecem todos os temas, todos opinam sobre tudo. Todos comentam mesmo que não tenham sido instados a isso; a maioria ofende não se importando com a idade e situação da pessoa exposta, e nessa onda de pessoas modernas, engajadas e participativas, a educação, a polidez, a gentileza e a empatia inexistem e a vida segue seu curso entre ofensas, mágoas e desamor e as pessoas mais sensíveis ou minimamente educadas continuam sofrendo e se envergonhando nesse momento tão difícil da história da evolução humana.


“Evolução e crescimento são coisas diferentes. Crescer é ficar maior, evoluir é ficar melhor.”


Aldora Maia Veríssimo – Presidente da AVL

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