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Pretinho


Desde a infância eu já gostava daquele pretinho! Logo pela manhã sentia o cheirinho que emanava da cozinha! Sim, ele ficava perto da vó ao lado do fogão, e eu corria para vê-lo, mas a velha ralhava: “chispa daqui moleque, borralho é lugar de gato não de criança”. Ah, Velha danada!


Na escola ficamos amigos, verdadeiros companheiros, e toda hora estávamos juntos. Na faculdade ajudou-me nos estudos: passava a noite ao meu lado me dando ânimo, incentivando e aclarando minha memória; quando o sono pegava lá pela madrugada ele me acordava com aquele perfume, e pronto, novamente recomeçávamos a caminhada estudantil. Quando formei em medicina recordo que entre os agradecimentos mais sinceros, a Deus, à família, aos amigos, aos livros, aos pacientes não faltou gratidão a ele por ter dado a mim condições de chegar àquele momento tão importante. Achei que o diploma seria nossa despedida, e pensei em dizer adeus ao companheiro.


Ledo engano! Nas madrugadas de plantão ele aparecia para dar apoio com aquele calor incondicional, com doçura e perfume! Mesmo nos momentos de dúvida sobre condutas e decisões a tomar, lá estava ele, e de forma simples aclarava meu raciocínio e fazia com que eu acertasse diagnóstico e tratamento.


Um dia alguns amigos me disseram que ele era colombiano, ou como alguns outros, que ele tinha descendência árabe. Todavia, cá para nós, sempre o considerei nascido e criado nas terras rochas do norte do Paraná, ali por Jacarezinho e Andirá. Talvez, pudesse também ter nascido nos altiplanos mineiros, mas nunca no estrangeiro, nunca arábico! A origem, na verdade, não me importa muito. Brasileiro ou estrangeiro o fato é que ele tem sido amigo inseparável. Até encontrei-o por acaso em um bar de Portugal; estava esquisito, frio e distante demais para meu gosto.


Contudo, compreendi. Isto acontece.


Agora, na velhice, estreitamos ainda mais nosso companheirismo. Ele não me larga. Sentado no alpendre, lendo meus livros, escrevendo minhas bobagens, vendo o sol se esconder por trás dos prédios, cochilando, sinto o aroma e sua presença ali colado em mim.


E fico feliz com isto! Então coloco mais açúcar e tomo o meu café! Servido?

(*) O autor é médico em membro da Academia Venceslauense de Letras

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