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Refugiados: sonho e desespero


O coração com uma enxurrada de emoções! Na frente o Mediterrâneo terrível: ondas encapeladas, cores acinzentadas, verdadeiros borrões e o rugir do desconhecido tão próximo, a pouco mais de sessenta quilômetros e ao mesmo tempo tão distante como o medo parece mostrar. Para trás a morte espreitada em cada barraco, os estupros, a fome, a guerra civil e os terríveis negros de Bussamara com seus facões... estão ali juntados como gado, acotovelados, esfaimados, aguardando o barco e os piratas que os levarão oceano a dentro. Não há a expectativa de um cajado abrindo o mar como na fuga bíblica do Egito. Não há sequer a certeza de uma chegada a uma nova vida.


Homens e mulheres, crianças e velhos, no entanto, aguardam e sonham. Por que sonhar é preciso e ainda é possível... do outro lado afinal a Itália e a Espanha vicejam na civilidade e no progresso e deverá haver um canto para recomeçar.


O barco chega e não parece tão grande para comportar a todos, mas o sonho, a quimera, não os faz notar isto e em pouco tempo, lotado, começa a singrar as ondas do mar. E a poesia brota no coração deles como relva de primavera e os cânticos são entoados com ardor, com fé e até com alegria. O sol castiga a pele ambàrica daquele povo mas o sorriso estampado em dentes alvos não demonstra qualquer dor.


Dias de sol, céu e água! Fome, muita fome e esperança... sim esperança! Afinal, navegar é preciso!


A noite chega assombrosa e, com ela, uma tempestade raivosa... na escuridão, no breu das águas alguns partem sem despedidas e ouvem-se choros débeis de olhos secos. Talvez encontraram vida melhor.


Amanhece e o mar está calmo, adormecido pelo cansaço da refrega noturna. Não como contar os que ficaram: os mais fortes? Os com mais sorte? Ao longe se vê um navio que se aproxima. Nossa! Milagre! Cada um agradece ao seu deus por sua bendita sina. Navio de bandeira italiana, marinheiros a bordo e a notícia com adaga cortante, como os facões dos negros de Bussamara Dândi: não serão recebidos na Itália, não há lugar para eles. Choro e temor, desespero e dor e a sensação de nulidade tomando conta de cada vida. Notícias nos jornais, o mundo clamando humanidade, as pessoas exercendo qualidade rara, a bondade, e finalmente aceitos... chegam ao novo país e estão livres? Evidente que não: serão extorquidos, enxotados, maltratados, vilipendiados ... afinal são simples refugiados.


OBSERVAÇÃO: crônica escrita há alguns anos, quando ocorreu naufrágio de barco que tentava chegar à Itália, publicada na revista digital “Litera livre” e na segunda coletânea da Academia Venceslauense de Letras.


(*) O autor é médico e membro da Academia Venceslauense de Letras

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