
Conheço você há 8 anos. Temos um filho de 5. Não somos casados, apenas vivemos sob o mesmo teto. Lembrando o passado, não sei se começamos a nos relacionar por amor ou por carências minhas. Mas me senti feliz por algum tempo. Você parecia ser um cara legal, apesar de eu saber que você tinha uma personalidade forte. E era ciumento, na verdade possessivo. A princípio acreditava que o ciúme era prova de amor, de valorização.
Ficava muito feliz quando você ia me buscar no fim do dia no meu trabalho e reclamava pela minha demora ao sair, dizia estar com saudade. E resolveu que eu deveria parar de trabalhar quando fôssemos morar juntos, só cuidar de nossa casa. Você fazia as compras para casa e eu ficava lavando, passando e cozinhando a comida que você pedia. Me acostumei a servir você. Daí para a primeira gravidez foi um tempo curto.
Sensibilizada pela gestação comecei a me incomodar com suas atitudes, nem minha enorme barriga, enjoos e vômitos eram obstáculos para suas libertinagens sexuais e uma queixa ou tímida recusa eram vistas como traição. Você conheceu alguém? Veio algum homem aqui em casa?
Discussões, xingamentos, humilhações e empurrões, apesar da minha barriga enorme. Chorar era a única coisa que eu podia fazer. Não podia nem desabafar com minha mãe, há muito você me proibira de visitá-la.
Quando nosso filho nasceu, tudo pareceu mudar num passe de mágica, você estava muito feliz por ter um filho macho. Logo, porém, os problemas naturais dos bebês começaram a te incomodar: o choro, as febres, não dormir à noite; fazer sexo ao som do choro do bebê era o que mais me maltratava.
Cuidar do nosso filho com as suas implicâncias e mau humor exigiam de mim um autocontrole muito grande, queria evitar problemas e discussões ou agressões na frente de nosso filho. Minha dedicação à criança irritava você. Começaram, então, as agressões físicas, tapas, até socos, puxões de cabelo, empurrões que me arremessavam até os móveis; isso a princípio aterrorizava nosso menino, que com o tempo, escondia-se, chorando, dentro do guarda roupa, sempre que as brigas começavam.
Comecei a pensar em me separar, mas só pensar me fazia muito mal. Eu tinha muito medo de sua reação quando eu lhe falasse em separação.
Quando eu reclamava, tentava conversar, vinham as ameaças: Quer largar de mim? Para onde você vai? Vai viver de quê? Sou capaz de matar você e o seu filho!
Quem nunca viu na TV as histórias de horror envolvendo casais que se separam e normalmente o marido não aceita e começa a infernizar a vida da mulher e dos filhos, se houver? O meu medo me levou a tentar fazer alguma coisa para nossa vida melhorar e evitar males maiores: faria isso por meu filho e pela minha vida.
Mais uma decepção. Não havia como melhorar nosso convívio, por mais que eu tentasse ser carinhosa, compreensiva e evitasse discussões nada mudava, na verdade, piorava, você começou a beber. Chegava em casa todas as noites bêbado. Suas atitudes machistas pioraram; você se achava meu dono e dono do meu filho, que tinha medo de você, tremia ao vê-lo. Não consegui suportar, saí de casa com meu filho. Fui à delegacia, fiz a queixa e fui morar com minha mãe. Seria o primeiro lugar que você me procuraria. Providenciamos uma medida protetiva: você não poderia se aproximar de mim nem de nosso filho.
Já se passaram seis meses desse dia tão difícil. Para meu espanto, você tem respeitado a lei, não se aproxima de nós. Mas eu sei, isso não vai durar. Continua bebendo. Quando eu e minha mãe descuidarmos, você consuma seu ódio a nós. Não sei como, nem quando, não sei se haverá requintes de crueldade, será lento ou abrupto, exposto ou às escondidas, mas sei que será. Como sei? Uma mulher que passa pelo que eu passei, na sociedade em que vivemos, sempre sabe como será o final dessa história. Cedo ou tarde entraremos para a estatística de feminicídios.
“A violência gera marcas; não vê-las gera feminicídios.” (Anônimo)
(*) Aldora Maia Veríssimo - Presidente da AVL