
O professor Mario Braga de Abreu era nosso catedrático de Clínica Cirúrgica na Faculdade de Medicina da PUC em Curitiba. Era considerado, não só na faculdade mas em toda a cidade, um dos maiores cirurgiões da história do Paraná. Extremamente respeitado e, por que não dizer temido, não só por sua competência mas também porque era tido como um homem extremamente severo e genioso, o velho mestre caminhava pelos corredores do hospital e espalhava grande temor entre os acadêmicos e os médicos recém formados. Não admitia falhas e ai daqueles que fossem negligentes e mal alunos...Ele os reprovava sem nenhuma misericórdia e dizia “quem quer ser médico tem que entregar sua vida a este mister”!
Por força do meu trabalho, necessário para me manter na faculdade, não tive um relacionamento mais próximo com o professor mas, com certeza, ele sabia que eu era um bom aluno.
Casei-me no quinto ano da faculdade e na metade do sexto ano nasceu meu único filho Tácito Alexandre. Na época eu já me dedicava mais à ginecologia e obstetrícia. Com 22 dias de vida meu filho apresentou patologia chamada “estenose hipertrófica congênita do piloro” que consiste em uma estenose, um estreitamento importante da válvula que liga o estômago ao intestino fazendo com que o bebê vomite muito e se não corrigido a tempo com uma cirurgia apropriada pode leva-lo à morte.
iagnosticado pelo amigo doutor Regis o menino foi levado para Curitiba onde eu me encontrava terminando o curso. Ali, fomos para o hospital de pediatria para realizar a cirurgia de urgência e, desesperado, eu não sabia o que fazer...Então, de repente, surge na enfermaria o doutor Mario e determina que seja dado todo o atendimento ao meu filho e que qualquer despesa que surgisse seria por sua conta. Quis agradece-lo porém ele, já saindo, me disse: “você é um bom aluno”!
A cirurgia correu muito bem e, ainda pela manhã, meu filho já estava no quarto, no colo da mãe. Após o estágio daquele dia voltei para o hospital e a noite quando estávamos orando e agradecendo a Deus por suas bênçãos o velho professor chegou. Entrou, verificou o estado do menino e, pela primeira vez, vi sorriso em sua face. Agradecido o abracei intensamente e notei lágrimas em seus olhos.
No dia seguinte fiquei sabendo que seu filho Mario, estudante de medicina na nossa faculdade, conhecido por nós como Marinho, tinha, naquele dia, sido internado em um hospital psiquiátrico com surto psicótico...
O professor Mario Braga de Abreu foi o Patrono de nossa turma em nossa formatura e ficou eternamente guardado em nossos corações como um mestre rigoroso mas com uma bondade infinita e com uma preocupação enorme de nos ensinar não só a ciência médica mas também a postura do verdadeiro profissional da medicina. Em gratidão temos nos esforçado para isto!
Lamentavelmente, alguns anos depois de formado, fiquei sabendo que o Marinho havia, num surto psicótico, se suicidado. Neste dia também chorei pelo velho professor. Lembranças que levamos conosco por toda vida.
(*) O autor é médico e membro da Academia Venceslauense de Letras

Lembro-me como se fosse hoje! Era também um dia das mães. Saíamos do plantão na maternidade aonde de madrugada havíamos assistido um parto de uma menina de treze anos que após tantas horas de sofrimento ao nascer seu pequenino bebê, como se nada e nenhuma dor tivesse acontecido, apertou-o junto ao seio e sua expressão de amor era tão intensa que nos fez chorar de alegria. Sim, o plantão terminara mas ainda nos deparamos com outra surpresa: uma paciente que ganhara neném há poucos dias se evadira do hospital e deixara um bilhete dizendo que não poderia criar seu filho pois era usuária de drogas e não queria que sua criança trilhasse o mesmo caminho. Acionamos o juizado de menores pois, na época, não havia Conselho Tutelar, para encaminhar aquele recém-nascido revoltados com a atitude daquela mãe que abandonara seu filho. Assim, durante todos estes anos em que exerço a medicina tenho visto as manifestações de amor imensurável das mães a seus filhos e hoje, com os cabelos embranquecidos, até compreendo o gesto daquela “drogadita” que preferiu abandonar seu filho para não vê-lo seguir o seu trajeto.
Na porta das cadeias vejo mães aguardando a oportunidade de ver o filho preso e, para ela, por pior que ele seja, será sempre seu menino e, mesmo as abandonadas por sua família e esquecidas em um abrigo de idosos, quando falam de suas crianças demonstram carinho e grande amor por elas. Sendo repetitivo eu diria que amor de mãe por seus rebentos é eterno.
Eu era criança e nas férias ia para Minas passar a temporada no sítio de minha avó. Era uma alegria! Andar a cavalo, tomar o leite tirado na hora de manhãzinha no curral, visitar o vizinho da frente “seu Pompeu” em cujo quintal, nos fundos, passava o rio Aventureiro e onde podíamos pescar os lambaris, as traíras e os bagres era tudo o que queríamos. Dona Sinhá, esposa do seu Pompeu e mãe de nosso amiguinho Jader, nos servia doce de goiaba, de abobora, de marmelo com queijo fresco e isto era bom demais. Naquelas férias encontramos ali uma novidade: Manah a cadela de estimação do Jader havia parido quatro filhotinhos e, aos sete anos, para nós era verdadeiro espetáculo. Mansinha ela permitia nossa aproximação do ninho que estava situado em uma caixa de madeira ao lado do curral bem próximo do Aventureiro. Passávamos horas ali vendo a cadela lidar com os filhotinhos que, gulosos, queriam só mamar. Aconchegava as crias e as lambia com muito carinho protegendo-as de tudo. Naquela noite o tempo mudou para os lados de Cataguases e de madrugada os trovões se aproximavam do sítio. Seu Pompeu acordou com os ganidos de Manah que arranhava a porta dos fundos junto à cozinha. Como isto nunca ocorrera antes o velho, ainda sonolento, abriu a porta que dava para o alpendre e encontrou a cachorra desesperada que latia para ele e corria em direção ao ninho onde estavam os cãezinhos. Voltou para o interior da casa para pegar um lampião e quando saiu com a luz na mão encontrou Manah com um filhote na boca depositando-o na varanda e voltando em disparada para o curral. Olhou para o lado do rio e viu que o mesmo subia de nível rapidamente. Então entendeu o “grito de socorro” daquela mãe. Correu a ajuda-la e quando puseram o ultimo filhote a salvo a correnteza passou arrastando tudo inclusive o caixote onde pouco antes estavam os animaisinhos. Manah aconchegava seus rebentos mas, de repente, se aproximou do homem e lhe lambeu as mãos num verdadeiro gesto de gratidão.
A vida nos ensinou muitas coisas, boas e ruins, mas nos mostrou sempre, independente de tudo, que o amor de uma mãe, seja ela quem for, é infinito, abençoado, divino e para sempre!
(*) O autor é médico e membro da Academia Venceslauense de Letras.

Acredito que em algum lugar do nosso cérebro, talvez nas circunvoluções da córtex, talvez no sistema límbico ou, quem sabe, nos núcleos da base, existe um lugar, um cantinho, que só pode e só é acessado por cada um de nós sendo inexpugnável às outras pessoas. Como disse não sei ao certo onde fica. Talvez um neurologista com muito mais conhecimento possa nos esclarecer. Mas uma coisa é certa, que existe ele existe! Neste local vamos acumulando, desde o momento em que dolorosamente rompemos o trajeto do parto e soltamos o primeiro grito necessário para o ar expandir nossos pulmões, nossos aprendizados, experiências, lembranças, características que moldam a nossa personalidade, formam o nosso “EU” e nos acompanham para o resto de nossas vidas. Aí estão estruturados o nosso caráter, a nossa agressividade, o nosso amor e guardadas a nossa memória, as nossas lembranças.
Assim, é desta fonte límpida que bebemos as nossas lições e aprendemos desde o sugar do seio materno, primeiro ato importante, até o raciocínio e o conhecimento que nos fazem ocupar o nosso espaço social, conquistar nossos objetivos e nos tornarmos vencedores (ou não) durante nossa vida que, como sabemos, é efêmera e na enorme maioria das vezes não chega aos cem anos. E é daí também que tiramos o sentimento do amor, o melhor dos sentimentos da espécie humana, o da gratidão, o da humildade e, porque não dizer, os pérfidos sentimentos da inveja, da ira, do ódio...
Agora, com o avançar da idade, tenho mais facilidades para acessar este meu cantinho e, parece que de maneira muito mais fácil, consigo analisar os meus atos, os meus aprendizados e os meus sentimentos. Percebo também que, como ocorre com todos, tenho aqui guardados meus sentimentos de raiva, de inveja, de ambição mas também de alegria, de carinho, de gratidão e de amor...Amor ao trabalho, à minha família, aos meus amigos, às pessoas com quem convivo, aos meus pacientes, aos milhares de bebês que vieram ao mundo pelas minhas mãos e a cada pequena conquista que fizeram de mim um ser humano. Acima de tudo trago deste meu cantinho só por mim frequentado o sentimento da fé, no homem, na vida e principalmente em Deus que me proporcionou esta existência e esta vida comunitária que me traz realização e felicidade!
A memória me traz lembranças de minha vida universitária, do meu casamento, do nascimento de meu filho e de minhas netas, das minhas realizações na vida pública, de minhas lágrimas de tristeza ao perder meus pais, um amigo, um paciente e de alegria ao receber em minhas mãos uma nova vida e ao experimentar o abraço de reconhecimento e gratidão de quem nasceu comigo e hoje exerce suas atividades bem aqui ao meu lado.
Tenho certeza amigo de que, como eu, você acessa o seu cantinho pessoal e indevassável, só frequentado por você. Tenho certeza que aí colhes também as lições e ensinamentos que estruturaram sua vida e as lembranças de tantas lutas, derrotas e vitórias que fizeram de você o que és hoje.
Nesta aventura, portanto, o que guardamos é o que aí está e que vamos levar conosco em nossa partida deixando como legado os nossos exemplos, enfim, exatamente o que nós construímos com trabalho, fé e amor!
(*) O autor é médico e membro da Academia Venceslauense de Letras

Ligo a televisão e, estarrecido, assisto cenas da guerra na Ucrânia. Edifícios destruídos, incêndios por toda parte, corpos de pessoas espalhados pelas ruas. Uma barbárie. Estamos no século 21 e me parece inconcebível que tamanha demonstração de horror possa estar ocorrendo, agora pelo avanço tecnológico, pela informática e pela modernidade da mídia, exatamente dentro de minha sala ao lado de meus quadros, livros e orquídeas. Com o “controle’ na mão mudo o canal e, então, assusto ao ver um assalto na grande cidade e uma senhora sendo arrastada pelas ruas presa ao cinto de segurança do carro enquanto os bandidos fogem. Ontem, horrorizado mais uma vez, assisto a notícia de que uma menina de 12 anos foi estuprada e morta, com requintes de maldade, pelo próprio padrasto que acompanhou seu crescimento até a puberdade. Desligo a televisão e vou aos livros procurando algo que me acalme o coração. Ali encontro livros de todos os tipos e, entre eles, vejo que há séculos o ser humano convive com a barbárie. No Egito antigo crianças eram queimadas vivas em cultos de homenagem a Osíris, Atila, o rei dos Hunos, dominava as estepes da Mongólia trucidando seus algozes, estuprando suas mulheres e matando suas crianças e na Roma antiga os centuriões cometiam enormes torturas contra seus inimigos e escravos. Ali há dois mil anos atrás crucificaram o filho de Deus, Jesus, que exatamente pregava o amor ao próximo. Os cristãos naquela época eram torturados e mortos...
Chegamos à Idade Média e a igreja católica que havia conquistado enorme poder e era tida como a religião dominante exercia atividades de barbáries. O livro sobre as inquisições que tenho agora nas mãos me conta de maneira insofismável e terrível sobre as fogueiras que queimavam vivos aqueles que pensavam de forma diferente do catolicismo, aqueles que possuíam novas ideias sobre o evoluir da vida ou, simplesmente, aqueles que por algum motivo não agradassem os poderosos religiosos da época. Chegamos ao século 20 e um paranoico em surto de loucura mata milhões de judeus sob a justificativa de manter incólume a sua raça, segundo ele, superior. E pasmem! Os vencedores da segunda guerra não tiveram o menor problema de consciência ao jogarem uma bomba atômica sobre Hiroshima e Nagasaki ceifando a vida, com enorme sofrimento, de milhares de pessoas. Agora a violência faz parte do nosso cotidiano e parece que estamos cada vez mais insensíveis a ela. O idoso caído na calçada com a cabeça sangrando após o assalto quase não sensibiliza ninguém mais e, apenas de forma tímida, dizemos que a vida está impossível de ser vivida. Alguns são favoráveis à pena de morte enfrentando a violência com mais violência. Certo! E os mandamentos que deveriam reger nossas vidas como ficam? Amar a Deus sobre todas as coisas e ao seu próximo como a ti mesmo este é o ensinamento de Deus e precisamos urgentemente colocá-lo em prática se quisermos gerações melhores no futuro. Cabe a cada um de nós esta atividade de transmitir amor, compreensão e paz. Só assim será possível cumprir o segundo mandamento. Só assim nós, os humanos, estaremos à imagem e semelhança do Pai.
(*) O autor é médico e membro da Academia Venceslauense de Letras

“Quando a gente gosta é claro que a gente cuida...”. O verso da música composta por Peninha é sábio e, quando se refere ao amor de pais e mães a seus filhos, mostra que o cuidado é para sempre!
Nasceu o bebê! O momento é especial e traz um misto de sentimentos: alegria, felicidade, emoções e também enormes preocupações e ansiedades. O neném preenche todo o tempo dos pais, especialmente da mamãe, chamando sua atenção porque tem fome ou sono, porque sente frio ou calor, porque quer carinho... Porque é indefeso e precisa de cuidados. Nesta fase inicial da vida o cuidado é com a saúde do filho e com acidentes que, na verdade, dependem mais da atenção dos genitores. A máxima de que todo o acidente é evitável e a prevenção sempre é o melhor remédio aqui é muito válida. Assim, cuidados com a segurança do berço, com a temperatura da água e dos alimentos, com objetos pontiagudos, com tomadas de eletricidade, com vidros, devem ser uma constante até o fim da primeira infância. Por volta dos cinco anos a criança é super ativa, criativa e tem bom relacionamento social necessitando de proteção, supervisão e disciplina firme para não cometer erros que podem ser graves como, por exemplo, atravessar uma rua sem olhar para os lados.
O período escolar traz a preocupação dos pais sobre o aprendizado, pois uma em cada dez crianças tem problemas de aprendizagem e quanto mais cedo estes problemas forem diagnosticados mais chances terão de ser superados. Assim, atenção inicial à maneira pela qual o filho aprende é fundamental. Não podemos esquecer que é a partir desta base que o conhecimento futuro da criança é alicerçado.
A adolescência é a fase que marca a transição entre a infância e a idade adulta. Segundo o Estatuto da Criança e do Adolescente a fase compreende dos 12 aos 18 anos, onde acontecem mudanças físicas, psicológicas e comportamentais, sendo a etapa da vida que mais traz preocupações para os pais. É na adolescência que a pessoa descobre sua identidade e define a personalidade surgindo aí as escolhas profissionais, sexuais, o risco das drogas, as festas, violência, gestações indesejadas, namoros, alcoolismo; sendo assim é o tempo de enormes preocupações e de travessia extremamente difícil para todos.
Segundo os psicólogos neste momento o melhor é os pais se tornarem amigos de seus filhos, confidentes dos mesmos, adquirirem sua confiança, participarem de suas vidas e mostrarem para eles que os mesmos serão eternamente responsáveis por seus atos e que conhecer os limites é importante para o futuro.
Chega a idade adulta e agora passamos a acreditar que os cuidados acabaram. Ledo engano! Agora os pais se preocupam com a felicidade dos filhos, com as escolhas profissionais, com os problemas financeiros, com o casamento e com a vinda de seus próprios filhos, ou seja, dos netos. E assim a vida continua. E será sempre assim! Porque quem ama cuida e esta é a principal razão de nossas existências!
(*) O autor é médico e membro da Academia Venceslauense de Letras

Conversava com o amigo dileto sentado na varanda do apartamento e, ao olhar o horizonte à distância, descrevi a ele o que estava vendo. Meu olhar detectou ao longe a junção do azul celestial com o verde limão das pastagens e esta imagem tomou conta, naquele momento, da minha retina e nada mais vi. Ele, ao contrário, me descreveu os telhados das casas que iam decrescendo à medida que se afastavam e deu pouca importância ao horizonte. Assim é o nosso olhar. A imagem captada pela nossa retina vai, através do nervo ótico, até a porção do nosso cérebro que a processa e, então, surge para nós o que estamos vendo. Este processamento envolve nossos sentimentos, nossa memória, nossa vivência e seguramente não será o mesmo daquele de outra pessoa. Interessante! O olhar da criança difere do olhar do adolescente, do adulto e do idoso. E cada qual descreve o que vê em consonância com o que seu cérebro processa. Quando criança, ao deitar para dormir, vinha à minha mente as histórias que ouvia dos adultos sobre mortes e doenças graves e, então, as luzes do quarto apagadas, começava a ver nos cantos escuros cenas que me aterrorizavam e a mãe era chamada para permanecer com a luz acesa até o sono chegar. Quantos de nós víamos monstros e fantasmas perto da gente. Eram frutos de nossa imaginação mas pareciam concretos, palpáveis, verdadeiros.
O olhar se transforma de acordo com o que estamos vivendo. Aquele do olhar infantil quando chamávamos a mãe possivelmente era um olhar de terror; na adolescência, ao vermos uma garota linda, tínhamos um olhar de admiração, à primeira namorada um olhar apaixonado, ao mestre um olhar de respeito, aos amigos um olhar de camaradagem e, as vezes, porque não, um olhar de raiva e até de inveja, afinal somos seres humanos.
A profissão nos ensinou a ter um olhar clínico, ao nascer uma criança em nossas mãos um olhar de alegria e satisfação, ao falecer uma paciente um olhar de profunda tristeza e sofrimento e, quando pensamos naquilo que já vivemos e como tudo pode mudar para melhor, um olhar de esperança...
Agora, na senectude, revejo os olhares que tive para meus pais. Na juventude, muitas vezes, um olhar de rebeldia e inconformismo, na vida adulta um olhar de impaciência e intolerância e neste momento, com lágrimas nos olhos, um olhar de carinho e profunda saudade. É meu amigo! Não sei se acontece contigo mas se pudesse voltar no tempo meu olhar para muitas coisas, pessoas e acontecimentos, seria totalmente diferente. Afinal os mais de setenta anos me ensinaram que a raiva, a inveja, a cobiça, a ganância não valem a pena e o amor, a concórdia, o carinho e a amizade é tudo o que precisamos para ser feliz.
Eu e meu amigo sentados na sacada do apartamento ao olharmos a paisagem à nossa frente tivemos visões diferentes e eu, sinceramente acredito que cada um de nós podemos e devemos buscar um olhar cada vez melhor para tudo o que fazemos! Afinal é o que podemos deixar como legado nesta nossa passagem por esta vida.
(*) O autor é médico e membro da Academia Venceslauense de Letras

Há algum tempo atrás escrevi sobre a violência que se comete contra as mulheres em todo o mundo. Na época estava lendo “O livreiro de Cabul” e fiquei indignado com o que acontecia com as mulheres no Afeganistão. Também procurei mostrar que, sob outra ótica, aqui no Brasil e até em Presidente Venceslau, nossa terra, a violência era concreta, palpável, presente. Agora, novamente, o tema de maneira recorrente volta à mídia e nos chama a atenção. A revista “Veja” de alguns anos atrás traz como reportagem de capa a epopeia de uma menina de apenas 16 anos, uma adolescente, agredida de forma brutal em um ônibus escolar por fanáticos do Islã lá numa remota região do Paquistão. O absurdo do ato se acentua quando sabemos que isto ocorre graças a uma interpretação odiosa e canhestra do livro sagrado dos mulçumanos, o “Alcorão”. Destinadas ao analfabetismo, a se casarem antes dos 18 anos, a viverem escondidas dentro de suas casas, a usarem a famigerada burca, a serem espancadas pelos próprios homens da família, as meninas paquistanesas são o retrato clássico da barbárie que habita o coração do homem.Malala - foto, a menina da reportagem, levou três tiros na cabeça apenas porque queria estudar, aprender e se formar em medicina para mitigar a dor dos menos favorecidos. Queria apenas viver... Alguém poderá dizer que por não entendermos o modo de vida milenar dos orientais não conseguimos assimilar esta postura radical dos fundamentalistas islâmicos; quero dizer que jamais, em tempo algum, um verdadeiro cristão pode aceitar este tipo de violência.
Vamos, no entanto, guardadas as devidas proporções, verificar que aqui em nosso país, em nossa cidade mesmo, a violência contra a mulher é algo muito comum. Começa dentro de casa quando muitas são agredidas pelo próprio marido e uma grande maioria delas, com vergonha ou com medo, esconde esta realidade sórdida, passa pelo trabalho quando muitas mulheres que exercem atividades iguais a de seus parceiros homens recebem menos, e gestantes são obrigadas a atividades estafantes e perigosas para não perderem seus empregos e aporta até no sexo quando muitas mulheres são assediadas pelos chefes ou patrões e se calam mais uma vez com medo da perda do serviço ou da má interpretação por parte de outras pessoas. Vejo nos jornais noticias de meninas adolescentes sendo exploradas na prostituição na periferia das grandes cidades e nos grotões de nosso Brasil. Não pode haver violência maior do que a perpetrada por um pai que vende a própria filha por trinta moedas. E tudo isto existe e está diante de nossos olhos...
Malala agora está muito bem. Reside na Inglaterra e recebeu o Nobel da Paz em 2014 em reconhecimento à sua coragem e ousadia. Mas lá no seu Paquistão as mulheres continuarão a ter uma vida de segunda classe sofrendo toda sorte de violência. Aqui, como lá, embora os esforços de tantas pessoas, de ONGS, da criação das Delegacias “da Mulher”, continuamos a assistir a violência atingindo as mulheres de todas as classe sociais. A lei “Maria da Penha” ainda não conseguiu, por si só, ceifar da vida comunitária este flagelo. Talvez a única forma de resolvermos isto seja aprimorar os rigores da lei e voltar nossos olhos para as gerações vindouras estruturando uma educação que estimule o respeito e o amor ao próximo, que estabeleça que homens e mulheres sejam exatamente iguais aos olhos do Criador!
(*) O autor é médico e membro da Academia Venceslauense de Letras

Acabo de ler um livro que me impactou muito. Na verdade mexeu com as profundezas de meus sentimentos, com minha sensibilidade, com meu amor filial e, por certo, marcou bastante minha vida. Trata-se do livro indicado para o clube da leitura pela nossa querida presidente da Academia Venceslauense de Letras, Aldora Maia Veríssimo, que se chama ‘Para Sempre Alice”, de autoria de Lisa Genova. Que livro!!! A abordagem que faz de uma das doenças degenerativas mais tristes que conheço, a “Doença de Alzheimer, é tão profunda e, eu diria, tão avassaladora que ao terminar sua leitura você vai se sentir outra pessoa. Pelo menos comigo isto aconteceu. O livro conta, da perspectiva da personagem Alice, como a patologia foi se instalando a pouco e pouco no seu cérebro transformando inexoravelmente sua existência e sua relação com seus entes queridos como os filhos e o próprio esposo. Ela, uma professora de Harvard, inteligente, extremamente ativa, psicóloga famosa, começa ainda jovem, aos 53 anos, a ter lapsos de memória, a se perder em locais extremamente conhecidos, a ter algum tipo de alucinação e delírio, a esquecer objetos, os nomes das pessoas, as horas do dia e até as mínimas condições de higiene. Não consegue mais se vestir direito e aos poucos vai ficando esquecida nos desvãos da vida de seus familiares. O episódio de sua entrada numa casa vizinha acreditando ser a sua, a busca incessante de um objeto que ela nem sequer sabia especificar, a sua agressividade, são sinais inequívocos da doença degenerativa neurológica cerebral que vão transformar a pessoa em um ser completamente alienado da vida, um verdadeiro “vegetal”. E quem teve uma pessoa extremamente amada como, por exemplo, a própria mãe, com o problema, sabe exatamente do que estou falando. Eu tive.
A doença de Alzheimer ainda tem sua etiologia pouco conhecida. Sabe-se que tem componente genético e, assim, várias pessoas da mesma família podem apresentar a enfermidade. Há também uma certa relação com a diabete porque pesquisas médicas informam que há número maior de doentes entre os diabéticos. O fato é que num determinado momento da vida começa a haver um depósito de uma proteína denominada beta amiloide em placas no cérebro impedindo o funcionamento dos neurônios, destruindo as sinapses e causando uma atrofia cerebral que fatalmente levará a pessoa ao óbito. Doença crônica se arrasta por muitos e muitos anos e assim o paciente, aos poucos, se transforma em uma pessoa que já não vive: não conhece ninguém, perde as noções de higiene, altera muito os hábitos, não dorme de maneira normal, se torna, aos poucos, agressiva, as vezes até consigo própria, não se alimenta direito e em consequência, emagrece e perde suas resistências. O Fim chega sempre de maneira melancólica...
Não há tratamento para a cura embora já existam alguns que agem retardando a patologia de tal forma que o paciente pode viver melhor por mais tempo. Algumas atividades de estímulo ao cérebro também ajudam muito a retardar a doença como, por exemplo, a leitura, o jogo de xadrez, as palavras cruzadas, a vida social, atividade física, ouvir e cantar músicas, assistir filmes e, evidentemente, estar atento a lapsos de memória buscando uma assistência com o neurologista.
O mundo moderno aumentou muito a expectativa de nossas vidas e, assim, temos muito mais idosos juntos de nós. Nossos entes queridos precisam deste carinho e atenção, precisam da convivência conosco, necessitam ser valorizados e se sentirem uteis e se alguns, acreditamos que logo serão muito mais dos que já estão aí, apresentarem a terrível doença, necessitam de nosso respeito mais profundo e total e nosso amor eterno!
Leiam o livro. Vale muito a pena!
(*) O autor é médico e membro da Academia Venceslauense de Letras

Há dois anos, a convite da direção da Santa Casa, passei a ter contato com acadêmicos de medicina, do decimo termo ou quinto ano, que vieram fazer o seu internato em Presidente Venceslau como forma de ampliar seus conhecimentos e práticas em algumas áreas da medicina básica quais sejam a pediatria, a ginecologia e a obstetrícia. No primeiro ano estiveram aqui os universitários de Fernandópolis e desde o ano passado os estudantes da Unifadra, de Dracena. No início bastante inseguro já que, depois de formado, nunca havia ministrado aulas voltei aos livros procurando me preparar completando minha prática diária da Obstetrícia com as teorias emanadas dos compêndios e da Febrasgo (Federação Brasileira de Ginecologia e Obstetrícia) cujos protocolos procuramos sempre seguir como forma de atualização permanente na especialidade.
E a convivência diária com os universitários tem sido importantíssima não só para ampliar meus conhecimentos mas também para me motivar cada vez mais a exercer com dedicação e denodo a minha especialidade; e isto tem sido maravilhoso!
Os acadêmicos atuais são completamente diferentes dos da minha época. Tendo passado por duas vezes pelos bancos escolares universitários, a primeira no final dos anos 60 na Faculdade de Ciências Médicas da Universidade Católica do Paraná em Curitiba e a segunda no final dos anos 80 na Faculdade de Direito da Instituição Toledo de Ensino estava acostumado a ver os estudantes debruçados sobre livros grossos e pesados, verdadeiros calhamaços, para auferir conhecimentos e ver professores em aulas magistrais usando no máximo “slides” para transmitir suas matérias. Hoje os futuros médicos vão à sala de aula munidos de um “Notebook’ onde acompanham as matérias com gráficos e vídeos completos sobre o assunto, tiram fotos com seus celulares dos slides expostos e debatem com o professor suas dúvidas enriquecendo desta forma o que está sendo ministrado. Além do mais mostram um vivo interesse pela aula e, questionadores, participam ativamente da exposição diferente do passado quando o aluno absorvia passivamente o que lhe era ensinado. Não sei informar quando estas mudanças começaram mas, seguramente, a informática e, principalmente, a internet tiveram e têm importância capital nisto. Se por um lado a mudança exige um preparo muito maior do preceptor por outro ficou muito mais fácil e completo qualquer ensinamento.
Mas o que vejo de mais importante nos universitários de agora é sua intensa atividade em sala, seu interesse extraordinário em aprender (salvo exceções que servem para confirmar a regra) e seu sentimento de fraternidade e solidariedade uns para com os outros e para com os mestres que são tratados com respeito mas com manifestações de carinho e atenção que outrora não eram comuns. Ficamos amigos e este vínculo favorece muito o aprendizado deles e a disposição que temos em ensinar.
Diferente do que imaginávamos os universitários de agora dão um show de interesse, participação e busca do conhecimento se preparando com afinco para o exercício de uma profissão que, considerada linda, é extremamente complexa e difícil exigindo de cada profissional que a exerce sacrifícios incomensuráveis e muitas das vezes mal compreendidos. A convivência com os jovens futuros médicos me mostram cabalmente que podemos ter sim confiança de que estes profissionais continuarão a enaltecer esta atividade que lida com a saúde e a vida das pessoas e é fundamental para todos nós. Isto é maravilhoso e podemos esperar um porvir melhor para nossas futuras gerações.
(*) O autor é médico e membro da Academia Venceslauense de Letras

Estamos no século 21 e neste momento de nossas vidas percebemos que cada vez mais estamos perdendo a nossa característica de brasileiro, ou seja, estamos perdendo nossa brasilidade. Falamos em Whatsap, em stand by em Hot Dog, em power e, com certeza, nos distanciamos de nossa língua mãe e de nossas tradições. Somos um país sabidamente sem memória e nossas futuras gerações estão fadadas a viver em um Brasil à rabeira das grandes nações do mundo, principalmente dos Estados Unidos. Não há dúvida de que a internet e a tendência de globalização estão modificando nossas vidas e estamos nos transformando em pessoas que vivem literalmente numa aldeia global mas urge que lutemos para manter as principais características de nossa gente: a alegria, a espiritualidade, o amor à nossa terra, a valorização do trabalho, a gentileza, a fraternidade espontânea, a coragem de enfrentar as vicissitudes, a fé em Deus e, o que considero maravilhoso, o poder de rir de si próprio, de brincar com as pequenas falhas e de contar os “causos” que fazem parte de nossos encontros em família e com os amigos e que definem o brasileiro como um povo bom, pacífico e com um “astral” maravilhoso!
Neste sentido há alguns dias, no feriado, através da TV, assisti a um programa que toca diretamente em nossa brasilidade. O programa “Sr Brasil”, comandado por Rolando Boldrin, espelha exatamente a assertiva que procurei expressar acima. Boldrin, artista, apresentador, cantor, declamador, poeta, escritor, representa com seu programa o que resta do Brasil caipira, do interior, daquele Brasil eivado de luta, mas também do país de paz e fraternidade que nós, mais velhos, tivemos o privilégio de conhecer. Nascido em São Joaquim da Barra, lá na Mogiana, próxima a Ribeirão Preto, em 22 de Outubro de 1936, desde a infância já demonstrava seu pendores artísticos. Aos 12 anos com o irmão formou a dupla caipira “Boy e Formiga” que fazia sucesso nas rádios da região. Aos 16 anos foi para São Paulo e aí não parou mais. Fez teatro, cinema (o filme “Doramundo” lhe deu o prêmio de melhor ator pela APCA) e televisão. Na Globo, na Bandeirantes e na Cultura, principalmente, Rolando comandou programas que representam exatamente a alma do povo brasileiro e, sem dúvida, é o maior exemplo de brasilidade que hoje possuímos. Seus “causos” são hilários e retratam a nossa personalidade de povo amigo e feliz, principalmente, nós que habitamos o interior do país.
Transcrevo um de seus “causos” que me divertiram naquele dia em que o assisti. ”O trem da mogiana na época era o grande meio de transporte na região, bem como em todo o interior do estado. Naquele dia estava lotado indo para Ribeirão Preto quando entrou no vagão um jagunço matador famoso por ali como um grande matador a serviço dos coronéis. Na cintura dois trabucos e trespassado no peito, embainhado, um enorme facão. Homem de maus bofes fez todo mundo tremer naquele momento e se sentou ao lado de um caipira franzino que talvez não o conhecesse. Puxou o chapéu sobre os olhos e logo adormeceu, talvez cansado pelas refregas do dia. E o trem seguiu o seu trajeto, resfolegando e soltando fumaça; em cada estação que parava dava o seu solavanco e o caipira, que estava viajando pela primeira vez, foi enjoando, se sentindo mal. O valentão dormindo a sono solto e o caipira não aguentando mais “descomeu” em cima do paletó do facínora. Nossa! O povo todo tremeu e muitos começaram a orar baixinho pedindo pela vida daquele infeliz, pois, por certo, ao acordar, o jagunço o mataria sem piedade. Finalmente o trem chegou em Ribeirão. O homem acordou, passou a mão pelo paletó e ela veio toda melada do vomito. Olhou para todos que estavam próximos e então encarou o caipira que com um sorriso tranquilo lhe disse: melhorou?”
Este é o Brasil que conhecemos e com certeza esta é a brasilidade que queremos.
(*) O autor é médico e membro da Academia Venceslauense de Letras

Visitamos, há alguns anos, Portugal, uma terra maravilhosa, nossa pátria mãe, que mereceria ser vista por todos os brasileiros. Conhecer o país lusitano e seu povo é vivenciar nossa história e conhecer hábitos e costumes que foram trazidos para cá pelas primeiras caravelas. Dentro de um ônibus confortável, com uma guia brasileira, partimos de Lisboa para o norte e visitamos Fátima e o santuário que marcou profundamente nossa religiosidade e nossa fé; ali em um espaço extraordinário assistimos a uma missa emocionante com a presença de peregrinos de todas as partes do mundo. Visitamos também Évora e suas muralhas, Óbidos, Barcelos, Coimbra e seus estudantes com as vestes características (em Coimbra a biblioteca nacional é extasiante) e a serra da estrela com seu queijo e a neve naquela época do ano. Ah! Não poderia esquecer a cidade do Porto banhada, como a grande maioria das cidades portuguesas, por um rio, o rio Douro; passear de barco pelo Douro e depois comer um bacalhau com batatas “ao murro” em uma cantina da beira é algo inesquecível e a vila Nova de Gaia na outra margem do rio nos apresenta as caves com o tradicional “vinho do porto”, néctar dos deuses. Um passeio maravilhoso regado a vinho verde geladinho e muito bacalhau... Em Lisboa conhecemos a foz do Tejo de onde partiu Cabral para descobrir nossa terra e lá está o monumento aos navegantes sinal do poderio lusitano de então; na cidade baixa saboreamos os pastéis de Belém e o de Santa Clara e tivemos uma noitada de “fado” a melancólica e tradicional musica lusitana! E aconteceu em Lisboa o inesperado. Fomos visitar a área da Expo 98 onde se localiza o “Oceanário de Lisboa” um aquário com mais de 7 milhões de litros de água salgada, com mais de 8000 animais de cerca de 500 espécies aberto ao público. Após a visita que, evidentemente, demorou algumas horas, resolvemos almoçar ali mesmo no “Parque das Nações” onde existem vários restaurantes. Escolhemos um bastante acolhedor e já nos instalamos para saborear o bacalhau e o vinho verde. Garçons muito gentis nos receberam e notamos, pelo sotaque, que eram brasileiros. Comemos fartamente e depois da refeição e da sobremesa “toucinho do céu”, um doce com amêndoas, nos dirigimos a um dos garçons para conversar.
“Você é brasileiro? De que parte do Brasil?” Perguntamos. “Sou sim, lá do interior do estado de São Paulo, de uma pequenina cidade que talvez o senhor nem conheça chamada Santo Anastácio”, foi a resposta. “Nossa! Conheço muito! Eu sou de Presidente Venceslau”! “Ah! O rapaz sorriu: nasci há 28 anos lá em Venceslau nas mãos do doutor Tacinho, o senhor conhece? ” Meu Deus! Coração acelerado, emoção à flor da pele: “o doutor Tacinho sou eu!”
Abraço apertado e lágrimas nos olhos. Nos colocamos à disposição para dar notícias à família que ainda estava em Santo Anastácio. Despedida calorosa. Momento inesquecível! E a certeza de que o mundo é realmente uma aldeia!
(*) O autor é médico e membro da Academia Venceslauense de Letras

Você sabe o que significa a palavra convescote? Pois é, pouca gente sabe...Fui ao ‘Aurélio’ e verifiquei que convescote significa ‘refeição festiva e informal ao ar livre (no campo, num parque, num jardim, à beira de um rio ou represa) feita em conjunto geralmente entre amigos ou familiares’, ou seja, convescote nada mais é que sinônimo de piquenique. Ah! Agora sim! Piquenique sei muito bem o que é e a palavra me traz muitas e lindas recordações da minha infância e adolescência, de meu passado.
Hoje em dia não se ouve falar de piquenique. Nas grandes cidades vivemos enclausurados dentro de nossas casas e no interior perdemos o hábito da convivência fraterna entre os vizinhos e parentes. A chegada da TV e, agora, da internet e do smartphone, definitivamente parece que nos jogou em um grande isolamento só mitigado pelos vídeos e vozes à distância de nossos entes queridos e dos amigos. É bem verdade que conseguimos contatos muito mais rápidos e fáceis com os que moram distantes mas a distância não nos permite um abraço, um carinho, uma manifestação mais espontânea e intensa. E não venham me falar de ‘Zoom’ ou ‘Google Meet’ que são reuniões virtuais muito formais e com hora para terminar.
O piquenique era um evento extraordinário em nossa vida comunitária e no início dos anos 60 era extremamente comum entre as pessoas e seus vizinhos, parentes e amigos. Geralmente realizado nos finais de semana mobilizava todos os envolvidos desde o agendamento da data até a organização do passeio, da alimentação e das bebidas a serem levadas e da condução que nos levaria; a expectativa era intensa e durante a semana todos, adultos e crianças, só falavam naquele acontecimento que por certo nos traria alegria, diversão e enorme congraçamento.
Os locais que mais serviam para o nosso piquenique era a Aymoré com o córrego do veado que na época tinha águas limpas e o Figueiral em Presidente Epitácio às margens do rio Paraná pois ainda não tínhamos o grande lago de hoje. Íamos bem cedo para aproveitar o máximo do dia. Ao chegar em baixo da copa de uma grande árvore estendíamos uma toalha na relva e as senhoras espalhavam pelo local sanduiches, paçoca, frutas, pães e até frango recheado para o almoço e a meninada já corria para brincar. O velho tio levava a sanfona e o vizinho a viola e, então, a música se fazia presente com intensidade e alegria. Aliás, se precisava de tão pouco para ser feliz e aquele dia de lazer apagava nossas vicissitudes e trazia a nossos corações principalmente a certeza de que estávamos vivos e a esperança de um porvir cada vez melhor. No final da tarde voltávamos para casa na ‘Rural Willis’ cantando as modinhas de então e cansados mas felizes pelo agradável dia. Num destes piqueniques o amigo Abelardo que estudava a segunda série de ginásio comigo se aproximou da Jandira, filha de uma comadre de mamãe, para lhe pedir em namoro mas a menina não aceitou e na volta cantamos a música de sucesso do Wanderley Cardoso que dizia ‘o piquenique foi bom mas a volta é que foi tão triste’ e até o Abelardo, meio sem graça, acompanhou a cantoria. Assim era a vida que corria serena pelos seus dias como o riacho de águas claras que serviam ao nosso lazer. O tempo passou e as mudanças foram transformando nossas vidas. Hoje apenas guardamos na memória os encantos daquela época que era tranquila, fraterna e amiga.
Há algum tempo fui a Córdoba na Argentina e com o amigo argentino visitei a Vila Carlos Paz que fica próxima à cidade industrial, polo de desenvolvimento econômico da região central do país. Em Carlos Paz numa grande praça gramada, com árvores e um lago assisti centenas de pessoas fazendo o piquenique com toalhas na relva, crianças brincando, senhoras servindo quitutes e os velhos tocando no Acordeom, lá chamado gaita, as músicas do povo. Abismado ao ver aquele congraçamento das famílias e dos amigos na tarde de domingo lembrei-me dos velhos tempos do piquenique e meu amigo Fábio me contou que apesar de todo o desenvolvimento a Argentina ainda tem muitas tradições que permanecem como esta reunião ao ar livre que lá recebe o nome de convescote. Ah! Que bom! Que o piquenique seja permanente lá e no coração de todos nós.
(*) O autor é médico e membro da Academia Venceslauense de Letras

Muito difícil! Este é o termo: muito difícil! Tentei por diversas vezes alinhavar algumas idéias sobre o grande gênio da literatura brasileira, Machado de Assis, mas sempre com dificuldades. Embora reconheça a sua importância no romantismo literário do país e também como precursor do realismo não consigo encontrar nenhum seguidor, nenhum discípulo de sua obra. Outros nomes se destacaram após sua época como, por exemplo, Jorge Amado, Erico Veríssimo, Guimarães Rosa, mas nenhum deles fez da sua obra uma continuidade da de Machado. No entanto não há neste país nenhum escritor que mereça tanto o titulo de imortal como ele. Neste ano, mais propriamente no dia 29 de setembro, comemora-se o aniversário de sua morte e novamente suas obras retornaram a ser avaliadas pelos críticos e pelos literatos do Brasil e do exterior. Matérias sobre o escritor mostram que através de “Memórias Póstumas de Braz Cubas” um romance inovador publicado em 1880, o mestre pode se igualar, sem favor, a expoentes do romance europeu como Tolstoi e Flaubert.
Joaquim Maria Machado de Assis, cronista, contista, dramaturgo, jornalista, poeta, romancista, crítico e ensaísta, nasceu na cidade do Rio de Janeiro em 21 de junho de 1839. Filho do operário mulato Francisco Jose de Assis e de dona Maria Leopoldina Machado de Assis. Criado no morro do Livramento perdeu a mãe muito cedo e foi atendido por sua madrinha, Maria Inês, que o matriculou na escola pública, aliás, única escola em que estudou. Mesmo sem ter acesso a cursos regulares, no entanto, procurou estudar como autodidata e aprendeu inclusive o Frances graças a uma senhora francesa dona de uma padaria que o ensinou. Franzino, gago, epiléptico, inteligente e sagaz o jovem Machadinho, como era conhecido, logo já foi se arrumando em um colégio onde a madrinha era doceira e aprendeu rapidamente a arte da escrita. Aos 16 anos publica em 12 de Janeiro de 1855 seu primeiro trabalho literário, o poema “ELA” na revista “Marmota Fluminense’. Em 12 de Novembro de 1869, já famoso, casa-se com Carolina Augusta Xavier de Novais, mulher culta que lhe abriu varias portas inclusive o levando a cargo público no Ministério da Agricultura que permitiu para Machado uma vida tranqüila. O casamento durou 35 anos tendo a amada falecido em 1904.
Machado de Assis viveu numa época importante da historia do Brasil e soube retratar de maneira exemplar os episódios daqueles tempos. Em ‘Dom Casmurro’ cita a sagração do Imperador D. Pedro II ainda adolescente, em “Um capitão de Voluntários” descreve e critica a guerra do Paraguai, em “Memorial de Aires” comemora o fim da escravatura e em “Esaú e Jacó” fala sobre a proclamação da República. Fatos que enriqueceram este período da vida brasileira. Mas embora monarquista e não republicano, embora nunca tenha se exposto publicamente a favor da abolição, embora tenha sido tímido e recatado, a partir de 1880 com a publicação de “Memórias Póstumas de Braz Cubas” o escritor se transformou em um dos paradigmas da literatura brasileira e se eternizou na nossa historia. Primeiro Presidente da Academia Brasileira de Letras, ocupando a cadeira de numero 23 cujo patrono era Jose de Alencar escolhido por si próprio, Joaquim Maria Machado de Assis faleceu em 29 de Setembro de 1908 com câncer na boca constando como sua última frase: “A vida é boa”.
De fato, Machado de Assis, o maior gênio da literatura nacional, é o escritor brasileiro mais estudado dentro e fora de nosso País. E ninguém pode olvidar que para a época ele foi irreverente, sarcástico e sutil. E reportemo-nos a “Dom Casmurro”: será que Capitu traiu Bentinho? ou não?
OBS : pequena biografia em homenagem ao patrono da cadeira 31 da Academia Venceslauense de Letras hoje ocupada por mim. A literatura é um mundo maravilhoso a nosso alcance. Machado merece ser lido por todos.
(*) O autor é médico e membro da Academia Venceslauense de Letras

No passado, na minha adolescência, os moradores das pequenas cidades, como a minha, tinham poucas opções de lazer. Não havia televisão nem internet e, assim, as famílias a noitinha se reuniam na calçada em frente de casa e ficavam um tempo a contar histórias enquanto as crianças brincavam. O rádio ligado o dia inteiro trazia as melodias que todos conheciam e cantavam e, aos finais de semana, o cinema nos reunia e vivíamos as aventuras e romances das telas.
Mas havia um acontecimento que tomava por completo a vida da cidade, as emoções das pessoas, os sonhos dos jovens, a alegria das crianças e, então, toda a comunidade se transformava. Era a chegada do circo! Nossa! O circo chegou!
Haviam circos grandes e famosos com nomes sofisticados e que ficavam poucos dias na cidade e obrigavam a todos o enorme sacrifício de juntar o dinheiro para ir ver o espetáculo. Eram circos que, na época, traziam animais como leões e elefantes, trapezistas, sensacionais malabaristas e mágicos e tinham uma lona gigantesca com arquibancadas perfeitas, cadeiras próximas à pista para os mais abastados e até camarotes. O apresentador falava com imponência, com voz empolada, às vezes arrastando um “portunhol” e os números e artistas apresentados eram ”os melhores do mundo”. Lembro-me bem deles... Gran Circo de Moscou, Circo de Roma, Circo Irmãos Romanov, Circo Garcia quando apareciam transformavam nossas vidas e sonhávamos com eles, queríamos ser artistas. Haviam também os circos pequenos e pobres com lonas desbotadas e picadeiro pequeno que apresentavam números de malabares e que investiam principalmente nos palhaços que faziam todos gargalhar; estes ficavam um pouco mais de tempo e assim muitos dos seus integrantes acabavam fazendo amizades na cidade e traziam ilusões para os jovens que aspiravam seguir a carreira circense pois consideravam que era uma vida maravilhosa. Doraci era uma destas pessoas. Menina linda e humilde numa bela madrugada fugiu com o trapezista do circo para viver seu sonho. Anos depois a encontrei envelhecida pela rua da cidade e ela pode me contar a vida de enormes sacrifícios e penúria pela qual passou. Trabalhava 15 horas por dia e pouco tempo depois foi abandonada e passou a viver com enorme dificuldade até conseguir regressar para casa.
Nós, meninos, tentávamos ser equilibristas e não conseguíamos, pendurávamos no galho da goiabeira brincando de trapézio e, as vezes, a queda nos levava ao hospital. Nossos dias, após as aulas, eram tomados pelas brincadeiras que diziam respeito aos espetáculos circenses. As mulheres amavam assistir as pequenas encenações que alguns circos apresentavam; eram peças românticas, tristes, chorosas mas que sempre terminavam bem. Uma delas “Mamãe Dolores” repetida centenas de vezes e por vários circos sempre era vista por multidões e arrancava lágrimas das senhoras.
O circo teve importância fundamental na vida citadina no século passado. Nos trouxe novidades dos grandes centros, distribuiu alegria a todos e, numa época de pouco lazer, era o momento mágico que fazia nos esquecer da luta diária pela vida e sonhar com um mundo muito melhor. E isto é fundamental para a formação de nossa personalidade pois quem não consegue sonhar não consegue viver.
Hoje os circos estão em grande decadência, aliás, como os cinemas. A televisão, a internet, o” streaming” o celular são as grandes opções de lazer. Não há dúvidas. Avançamos muito. Mas o circo não pode morrer porque até hoje traz na nossa velhice aqui muito no íntimo de nossa alma o desejo de ser um dia um artista circense.
(*) O autor é médico e membro da Academia Venceslauense de Letras

Sentado em minha sala de estar folheio o livro que estou lendo no momento ‘A cidade e a Serra’ de Eça de Queiroz que contrasta a vida no campo com a vida na grande cidade há dois séculos atrás; estou aqui curtindo meu momento íntimo no dia em que comemoro meus 73 anos de idade. Agradecido a Deus pela enorme oportunidade que tenho de poder, lúcido e sadio, exercer minha profissão, amar a minha família, caminhar com minhas pernas, raciocinar sobre fatos e problemas e ler meus livros e jornais fico aqui, neste instante único, revivendo o passado e, por que não, planejando o futuro!
Na primeira infância a comemoração do aniversário é muito mais da mamãe e da família do que nossa mesmo. Na verdade não temos noção do que está ocorrendo e já vi criancinhas chorando na comemoração do seu primeiro aninho quando todos ao seu redor cantam o parabéns com entusiasmo. Quando adquirimos a consciência do que representa aquela festa estamos mais preocupados com os presentes (que devem ser brinquedos) e com a farra com os amiguinhos do que exatamente com a importância da comemoração. Lembro-me desses aniversários: o bolo feito pela mamãe coberto com clara de ovo batida e alguns docinhos, o pão com salsicha e molho e o guaraná caçulinha que furávamos a tampa com um prego para ele demorar mais a ser tomado. Na juventude queríamos comemorar o “niver“ com os amigos e com a namorada e pouca importância dávamos à comemoração familiar. As comemorações depois já se tornaram mais simples e rápidas, por que não dizer, quase esquecidas. Estávamos mais preocupados com nossas conquistas, com nosso progresso e com nossas realizações. O aniversário era comemorado com um jantar, com um churrasco ou com uma viagem para o litoral.
Agora na senectude nada disso parece ter mais importância. Consciente de que tenho muito menos tempo de vida do que já vivi é tempo de fazer um balanço de tudo o que já fiz no trabalho, no exercício da medicina, na política por onde um dia passei, na formação e estruturação da família, nas vitórias e, por que não, nas derrotas que me mostraram que não somos perfeitos e que muitas e muitas vezes falhamos. Contar os amigos que, embora não muitos, são verdadeiros, insubstituíveis, eternos e me proporcionaram grandes lições de vida. Reviver momentos marcantes como o nascimento em minhas mãos de tantas crianças que hoje, já adultos, me cumprimentam pelas ruas com educação e respeito. Continuar todos os dias recebendo para a vida bebês que são a alegria e a realização de tantas famílias e, principalmente, perceber que de alguma forma fui e tenho sido útil à minha comunidade. E, evidentemente, tenho planos ainda; e sonhos também...Quero escrever e publicar meu livro de crônicas e contos, quero ter o imenso prazer de assistir à formatura de minhas netas e, se Deus permitir, pegar nas minhas mãos, com lágrimas de alegria, os meus bisnetos.
Por isso, imitando o poeta, trago aqui no coração o sentimento de que não passei a vida em brancas nuvens...eu vivi e tenho vivido com muita intensidade!
Agradecendo as centenas de felicitações que recebi neste dia quero reafirmar que a vida vale muito a pena e que viver, esta benção que o Pai nos oferece, é, sem dúvida, a maior riqueza que podemos ter em nossa existência.
(*) O autor é médico e membro da Academia Venceslauense de Letras

O medo é um dos quatro gigantes da alma! Ele define as nossas estratégias de vida e, graças a ele, a humanidade se estruturou e sobreviveu até os dias de hoje. Em virtude do medo nos agrupamos, fomos procurar abrigo nas cavernas, construímos armas para combater os animais, os inimigos e, com medo de morrer, estudamos e descobrimos medicamentos e procedimentos para salvar vidas.
Passei por estes dias na praça prefeito Miguel Brizola, conhecida por praça do bosque, ali na esquina do supermercado e lembrei-me do passado. Antes, quando eu era jovem, ali existia um bosque com muitas árvores nativas, algumas de grande porte, de forma que as pessoas que moravam na Vila Carmem e adjacências fizeram um trilheiro para cortar caminho por dentro da matinha e acessar o centro da cidade. Eu namorava uma menina que residia nos altos da vila e, assim, ia vê-la nos finais de semana. Depois do cinema a acompanhava até sua casa e ficava no portão conversando (naquela época namoro era só no portão) até seu pai, que ficava no quarto da frente, tossir que era o sinal para eu ir embora. Isto ocorria por volta das 22 horas. Naquele sábado o velho demorou para dar o sinal e eu deixei a garota por volta da meia noite e retornei para casa pois morava bem no centro da cidade. Para isso tive que atravessar o bosque que, diziam, era assombrado...Ainda eufórico pelos beijinhos entrei na trilha sem preocupações mas quando estava na metade do caminho ouvi passos lépidos atrás de mim. O coração gelou e começou a bater muito rápido, a boca ficou seca e os olhos arregalados. Olhei para trás e nada vi. Os passos pararam. Continuei a caminhar, então mais rápido, novamente os passos voltaram “lec, lec, lec” atrás de mim. “Meu Deus” pensei! “É uma alma penada que está me acompanhando” ... Olhei por cima dos ombros e nada. Acelerei mais os passos e “ela” acelerava também. Comecei a orar, a princípio só com os lábios e depois em voz alta mas os passos foram chegando cada vez mais próximos de mim. No meio do bosque me dei por vencido e parei trêmulo virando lentamente o corpo para me entregar...Quase caí com o “bééé” que ouvi. Bem próxima de mim uma cabrita preta com olhar amigo me fitava e balia. Naquela época era comum as pessoas criarem no quintal cabras que davam leite e carne para a alimentação e, às vezes, o animalzinho ficava solto pelos descampados que existiam por ali para pastar a vontade sendo recolhidos pela manhã para a ordenha e a ração. Que susto! Que medo!
Dizia no início do texto que o medo é importante. Afirmo isto novamente. Graças ao medo não cometemos loucuras, não exageramos em nossas ações, respeitamos as leis e temos precauções quanto à nossa vida. Se temos dor sentimos medo e procuramos o médico para nos tratar, se saímos numa grande cidade evitamos ruas escuras com medo de assaltos e ninguém vai se pendurar da janela do prédio com medo de cair. Apesar de ser nossa única certeza desde que nascemos temos medo da morte e fazemos tudo para não encontrá-la. O medo em si não é negativo, acompanha nossa evolução e garante nossa sobrevivência!
No entanto temos que diferenciar este medo do qual estamos falando do medo descomunal, do que chamamos “fobia”. Um medo extremamente exagerado que atrapalha nossa vida e que necessita de tratamento. Por exemplo, o medo exagerado de cobras, a ofídio fobia, que impede que a pessoa possa falar sobre elas, o medo exagerado de baratas, do escuro, de sair à rua, de conhecer pessoas, de lugares fechados e até de alturas. A fobia impede que nossa vida siga seu ritmo normal e isto pode ser muito grave. O médico especialista deve ser procurado e o tratamento é extremamente necessário!
Enfim, todos nós temos medos! Você leitor, tem algum?
(*) O autor é médico e membro da Academia Venceslauense de Letras

A praça Nicolino Rondó no centro da cidade é um espaço maravilhoso para nosso descanso. Estava ali, um dia desses caminhando, quando encontrei um velho amigo; vinha em minha direção com andar claudicante apoiado em uma bengala e, com dificuldades para enxergar, quase não me reconheceu. Quando me identifiquei, com os olhos rasos d’água, sentou-se comigo e me contou suas desditas: o problema do descolamento na retina que praticamente o deixou cego e a hérnia de disco na coluna lombar que, embora operada, ainda o impedia de deambular com firmeza. Aos 76 anos o velho amigo se queixou da vida. Para tentar lhe trazer consolo procurei lembra-lo da nossa juventude quando aos sábados e domingos nos reuníamos no cine Bandeirantes, após o cinema tomávamos um sorvete na “Branca de Neve” e depois subíamos para esta praça em que conversávamos e ficávamos na calçada vendo o ”footing” das meninas e flertando com elas. Jovens tínhamos sonhos e esperanças; ele trabalhando como mecânico sonhava em fazer um concurso e eu estudando para fazer o vestibular de medicina. Amigo leal sempre estávamos juntos e confiávamos um ao outro nossos planos e segredos. Amigos temos muitos mas leais e verdadeiros não preenchem os dedos das mãos. A vida vai nos ensinando que vivemos sim em sociedade (somos animais sociais) mas que na maior parte das vezes, diante de nossos erros e acertos, não podemos contar com muitas pessoas. Erros e acertos fazem parte de nossa condição humana e quem disser que nunca errou por certo é mentiroso. O erro, aliás, nos traz o benefício do aprendizado e mostra que todos somos iguais com virtudes e pecados. Tive amigos sinceros na faculdade, na profissão que exerço há 48 anos, na política, enfim, na minha existência! Mas este velho amigo que encontrei claudicante na velha praça me trouxe não só recordações do passado, de uma juventude vivida com disposição, saúde e expectativas múltiplas de grandes vitorias e muito sucesso, mas também a certeza de que a vida é breve, que estamos aqui de passagem e que as conquistas e glórias que possamos ter na realidade nada representam e serão esquecidas pouco tempo depois de nossa partida. Vai restar então nossos exemplos e a lembrança que nossos verdadeiros amigos terão de nós, de nossa vida em comum.
O meu amigo faleceu há poucos dias. Partiu silencioso, dormindo, vítima de um enfarte e deixou comigo, aqui no coração, a convicção de nossa amizade e as lembranças revistas naquele breve encontro... Que pena! Que pena que nossa vida, nosso dia a dia, não permitiu mais acontecimentos como aquele na praça. Fiquei lhe devendo o sorvete de nata com groselha que um dia me pagou após o cinema, a apresentação da primeira namorada, os conselhos sobre a dedicação aos estudos, a vibração verdadeira quando entrei na faculdade de medicina e os olhos rasos d’água refletindo seu amor e sua alegria em nosso último encontro.
A vida nos apresenta todos os dias grandes lições! Às vezes o desabrochar de uma flor nos ensina a presença de Deus, a presença de um animalzinho nos mostra a humildade, o nascimento de um bebê nos transmite a esperança e um amigo nos garante que não, não somos eternos mas podemos ser lembrados eternamente.
(*) O autor é médico e membro da Academia Venceslauense de Letras

Iniciamos um novo ano e, como sempre, neste início de 2022, como soe acontecer, nos sentimos impelidos a fazer planos e projetos para o período que se inicia. Evidentemente você vai concordar comigo que a imensa maioria deles não serão realizados ou porque com o passar dos dias esquecemos do que planejamos ou porque sonhamos com coisas impossíveis de serem realizadas. Afinal o momento do ano novo nos impele a planejar atividades e realizações que por certo já foram planejadas anteriormente e nunca foram exequíveis. Um amigo que encontrei exatamente no dia primeiro me disse que neste ano para ele tudo ia ser diferente e que deixaria parte de suas atividades para se dedicar a si próprio; embora torcendo para que isto realmente aconteça tenho a expectativa, conhecendo como o conheço, de que ele não deixará de fazer nada do que já faz por qualquer outra coisa. Ao fazer 50 anos, na passagem do ano, me comprometi comigo mesmo a viajar pelo menos duas vezes ao ano e conhecer a Europa. Aos 72 vejo que não consegui realizar o que queria e, no máximo, fui a Portugal durante todo este período. O projeto de comprar algo, de aumentar o leque de atividades, de transformar a vida, de melhorar o dia a dia é comum a todos nós e considero extremamente salutar para nos manter ativos e portanto vivendo...Muitas pessoas já não têm mais sonhos e projetos e param de viver, envelhecem, ficam à margem de tudo, depressivas esperam apenas que a morte, única certeza absoluta da vida, venha lhes buscar e isto é extremamente pesaroso.
Então devemos sim todo início de ano renovar nossas esperanças, alinhavar novos planos, considerar novos projetos e firmar novos compromissos principalmente consigo mesmo e por consequência com os que conosco convivem. Salutar sobre todos os aspectos esta atitude melhora, e muito, nossa existência, encoraja nossa atividade e nos faz sonhar prolongando desta forma nossa saúde mental e nossa existência. Tenho certeza de que você concorda comigo!
No entanto, com a experiência que a idade me proporciona, tenho a ousadia de sugerir dois projetos a serem realizados por todos que, além de perfeitamente factíveis, poderão ser realizados com o mínimo de sacrifício. O primeiro deles é, neste ano, buscar e se aproximar de Deus. Vimos que a vida é frágil, a pandemia dos últimos anos e que ameaça voltar novamente, nos mostrou que nossa existência é apenas um sopro, um fiozinho e que só o Pai Celestial pode nos amparar. Nós só O procuramos nos momentos aflitivos e devemos procura-Lo sempre para agradecer as dádivas que recebemos e as bênçãos que emana sobre nós. Falar e louvar a Deus através da oração é algo que, por certo, trará enormes benefícios para nossa vida. O segundo projeto é cuidarmos de nós e nos aproximarmos de nossos semelhantes. Aprender a perdoar, exercer a caridade e a justiça, agir com humildade e sem preconceitos, aceitar as diferenças e, principalmente, ouvir e entender o próximo e estender-lhe a mão amiga com certeza nos fará muito melhores e realizará nossa existência.
Neste início de um ano novo vamos trocar nossos projetos pessoais egoístas e vamos realizar ações que valorizem a vida comunitária, que mitiguem a fome de tantas pessoas, que protejam nossas crianças e idosos, que possam minorar o sofrimento de nossos doentes, que marquem nossa passagem por esta vida. Um ótimo ano para todos!
(*) O autor é médico e membro da Academia Venceslauense de Letras

O natal chegou e, nós cristãos, reverenciamos o natalício de Jesus e o renascimento da esperança de uma vida melhor! Mas o natal é também tempo de presentearmos nossos entes queridos, tempo do Papai Noel. Uma data esperada pelas crianças que acreditam e confiam no bom velhinho. Lembro-me do nosso natal da infância: além da missa do galo celebrada na noite da véspera do natal e na qual se cumpria a nossa religiosidade, além da ceia regada a guaraná e torta de nozes da mamãe, os sapatinhos debaixo da árvore e a expectativa de receber o presente tão sonhado, tão aguardado e que, por certo, ao amanhecer estaria ali a nos esperar. E, com certeza, aos oito anos de idade, o presente era um brinquedo. Sim, uma bola de futebol, um revólver de espoleta, uma boneca para as meninas, um jogo de dados, de palitos e, pronto, estava realizado nosso natal. Saíamos depois para mostrar aos amiguinhos o que nosso “Papai Noel” nos trouxera e tudo virava uma grande festa. Naquela época nossas expectativas eram pequenas e tudo nos agradava.
Crescemos e nossas pretensões aumentaram. Na adolescência queríamos o tênis da moda, a calça “Levis”, a camiseta “Lacoste” ou o óculos e o relógio que nos diferenciaria dos demais. Época de rebeldia e contestação. Nossos pais (já não se acreditava no bom velhinho) se sacrificavam na tentativa de nos agradar e, as vezes, não era possível nos atender.
Na faculdade já não pensávamos em passar o natal em casa. Queríamos a liberdade de estar na noite especial com os amigos, com a namorada, curtindo uma balada. Rapidamente passávamos pela ceia, recebíamos o presente até com certa indiferença e corríamos para encontrar o grupo.
Formados experimentamos novos natais. A pretensão de presentes era muito maior. Uma joia para a esposa, um carro zero, uma viagem para a praia era o presente que nos dávamos. Sim, o papai Noel éramos nós mesmos. Passávamos na casa dos “velhos” para um abraço, um “feliz natal” e já íamos curtir as festas e reuniões com os amigos.
Vieram os filhos e, por certo tempo, o espirito natalino voltou; não a religiosidade do passado mas a expectativa de darmos o presente das crianças, a reunião com a família agora muito maior, a ceia, a troca de presentes no “amigo secreto” e o espirito fraterno que une nossa gente. Vivemos o natal muito mais como um grande congraçamento familiar e isto valoriza muito nossa existência.
Agora aos 73 anos, na senectude, vivo o natal como um momento especial na vida. Vejo a família aumentando com a chegada pelas minhas mãos de uma sobrinha neta exatamente no dia 25, sinto o carinho de meu filho, nora e netas no abraço que me dão, a alegria e o amor a mim dedicados pela esposa, irmãs e toda a turma e sinto a presença de Deus em cada abraço, em cada beijo em cada ato de amor.
Então agradeço pelo maior presente que estou recebendo neste natal: as minhas mãos firmes que me permitem operar com destreza, o meu raciocínio que me permite tomar as decisões certas nas horas exatas, a minha disposição para o trabalho, o meu amor pelo semelhante e o reconhecimento de minha vida e dedicação que recebo em manifestações de carinho de tantas e tantas pessoas. Agradeço a Deus por esta dádiva e elevo minha alma ao céu com a certeza de que este é meu maior presente de natal!
(*) O autor é médico e membro da Academia Venceslauense de Letras

O coração com uma enxurrada de emoções! Na frente o Mediterrâneo terrível: ondas encapeladas, cores acinzentadas, verdadeiros borrões e o rugir do desconhecido tão próximo, a pouco mais de sessenta quilômetros e ao mesmo tempo tão distante como o medo parece mostrar. Para trás a morte espreitada em cada barraco, os estupros, a fome, a guerra civil e os terríveis negros de Bussamara com seus facões... estão ali juntados como gado, acotovelados, esfaimados, aguardando o barco e os piratas que os levarão oceano a dentro. Não há a expectativa de um cajado abrindo o mar como na fuga bíblica do Egito. Não há sequer a certeza de uma chegada a uma nova vida.
Homens e mulheres, crianças e velhos, no entanto, aguardam e sonham. Por que sonhar é preciso e ainda é possível... do outro lado afinal a Itália e a Espanha vicejam na civilidade e no progresso e deverá haver um canto para recomeçar.
O barco chega e não parece tão grande para comportar a todos, mas o sonho, a quimera, não os faz notar isto e em pouco tempo, lotado, começa a singrar as ondas do mar. E a poesia brota no coração deles como relva de primavera e os cânticos são entoados com ardor, com fé e até com alegria. O sol castiga a pele ambàrica daquele povo mas o sorriso estampado em dentes alvos não demonstra qualquer dor.
Dias de sol, céu e água! Fome, muita fome e esperança... sim esperança! Afinal, navegar é preciso!
A noite chega assombrosa e, com ela, uma tempestade raivosa... na escuridão, no breu das águas alguns partem sem despedidas e ouvem-se choros débeis de olhos secos. Talvez encontraram vida melhor.
Amanhece e o mar está calmo, adormecido pelo cansaço da refrega noturna. Não como contar os que ficaram: os mais fortes? Os com mais sorte? Ao longe se vê um navio que se aproxima. Nossa! Milagre! Cada um agradece ao seu deus por sua bendita sina. Navio de bandeira italiana, marinheiros a bordo e a notícia com adaga cortante, como os facões dos negros de Bussamara Dândi: não serão recebidos na Itália, não há lugar para eles. Choro e temor, desespero e dor e a sensação de nulidade tomando conta de cada vida. Notícias nos jornais, o mundo clamando humanidade, as pessoas exercendo qualidade rara, a bondade, e finalmente aceitos... chegam ao novo país e estão livres? Evidente que não: serão extorquidos, enxotados, maltratados, vilipendiados ... afinal são simples refugiados.
OBSERVAÇÃO: crônica escrita há alguns anos, quando ocorreu naufrágio de barco que tentava chegar à Itália, publicada na revista digital “Litera livre” e na segunda coletânea da Academia Venceslauense de Letras.
(*) O autor é médico e membro da Academia Venceslauense de Letras

Em março de 2020, de repente, a humanidade se deparou com a incrível constatação de que somos frágeis e que nossas vidas são fugazes. Nós, os humanos, que progredimos tanto nos últimos séculos, que chegamos à era da tecnologia avançada, que estamos conquistando o espaço sideral, que aumentamos, e muito, nossa expectativa de vida, simplesmente, sem esperar, nos deparamos com um inimigo misterioso, oculto, extremamente perigoso, que ceifou a vida de milhões e milhões de pessoas no mundo, quebrou a economia universal, transtornou nosso dia a dia, nos obrigou a mudar nossos hábitos, nossas condutas e mostrou que nada somos, que somos perecíveis e mortais...havíamos nos esquecido disto! Um vírus que às vezes nem é considerado um ser vivo, surgido do nada, estabeleceu o pânico, ceifou vidas de familiares, de conhecidos, de famosos numa cabal demonstração de que ainda temos muito a avançar. Então surgiu aqueles que disseram “o que podemos fazer...” desistindo de lutar mas a maioria mudou as reticências da frase pelo ponto de interrogação “o que podemos fazer?” e foram à luta para vencer a maior batalha do mundo moderno. Cientistas, médicos, voluntários, em cada canto deste planeta se reuniram, se dedicaram diuturnamente, se sacrificaram, entregaram suas vidas para vencer a covid 19 e neste dezembro de 2021 respiramos melhor e surge sinais de que podemos, se não vencer, pelo menos controlar esta pandemia. Concordo com o parecer de muitos profissionais da saúde que consideram que ainda vamos lutar por muitos anos com este flagelo; ainda não vencemos definitivamente apenas mitigamos nosso sofrimento. A luta continua...
Chegamos a dezembro e agora vamos comemorar o natal. Em muitos lares estaremos chorando nossos entes queridos que a pandemia levou mas, como natal é renascimento, como comemoramos neste mês o nascimento de Jesus, o filho de Deus Pai, talvez este seja o momento de aceitarmos nossa fragilidade e nossa pequenez e rogarmos ao Senhor a sua benção e sua proteção para que nossa existência continue a fluir apesar de tudo...Talvez neste natal possa renascer em nossa alma a fé em Deus e possa surgir em nossos corações a esperança de dias melhores. Este, sem dúvidas, será o melhor presente que iremos receber em nossas vidas.
Dizia o doutor Rubens Alves, emérito professor da UNICAMP, falecido em 2014: “temos que saber diferenciar o otimismo da esperança: o otimismo pressupõe que temos primavera e flores dentro de nós e temos também primavera e flores fora de nós e a esperança determina que tenhamos primavera e flores dentro de nós mesmo que inverno e tempestades estejam a nos fustigar fora de nós”.
Assim, desejo do fundo do coração, que todos tenhamos neste natal a esperança e que ela, preenchendo nosso ser, possa nos levar a conquistar muito em breve o otimismo em nossas vidas.
Feliz Natal!
(*) O autor é médico e membro da Academia Venceslauense de Letras

Nunca fui um craque de bola. Pelo contrário, sempre fui um jogador muito ruim, um verdadeiro perna de pau. Nas peladas que ocorriam nos terrenos baldios perto de casa ou nos campinhos do clube era um dos últimos a ser escolhido e, na maior parte das vezes, me mandavam jogar no gol. Mas embora muito ruim sempre gostei do esporte bretão e, se não fui bom futebolista, torcedor fui ótimo. E desde menino corintiano...Explico porque: em Prudente meu pai era médico do corintinha e eu o acompanhava nos jogos no campo que se situava nos altos da Felicio Tarabay onde hoje está instalado um “Shopping”. Sabia a escalação do time de cor e, até hoje, tenho na memória o nome de vários craques como o goleiro Acosta, os beques Cotia e Bertamin e o atacante Robertinho. Quando mudamos para Presidente Venceslau, eu com 9 anos, encontramos aqui outro Corinthians e, embora achasse linda a camisa Alviceleste da Associação Atlética Venceslauense, continuei corintiano. Ia ao campo ver jogar o Teco, o Baianinho, o Careca e o Guilherme Caravante. Chegou o momento de me preparar para a faculdade e fui morar na casa de meus avós paternos em Campinas. Lá não havia Corinthians mas existia um alvinegro que era a Ponte Preta e, evidentemente, me tornei um pontepretano assistindo aos jogos da “macaca” sempre que os estudos permitiam. Ao entrar na faculdade em Curitiba não encontrei nenhum time alvinegro e comecei a torcer pelo Athletico Paranaense porque não queria ficar longe do futebol e ia à arena da baixada que era bem perto de onde eu morava para ver o “furacão” jogar. Portanto, como podem ver, sempre fui um aficionado ao futebol.
O grande escritor e cronista Nelson Rodrigues escreveu que o Brasil era a pátria de chuteiras e, isto ficou marcado no nosso subconsciente coletivo o que nos levou a considerarmos que somos os melhores do mundo. Será? Quando tinha 9 anos o Brasil ganhou sua primeira copa e eu assisti meu pai, ouvindo as ondas curtas de seu rádio, vibrar com os gols da seleção na vitória sobre a Suécia; em 1962 ali na praça Nicolino Rondó, que tinha um serviço de auto falante que funcionava todos os dias, ouvimos o bicampeonato de nossa seleção; depois, em 1970, participamos de uma grande festa no centro de Curitiba na comemoração do tricampeonato. E foi assim... Sempre vibrando com nossa seleção.
Amadurecemos e hoje sabemos que as coisas não são bem como queremos. O nosso futebol encontra muitas dificuldades e não pode mais ser considerado o melhor do universo. Na Europa assistimos um futebol muito mais evoluído e moderno mas ainda guardamos conosco a ginga e a malemolência típica de nosso país. E a paixão continua cada vez nos envolvendo mais. Hoje este esporte movimenta verdadeiras fortunas e é um meio de alavanca social que traz oportunidades únicas a muitos meninos, e agora também meninas, das nossas periferias e do nosso interior. Mais do que isto, é escola de cidadania e formação do caráter e da personalidade de muitos e muitos jovens.
E, acredito, você vai concordar comigo: muito bom assistir um joguinho no domingo à tarde e poder, no outro dia, “zoar” com nossos amigos cujas equipes foram derrotadas. Pois como disse o mesmo Nelson Rodrigues “o homem não é totalmente adulto pois no futebol será sempre um menino”.
(*) O autor é médico e membro da Academia Venceslauense de Letras

Um dos gigantes da alma é o sentimento da esperança. Habitando o nosso íntimo este sentimento é um dos responsáveis pelo crescimento da espécie humana, pela sua agregação e pelas suas conquistas através do tempo. Sem dúvida uma das características do “Homo Sapiens” que o diferencia das outras espécies e o faz soberano é a esperança... Esperança de vencer as feras, de providenciar alimentos para sua prole, de ocupar novos espaços o fez se juntar a outros de sua espécie, lhe ensinou que poderia, em grupo, vencer todas as adversidades, lhe motivou a descobrir e a vencer o medo do fogo, a construir sua habitação, a ultrapassar a era da pedra e chegar ,hoje, milhões de anos depois, à era da informática e da conquista espacial.
Este sentimento presente em todos nós, em alguns com mais ou menos intensidade, mas presente em todos, nos leva ao sonho, seu componente fundamental e é mola propulsora de nossas atividades, de nosso trabalho, de nossos cuidados com nossa saúde e nossa vida! O trabalhador tem esperança de conseguir, através do labor, ganhar mais, criar seus filhos, dar a eles vida melhor, conseguir sua casa própria, seu primeiro carro e ter, na velhice, condições para viver com tranquilidade; o estudante tem esperança de, através do estudo, chegar à faculdade, se formar e exercer a profissão de sua escolha e escrever uma história de luta e conquistas. A gestante tem a esperança de ter uma gestação e parto abençoados e ver seu filho nascer com saúde e perfeição e o idoso espera que a saúde se prolongue em sua vida e, mesmo sabendo que não somos eternos, que o encontro com a morte seja o mais tarde possível e que ela o leve de forma amena e indolor. Assim é e esta característica tipifica o ser humano.
Quando perdemos a esperança vamos ficar doentes...A falta deste sentimento nos leva à depressão, a vida fica cinza e não temos mais objetivos, nossos sonhos desaparecem ou são terríveis, verdadeiros pesadelos, e podem, em casos extremos, nos levar a desistir de viver. No mundo atual os suicídios cresceram de forma exponencial e a maioria deles ocorrem pela falta de esperança. Há também os mortos vivos, aqueles que sem esperança, buscam nas drogas o lenitivo para seu sofrimento e, com o tempo, viram verdadeiros “zumbis” vagando pelas ruas e pela existência sem viver. Há aqueles que consideram que a vida não vale nada e se transformam em facínoras e criminosos como forma de aplacar um pouco a angústia de seus corações. Enfim, sem esperança, a sociedade e a vida humana deixam de ter qualquer valor.
Vivemos neste século 21 momentos que exigem de nós muita luta, muita coragem, muita esperança. A desagregação da família a olhos vistos, a inversão de valores com a valorização do ter sobre o ser, o fim do respeito pelo próximo, a política do quanto pior melhor, o aparecimento de uma pandemia que ceifou milhões de vidas em todo o mundo e que demonstra que não terminará tão cedo, a pusilanimidade dos governos, as guerras fratricidas em inúmeros países da África e dos Balcãs, a exploração do homem pelo homem, a prostituição alarmante e a promiscuidade intensa fazendo surgir doenças sexualmente transmissíveis espalhadas entre os jovens, nossos filhos, tudo exige de nós um tempo de reflexão e mudança de condutas.
A meu ver só existe um único caminho para que a esperança volte a preencher nossos corações. Ele está presente, para nós cristãos, na palavra de Deus estabelecida na Bíblia sagrada. A leitura e o conhecimento da palavra nos faz transbordar de esperança e fé e ela nos mostra que tudo se pode Naquele que nos fortalece. Assim, só pela nossa divulgação e seguimento da palavra, pela nossa ação manifesta podemos voltar a ter esperança de um mundo e uma vida melhor!
(*) O autor é médico e membro da Academia Venceslauense de Letras

Estive há alguns dias no I.E. Antônio Marinho, no período noturno, para fazer uma palestra aos jovens alunos sobre o outubro rosa, o novembro azul e sobre algumas doenças sexualmente transmissíveis que hoje voltaram a grassar entre os nossos adolescentes, principalmente a sífilis e o papiloma vírus. Convidado pela coordenadora de ensino, durante aproximadamente uma hora, levei a orientação necessária para nossos estudantes. No entanto a minha ida ao colégio me trouxe à memória o tempo em que, menino ainda, frequentei os bancos escolares do I.E. e com emoção pude rever partes do prédio que já existiam e conhecer setores que ainda não existiam no passado. Vejo as escadas internas do prédio principal e me recordo que na terceira e quarta série do então ginásio a minha sala ficava no terceiro andar, no fundo do corredor. Sala ampla, com enormes janelas envidraçadas, comportava cerca de quarenta jovens na época e era ali que aprendíamos as primeiras noções da gramática, da matemática, da geografia, das ciências e da cidadania.
Recordei que naqueles anos não tínhamos transporte e íamos a pé para a escola o que nos obrigava a levantar mais cedo; também não tínhamos a merenda escolar, os mais abastados se utilizavam da cantina, os menos favorecidos levavam a merenda de casa. De fato todos se alimentavam e não havia queixas. Respeitávamos os inspetores, os serventes e os professores que eram tratados com carinho e enorme consideração. Quando o professor chegava na sala todos levantávamos de nossas carteiras e só voltávamos a sentar quando ele determinava. Antes de começar as aulas ainda no pátio da escola nos alinhávamos diante da bandeira nacional, símbolo da pátria, e entoávamos o hino nacional com o sentimento de patriotismo e amor ao país que hoje parece não vermos mais. E nosso uniforme? Nossa! o vestíamos com orgulho e ostentávamos o nome do colégio com a convicção de que era o melhor da cidade. Assim era o nosso I.E. nos idos dos anos 60.
Evidentemente tínhamos nossos momentos de lazer. Por exemplo, na hora do recreio jogávamos um futebolzinho no pátio com bola de meia, trocávamos figurinhas ou participávamos de torneios de pião e bola de gude. Logicamente de vez em quando saia uma briga que era imediatamente contida pelos inspetores e eventualmente gazeávamos as aulas para namorar ou ir para o clube lá no final da Newton Prado se encontrar com outros amigos. Ah! Mas as ordens em casa eram severas. Qualquer queixa da escola sobre nossa atividade estudantil era punida com castigo avassalador: proibição de ir ao cine bandeirantes por dois fins de semana e proibição de ir tomar um “estudante” na sorveteria “Branca de Neve” após o cinema. Diferente de hoje em dia em que os pais super protegem seus filhos e chegam a agredir professores, no passado o mestre sempre estava certo e nossos progenitores apoiavam todo o ato praticado por eles. Assim fomos educados e assim fomos preparados para a vida. Escola pública, respeito pelos mais velhos, admiração e carinho pelos nossos mestres nos tornaram, na imensa maioria, excelentes pais de família, profissionais competentes, dedicados e honestos e, acima de tudo, cidadãos patriotas.
A minha visita ao antigo colégio me trouxe momentos de emoção, carinho e saudades. Lembrar-me de meus professores, dos amigos da infância, dos nossos folguedos da adolescência, fizeram meu dia seguinte muito mais leve e feliz! Afinal lembrando, aqui entre nós, o velho clichê “recordar é viver”!
(*) O autor é médico e membro da Academia Venceslauense de Letras

Examino as minhas mãos enquanto espero. Elas já apresentam aquelas pequenas manchas da senectude. Ao examiná-las percebo e reconheço a sua enorme importância para a vida. Engraçado, no dia a dia, quase não as percebemos e, no entanto, são fundamentais. Ao nascer o lactente apoia suas mãozinhas no seio materno de onde sorve o abençoado leite, a seiva da vida; ao dar os primeiros passos a criança estende sua mão para a mãe protetora e desta forma vence a insegurança e o medo de iniciar sua caminhada. Também com as mãos pega objetos e percebe o que é solido e o que é liquido, o que é quente e o que é frio, o que lhe dá sensação agradável e o que lhe provoca dor. Na primeira infância usa as mãos para escrever as primeiras letras e, às vezes, como aconteceu comigo, tem que usar o caderno de caligrafia (ainda existe?) para ocupar o espaço certo. Na juventude usamos as mãos para a pratica dos esportes, para segurar nas mãos da namorada, para fazer carinho e, também, para se defender da agressão que, infelizmente, também ocorre. Depois vem o trabalho e as usamos na lida diária, bordando, escrevendo, embrulhando, empurrando, puxando, construindo e, algumas vezes, destruindo!
Olho à minha volta e vejo, sentado ao meu lado, um trabalhador braçal. Suas mãos são diferentes das minhas; calejadas, grossas, são a comprovação de uma vida dedicada ao trabalho...Mãos que plantaram a semente que se transformou em alimento em minha mesa, mãos que construíram, tijolo por tijolo, a casa em que moro, a linda cidade em que habito. E, então, a admiração por aquele cidadão que mal conheço enche o meu coração e transborda no sorriso sincero que lhe dirijo. As nossas mãos são a história e o documento de nossas vidas!
As minhas mãos também têm muita história para contar. Fico imaginando que elas foram úteis para trazer ao mundo muitas, incontáveis crianças que hoje são trabalhadores, pais e mães de família, edificando com suas mãos suas vidas. Fazendo partos da quarta geração de mulheres penso que minhas mãos contribuíram com a felicidade e a realização de numerosas famílias.
Também serviram para amparar, para dar força, para estar ao lado de muitas e muitas pessoas no momento de dor, de sofrimento, de despedida. As minhas mãos hoje com algumas manchas da senilidade ainda continuam na intensa atividade do trabalho. Nesta semana trouxe à vida o pequeno Daniel que, espero, um dia será também um trabalhador a construir sua existência com suas próprias mãos.
Escrevo e são elas que transportam para o papel o que vai na minha alma e, no escuro, pelo tato, me mostram o caminho a trilhar e me levam ao porto seguro. Também são elas que me permitem acenar para as pessoas que encontro pelas ruas, que me ajudam no amplexo apertado com o qual traduzo para o ente querido todo o meu carinho, todo o meu amor. São elas que, na despedida, acenam para quem vai embora lhe transmitindo o desejo de boa caminhada e breve regresso. Enfim, são elas que observo agora e sinto aqui dentro do peito a validade incomensurável de poder tê-las e sempre contar com elas.
Então ergo as minhas mãos unidas para os céus e agradeço a Deus por esta preciosa dádiva e o meu coração O louva: “Grandioso és Tu, grandioso és tu Senhor”.
(*) O autor é médico e membro da Academia Venceslauense de Letras

Os portugueses foram os últimos a chegar com grande alvoroço. A Maria Fumaça resfolegando e soltando fagulhas por todos os lados trouxe um magote deles. Vieram para Perobal como madeireiros para explorar a enorme quantidade de madeiras nobres que existiam nas matas ainda virgens da região. Os índios coroados já estavam “domesticados”, usavam calção e bebiam cachaça nos grandes barracões da companhia construtora da ferrovia, eram mão de obra barata e, como conheciam toda a floresta, sabiam e indicavam os locais onde os catetos e os veados iam beber água e ficavam à mercê das espingardas dos caçadores. O feitor da companhia adorava uma carne de caça e era agraciado por todos com a iguaria. No entanto entre os índios havia um que se sentia incomodado com a matança dos animais. Era o velho Quicó Cabreuva que se opusera à chegada dos homens mas que fora vencido pelas ordens do cacique Caigangue que se mostrou simpático aos brancos e principalmente aos seus presentes. Quicó não se manifestou pois hierarquia era hierarquia e durante algum tempo permaneceu escondido na mata procurando viver longe dos invasores. A noite, principalmente nas de lua nova quando a claridade iluminava as veredas, o índio se aproximava dos barracões e ficava a ouvir os gritos e as cantorias dos operários da ferrovia que se embriagavam e se divertiam com as mulheres que vinham acompanhando os homens e com as índias que por ali ficavam. Quicó sentia dor e ódio envolver seu coração...Subia então a colina e sentava-se ao pé da enorme figueira onde dormiam as araras e dali avistava ao longe as luzes do arraial que, célere, se formava. Tinha a esperança de que tudo aquilo iria passar e que a tranquilidade voltaria a reinar naquele rincão de matas fechadas e rios caudalosos. Ficava ali como uma sentinela avançada guardando a mata e os animais que nela viviam...O velho índio amava os animais! Tinha enorme afinidade com os pássaros. Araras, tucanos, arapongas, rolinhas, maritacas costumavam vir comer em suas mãos e os catetos, as capivaras, as antas e os macacos não se assustavam com sua presença. Até a onça pintada mantinha com ele uma distância respeitosa.
Um dia, ao entardecer, Quicó, encontrou, em um córrego onde os veados costumavam ir beber água, uma mulher. Ela era loira, tinha a pele clara, os olhos verdes e cantava com uma voz suave e delicada uma música que ele não conhecia. Ao vê-lo não mostrou medo e, ao contrário, o chamou para perto de si. Então o índio sentiu de repente um arrepio delicioso pelo corpo que jamais sentira e a paixão invadiu todo o seu ser de uma maneira profunda e definitiva. Chamou-a de Tinga que em Tupi Guarani significa branca e passou a viver com ela em sua choupana. Graças a Tinga e por causa dela começou a frequentar os barracões e os armazéns da companhia e conheceu a pinga. Depois de Tinga era da aguardente que Quicó mais gostava...Existem pessoas que não têm limites e o índio era assim. Todos os dias bebia até cair e ficava jogado pelos cantos até a carraspana passar. Tinga se cansou e começou a se entregar ao português Joaquim Tercio abandonando o relacionamento com Quicó. De início ele nem percebeu mas o tempo foi passando e, nas poucas vezes de lucidez, via a sua loira conversando com aquele homem de quase dois metros de altura. Isto não lhe trazia nenhum mal estar porque Quicó não possuía o sentimento de posse e só saía do sério se alguém tirasse sua pinga ou judiasse de algum animalzinho da floresta na sua frente.
Foi numa tarde de domingo. Havia chovido e a terra molhada trazia um perfume de relva e frutas maduras que pareciam embriagar a todos. As araras em algazarra comiam coquinhos e ali, em volta da grande figueira, Quicó ressonava enquanto catetos pastavam tranquilamente. De repente ouve-se o barulho de tiros e risadas bem próximas. O índio acorda e vê a alguns metros o português e sua Tinga atirando nas araras que caíam da palmeira e tinham suas penas arrancadas com brutalidade pelo casal. Dentro de seu ser Quicó Cabreuva sente crescer uma onda indomável de ódio que vai latejando em suas artérias e se acumula em seu cérebro. Sem raciocinar direito pega sua borduna e avança para o casal atingindo a cabeça da mulher que cai ensanguentada. O índio balança o corpo entre assustado e indeciso e, quando se volta, recebe uma punhalada de Joaquim Tercio que expõe todo seu intestino. Com dor senta-se na sombra da figueira e ali fica observando o homem se afastando levando sua Tinga nos braços. Um torpor doce e inusitado vai tomando conta de todo seu ser e ele vê ao seu redor que sua floresta está voltando com suas perobas, cedros e jequitibás, com seu verde e seus animais. Uma arara azul vem pousar em seu ombro exatamente no momento em que exala o último suspiro.
O tempo passou e o arraial cresceu, veio o café e o algodão, o gado de corte e a cana de açúcar, mudou de nome e se transformou numa bela cidade que leva o nome de um presidente da república e onde uma população ordeira, fraterna e trabalhadora escreve sua história.
Dizem que nas noites de lua nova lá no pé da figueira que continua esguia e grandiosa na mesma colina aparece a figura de um velho índio com uma arara azul no ombro, verdadeira sentinela avançada da terra abençoada.
OBS : Conto primeiro lugar no concurso de contos e poemas de 2021 em Presidente Venceslau em comemoração ao aniversário da cidade.
(*) O autor é medico e membro da Academia Venceslauense de Letras

O semáforo fecha quando estou chegando na esquina. Eu com pressa. Preciso almoçar rápido e voltar para o hospital. Entretido com meus pensamentos não vejo quando o homem se aproxima e assusto quando bate em minha janela. É um homem ainda jovem e, embora não seja um maltrapilho, apresenta roupas puídas e muito usadas. Traz na mão um papelão onde leio “estou com fome”!
Embora um pouco irritado resolvo abaixar o vidro e o calor do meio dia invade o veículo; abro a janela por curiosidade e, talvez, por compaixão porque vinha para casa orando e agradecendo a Deus pelo sucesso da cirurgia matinal. Indico ao homem que vou estacionar para falar com ele e, assim que o sinaleiro abre, paro em frente à Cybelar.
O rapaz em um “portunhol” arrastado me conta sua história: é um venezuelano que fugiu da miséria que grassa em seu país e veio para o Brasil em busca de nova vida. Perambulou por Roraima, depois por Tocantins, trabalhou em Sinop e veio para São Paulo para trabalhar em uma fazenda em Tarabay, perto de Presidente Prudente. Tem mulher e dois filhos pequenos que estão no pátio da estação, o dinheiro acabou e ele está esmolando para matar a fome da família e poder chegar ao seu destino. Me conta que neste périplo até chegar aqui dormiu muitas vezes no mato, trabalhou como escravo em madeireira, foi enxotado de propriedades rurais e, desesperado, apelava para que as pessoas o ajudassem pelo menos a matar a fome. Escuto sua história com atenção e, embora sem saber se está mentindo ou não, me compadeço daquele homem.
Temos sempre a postura inicial da dúvida, da desconfiança. Sempre achamos que aquele que nos pede, que nos procura, está nos enganando. Nunca prestamos atenção às pessoas. Envolvidos com nossos problemas e com nossa atividade preferimos descartar logo quem se aproxima e, na maioria das vezes, continuamos nossa caminhada sem nos envolver com mais nada.
Não sei se o homem que me fez parar o carro e me atrasar para o almoço estava mentindo ou não, porém ao lhe dar uns minutos de meu tempo e de minha atenção me fez sentir muito melhor! O dia ficou mais leve e muito mais proveitoso para o desempenho de meu labor.
Estendi para o rapaz uma nota de dez reais e fui surpreendido por uma grande lição de vida: ele me disse: “não precisava me dar nada. Há meses vago por este país e o senhor foi a primeira pessoa a me dar atenção. Este gesto valeu mais que qualquer dinheiro”. Emocionado entendi que a melhor manifestação de amor depende apenas de um gesto: prestar atenção ao próximo!
(*) O autor é médico e membro da Academia Venceslauense de Letras

Dona Arlinda que saudades! A participação que tive no segundo concurso de contos e poemas realizado pela Secretaria de Educação e Cultura de Presidente Venceslau me trouxe não só a alegria de presenciar que a minha cidade estimula e dá importância à literatura, tão esquecida e mesmo desprezada pelas pessoas, mas também saber que o concurso recebe agora o nome da escritora Arlinda Garcia de Oliveira Marques. Nada mais meritório. Entre os vários escritores e poetas desta urbe que através dos tempos, com suas poesias, crônicas, contos e romances, enriqueceram nossa vida cultural, destaca-se esta portentosa autora que se eternizou por sua magnifica obra eivada de romantismo, realismo, sonhos e simplicidade. Arlinda, sem dúvida, é uma das grandes escritoras que a cidade apresentou e com sua obra marcou a vida dos que tiveram o privilégio de lê-la, marcou a nossa vida!
Tenho vínculos com a família da escritora. Sua sobrinha Sally foi minha coleguinha de ginásio tendo estudado comigo a segunda série no colégio Antônio Marinho, hoje IE, na época Colégio Estadual e Escola Normal; adolescentes frequentávamos os mesmos amigos e as mesmas festas. A irmã caçula da Sally, Rose Anne, casou-se com um de meus cunhados e tenho duas sobrinhas queridas deste enlace. Cristiane, uma de suas filhas, foi craque e honrou as cores de Venceslau no basquete feminino que tivemos no passado e que tinha importância no cenário deste esporte em nível estadual. Na época, prefeito, era seu fã e torcia muito por ela e por nossa equipe. Em Curitiba, onde estudei medicina, frequentei a casa da dona Solange, sua irmã, que nos recebia com carinho de mãe e frequentemente nos proporcionava almoços maravilhosos e estímulos ao estudo que moldaram nossa formação de profissionais médicos e agora tive a oportunidade de realizar alguns trabalhos com sua neta, doutora Natália Gazetti, competente ginecologista que enriquece nosso grupo de facultativos. Por tudo isto esta homenagem concedida pela municipalidade a Arlinda me trouxe verdadeira emoção e enorme alegria.
A escritora tem muitas e obras e eu quero destacar algumas que me marcaram :”Quanto vale uma ilusão” livro que toca em ponto crucial da vida, o adultério, e realisticamente demonstra a força da mulher em uma sociedade até hoje patriarcal, “Lila” que nos transporta para a doçura dos que amam, “Valores de nossa terra” que homenageia de forma espontânea e sincera vários cidadãos do município, “Pétalas ao vento” que nos envolve em linda poesia, “Que o amor perdure” e “Exemplo de vida” que nos toca com as mensagens de amor sempre presentes em sua escrita. Membro da Academia Venceslauense de Letras e da
Academia Piracicabana de Letras enriqueceu sobre maneira nosso acervo cultural.
Mas o mais importante na personalidade de Arlinda era sua simplicidade, sua humildade, sua educação esmerada e sua bondade. Dotada de uma bondade e de uma meiguice infinitas a escritora nos apaixonava pela sua conduta corretíssima sem contudo se afastar um centímetro de suas convicções, de seus projetos e de suas posições. Doce ao falar, carinhosa no olhar, educadíssima no trato com as pessoas Arlinda tinha personalidade forte e cativante conquistando a todos que com ela conviveram.
Assim, a homenagem que se presta à escritora nominando este concurso com seu nome consolida o respeito, a admiração e o carinho que nós venceslauenses temos por ela eternamente marcada em nossas vidas pelos seus livros, mas principalmente pelos seus grandes exemplos de amor e cidadania!
Parabéns à municipalidade por escolha tão acertada e grandiosa.
(*) O autor é médico e membro da Academia Venceslauense de Letras

O trem chegou com um pouco de atraso. Estação lotada naquele domingo de manhã. Sol forte e perfume de café no ar. O doutor desce do vagão e aspira o ar matutino com sofreguidão e esperança, afinal escolhera aquela cidade para começar sua vida de medico e queria muito que tudo desse certo. Tinha tido a oportunidade de ficar na capital, fazer uma especialização, seguir carreira de mestre e ficar famoso mas não era o que queria...na verdade seu sonho era se firmar numa cidadezinha do interior, atender pessoas simples, servir a comunidade com dedicação, transformar a profissão em verdadeiro sacerdócio. Também a experiência trágica que tivera no final do curso quando em um parto normal a criança nascera morta foi fator decisivo para sua ida para o interior.
Saiu da estação e andou por linda praça com árvores frondosas e alamedas limpas ouvindo o gorjeio dos passarinhos e o alarido das crianças que por ali brincavam. Na esquina encontrou um ponto de charretes, subiu em uma delas e pediu ao condutor simpático e risonho que o levasse a uma boa pensão. Na parte alta da cidade, bem próxima ao único hospital, a pensão Coimbra era simples e muito limpa, o quarto arejado com uma cama de solteiro, guarda roupa pequeno e uma escrivaninha era tudo o que o doutor queria e precisava. Da janela podia avistar a rua principal com seus caminhões carregando pesadas toras para as serrarias e carroças com fardos de algodão destinados aos armazéns da estação. Na palmeira em frente araras azuis faziam algazarra. Coração pulsando de alegria e o sonho, uma das bases da vida, tomando conta de seus pensamentos.
Os dias correram céleres e o doutor no seu afã diário nem tempo tinha para descanso. Nem mesmo uma cartinha para a noiva Ivani conseguira escrever. Vários casos de tifo e malária, desidratação infantil, fraturas de braços e pernas decorrentes dos serviços brutos da retirada da madeira da mata, tudo passava pelo doutor e a todos atendia com zelo. Só sofria um pouco, intimamente, quando atendia gestantes porque o espectro do passado, daquela tragédia ainda tão vívida em seu coração, o deixava inseguro e temeroso.
Naquela noite do início de setembro pela primeira vez o doutor foi chamado para fazer um parto; ficou tenso, preocupado...Parto no domicilio, sem o apoio do hospital, porque era assim que ocorria. Ao chegar à casa da parturiente encontrou o marido na varanda e no quarto acompanhando a mulher uma senhorinha obesa e baixinha com grande bócio tireoidiano já cuidando da paciente. “Sou dona Romana a parteira da cidade” lhe informou a velha e o doutor viu em cima de uma mesa bacia de água quente, muitas toalhas limpas, barbante e uma tesoura. Desculpou-se com a parteira e pediu que ela se retirasse para que ele, o doutor, fizesse o parto. Preparou o seu material trazido dentro da maleta e examinou a mãezinha com uma luva. Considerou que estava tudo bem e que em pouco tempo o bebe nasceria. Sentou-se para esperar. As horas foram passando e a mulher em dores não conseguia parir. Um medo enorme foi tomando conta de seu ser e o doutor desesperado saiu para a sala pensando em conseguir condução urgente para levar a paciente para o hospital. Na sala estava dona Romana que entrou e começou a conversar com a parturiente com carinho mas com determinação a incentivando e mostrando como deveria fazer para ter o rebento. Pouco tempo depois o doutor que estava procurando um carro para transportar a mulher ouviu o vagido do nascituro e correu para o quarto. Dona Romana já estava colocando o bebe no seio materno “para não dar hemorragia” segundo ela e coube ao doutor retirar a placenta. Após estar tudo bem com a mãe e o bebê a velha senhora se aproximou do médico e humildemente lhe pediu desculpas pela sua intervenção. Lágrimas sinceras brotaram dos olhos do facultativo...
A madrugada o apanhou ainda acordado em sua cama na pensão e, de repente, ouviu claramente os acordes de uma banda marcial. Emocionado saiu à janela e viu que estava ocorrendo uma alvorada porque naquele dia, dois de setembro, a cidade fazia aniversário! Então sentado na cama agradeceu a Deus e soube que aquela era a sua terra, a sua cidade!
(*) O autor é médico e membro da AVL (OBS: Este conto foi o primeiro colocado no primeiro Concurso de contos e poemas “escritora Arlinda Garcia de Oliveira Marques” promovido pela SEMEC de Presidente Venceslau em 2020)

Há alguns anos escrevi uma crônica sobre a barbárie que assolava o mundo. Havia uma guerra na Síria e a mortandade de civis inocentes era imensa. Na época citei Atila, o rei dos Hunos, como um homem poderoso e guerreiro que para conquistar as estepes era capaz de trucidar seus algozes. Lembrei-me da idade média e da inquisição da igreja católica que, em nome da religião, queimava em grandes fogueiras os hereges, ou seja, os que tinham ideias diferentes das pregadas e impostas pelo catolicismo. Citei a escravidão que trouxe para o Brasil milhares de africanos que morriam nos porões dos navios negreiros ou nas senzalas explorados e maltratados até as últimas consequências pelos seus senhores. Enfim um texto que procurava mostrar do que o ser humano era capaz de fazer em nome de suas conquistas, de sua ganância e de sua “religiosidade”!
O tempo passou mas a vida continua exatamente igual. Enfrentando uma pandemia que está tirando a vida de milhões de pessoas no mundo (quase 600 mil no Brasil) e que deveria nos mostrar como somos pequenos e vulneráveis continuamos a praticar as mesmas barbaridades que caracterizam o ser humano através de sua história. Ligo a televisão e vejo que o Talibã voltou a tomar o poder no Afeganistão e lá as pessoas perderam sua privacidade e sua liberdade em nome de um radicalismo religioso inacreditável; a matança é enorme e as mulheres são encarceradas, só saem à rua acompanhada de um homem da família, não podem estudar e usam a burca que lhes tira até a possibilidade de ver a beleza do firmamento. Os africanos continuam morrendo na Nigéria, no Congo e na Costa do Marfim massacrados pela luta cotidiana e permanente entre as diversas facções políticas e as guerrilhas. Os que tentam escapar em busca de uma vida melhor ou em busca da sobrevivência acabam morrendo no mar mediterrâneo naufragados em barcos que não tem mínimas condições de navegação. Assim a barbárie continua grassando por todo o mundo.
E se você imagina que aqui no nosso Brasil estamos livres sinto lhe dizer que isto não é fato. A violência em nosso país chega às raias do absurdo. O homicídio, principalmente de homens jovens, é um dos maiores do mundo e a certeza da impunidade aumenta exponencialmente este fato angustiante. Ligue a televisão e você verá a todo instante notícias de crimes, de latrocínios, de justiceiros, de milícias e toda espécie de absurdos que possamos imaginar. Leis muito brandas, corrupção, negligência e pusinamilidade são a argamassa para a ocorrência desta vergonha nacional. E nossas mulheres? Não sofrem com assédios vergonhosos, não são estupradas e seviciadas? O feminicídio tem enorme incidência em todos os cantos do país. Racismo institucional, homofobia, pedofilia e tantas outras perfídias são fatos comuns em nossa sociedade.
Agora, se nós não temos nenhuma atitude positiva com tudo isto, se não nos enojamos e se não nos revoltamos com tantas barbaridades, se consideramos que estas coisas são desta forma mesmo e que os problemas dos outros não nos dizem respeito, se ao vermos na TV uma criança de 5 anos ser fuzilada por uma bala perdida nada sentimos, se ao sabermos que 20 milhões de pessoas estão passando fome em nossa terra, algumas pertinho de nós, e não somos capazes de nos sensibilizar então temos que convir que a barbárie está intrínseca em cada um de nós ou, por outras palavras, embora inteligentes e com o livre arbítrio concedido por Deus, nosso Pai, somos bárbaros e não podemos ser dignos de sermos chamados “humanos”.
(*) O autor é médico e membro da Academia Venceslauense de Letras

Final de agosto, primeiros dias de setembro, surge de forma súbita a florada dos Ipês. Todos os anos isto acontece no finalzinho do inverno como se fosse a primeira notícia da nova estação que se aproxima, arautos da primavera. Por onde andamos, espalhados pela cidade, vejo os Ipês amarelos, os mais comuns, os rosas e os brancos. Às vezes em árvores pequenas, outras em gigantescas, sempre enchem de beleza o ambiente que enfeitam mostrando que a natureza continua a nos brindar com suas maravilhas! Tenho um no caminho de meu trabalho. Ainda ontem estava vazio e agora, ao passar, o vejo cheio de flores amarelas que cobrem toda sua copa e brilham, com o reflexo do sol, como se fossem pepitas de ouro.
Tiro uma foto com meu celular e a encaminho para os amigos com o meu “bom dia” na esperança de que todos possam mesmo ter um dia pleno de realizações e alegrias. Sei muito bem que a florada do Ipê é rápida. Três ou quatro dias após surgirem as flores começam a cair e formam tapetes pelo chão que pisamos. Mas durante estes dias inundam nossos olhos e nossos corações de beleza e paz.
Isto me faz lembrar de Curitiba, cidade onde estudei medicina. Lá existem várias ruas com Ipês em suas calçadas e as floradas ocorrem ao mesmo tempo. São ipês amarelos e a cor das flores são de uma beleza tão intensa, tão inebriante que nos emocionam e mostram como a vida é bela. O brilho ouro do amarelo cobrem a nossa retina como um vendaval. Nesta época gostava de passear pelas ruas para ver de perto a florada dos ipês. Havia um professor mais velho que nos acompanhava no passeio e nos mostrava a magnitude da natureza. Dos ipês brancos caiam as flores como flocos de neve e dos amarelos as “pepitas de ouro” e o velho mestre nos falava da continuidade da vida. Vivíamos a floração dos ipês como uma homenagem à vida que se repete e ressurge sempre e embora fugaz deve ser vivida com intensidade. Dura muito pouco a floração dos ipês, três ou quatro dias, mas a intensidade de sua beleza mostra que mesmo rápida nossas vidas devem ser intensas para valerem a pena. Recebo dos amigos muitas fotos de árvores floridas por todo canto de nosso país mostrando que, como aqui, em todos os lugares a mensagem da beleza, da poesia e da paz que Deus nos envia através destas flores nos ensinam que a vida é maravilhosa em todas as suas manifestações mesmo nas mais pequenas e que devemos enxergar Suas dádivas em tudo.
O velho mestre faleceu mas até a formatura todos os anos íamos caminhar pelas alamedas dos ipês para ver o manto dourado que a natureza nos ofertava! E agora, quase cinquenta anos depois, no final de agosto quando subitamente as flores aparecem na copa destas árvores o meu coração fica repleto de saudade e eu agradeço a Deus a ventura de, por mais um ano, ver e sentir a vida se refazer para começar um novo ciclo.
Caminho então pelo tapete amarelo que formam as flores ao cair em oração muda e intensa com a esperança de que, com a chegada da primavera, possamos viver ainda mais e melhor! E no ano que vem que Deus nos permita assistir novamente a grandiosidade de sua benção na incomparável beleza da simplicidade das pequeninas flores.
(*) O autor é médico e membro da Academia Venceslauense de Letras

Estava ali há mais de um século. Possivelmente amparou em sua sombra os índios coroados quando caçavam a anta e a capivara abundantes naquelas matas; aliás, deve aos índios o seu nome: Jequitibá em tupi significa “gigante da Floresta”.
Gigante mesmo! Quase 30 metros de altura e um tronco tão grosso que não podia ser abraçado. O velho jequitibá no transcorrer de sua vida assistiu a muitas coisas. Viu, enquanto em seus galhos tucanos e araras azuis repousavam, a chegada da estrada de ferro sorocabana abrindo a mata virgem, a locomotiva resfolegando em fumaça e os homens abrindo o picadão com as foices e enxadas, viu com tristeza infinita as serrarias se instalando e as perobas e outras árvores nobres sendo cortadas e transformadas, da noite para o dia, em dormentes e tábuas, viu casas sendo construídas, índios sendo expulsos, animais sendo aprisionados ou mortos.... Viu, enfim, que a vida mudara. Não era mais a mesma.
Até o clima foi se transformando através do tempo: antes com estações bem definidas agora com inverno misturado com verão, frio com calor, chuva com seca, tudo em uma bagunça só! Lembrar do passado talvez fosse o melhor.... Uma vez com alegria viu o joão de barro construir em seu galho mais forte a sua casinha, o seu ninho, e durante muito tempo viu nascer, crescer e morrer os bichinhos da floresta. Emocionado viu tudo isto!
Nos últimos tempos tinha ficado praticamente sozinho. Ereto no meio do parque se conformava em servir de sombra para algum trabalhador mais cansado. Não via mais os pássaros mas ouvia a algazarra das crianças que brincavam a sua volta e isto mitigava de algum modo sua dor e sua saudade. Até, apesar da dor, ficou feliz quando um casal enamorado desenhou com um canivete em seu tronco um coração e a frase “amor eterno” pois o amor para ele era fundamental.
Amava a seu modo a natureza e toda a criação, amava os homens na figura daquelas crianças inocentes que ali brincavam, amava até as ruas asfaltadas, as casas de pedras e as piscinas nos quintais que refletiam o sol dando a ele a sensação da vida. Como todo jequitibá que se preze de vez em quando soltava suas folhas para se recompor e elas, tocadas pelo vento, se espalhavam pelo ar levando além dos muros o perfume e os sinais da natureza viva; sim, levavam a todos a certeza da vida!
O velho jequitibá, no entanto, sem saber, trazia transtornos: suas folhas entupiam calhas, sujavam calçadas e piscinas e exigiam que, ao redor, os humanos sempre estivessem a limpar. E isto irritava profundamente algumas pessoas.
Em uma noite fria e escura de inverno o jequitibá recebeu uma visita. Percebeu que algo estranho estava acontecendo e algo estava sendo injetado em sua seiva. O “Tordon” injetado vai consumindo as energias da velha árvore e assim, aos poucos, com sofrimento atroz, ela vai morrendo. Pronto! Tudo consumado. O velho jequitibá que viu os índios coroados, que assistiu à chegada da estrada de ferro, que vivenciou o desenvolvimento da cidade secou, morreu! Seu tronco foi picado pela moto serra para servir de lenha para o homem e só a natureza entristecida viu queimando um coração com os dizeres: “amor eterno”.
(*) O autor é médico e membro da Academia Venceslauense de Letras

Não há a menor dúvida de que a medicina mudou muito nas últimas décadas. Evoluiu por um lado graças a novos recursos, procedimentos e equipamentos que facilitaram os diagnósticos e a terapêutica de uma infinidade de patologias melhorando muito seus prognósticos porém afastou e tornou fria e impessoal a importante relação médico paciente. Como exemplo quero citar a chegada do usom que nos últimos 30 anos alavancou o atendimento na obstetrícia que hoje pode abordar e tratar situações, como por exemplo a gestação ectópica, de uma maneira muito mais precoce e efetiva. No entanto, não podemos esquecer que o mais importante é a atuação do profissional médico, sua empatia com o paciente e sua perspicácia no raciocínio clinico. Como dizia o velho professor: “a clínica é soberana” e disto não podemos nos esquecer.
Neste sentido, e por considerar muito importante e veraz, transponho aqui um texto de outro autor que considero fundamental: “o médico puxou, com os dedos, a pálpebra inferior da paciente, para verificar se ela estava corada. Aproveitou para certificar-se que não havia icterícia e que as mucosas brilhantes e úmidas confirmavam seu bom estado de hidratação. Com o auxílio de uma pequena lanterna verificou a simetria e os reflexos pupilares. Pediu para ela abrir a boca e mostrar a língua e deu uma olhada rápida no estado dos dentes e da mucosa oral. Depois olhou o pescoço à procura de alguma alteração e apalpou a glândula tireoide. Sentiu na paciente o suave aroma do banho recém tomado e lembrando-se da importância do olfato e do paladar que são fundamentais durante o exame verificou que a mesma não apresentava nem hálito cetótico ou hepático excluindo então uma acidose diabética ou uma cirrose. Reparou que o estado nutricional da paciente era muito bom, sem excesso de gordura ou flacidez muscular. As mamas, levemente assimétricas mas com caimento fisiológico e proporções naturais não apresentavam à palpação nódulos nem retração dos mamilos. A paciente tinha postura normal sem escoliose ou qualquer desvio da coluna. As unhas não eram distróficas e as polpas digitais mostravam uma perfusão sanguínea adequada com rápido retorno à cor normal após breve pressão. A pele não tinha manchas nem tatuagens raridade nos dias de hoje. Apalpou os pulsos radiais, carotídeos, femorais e pediosos comparando sua amplitude em ambos os lados do corpo para certificar-se não haver sinais de obstrução ou coarctação da aorta. Contou a frequência cardíaca e avaliou o ritmo percebendo não haver pausas ou extra sístoles. Aferiu a pressão da paciente com cuidado, localizou o ictus cordis e o frêmito toraco _ vocal e com o estetoscópio auscultou o coração e o trajeto das carótidas à procura de sopros, atritos ou abafamentos. Com os dedos da mão percutiu os espaços intercostais e constatou o som claro pulmonar. Pediu para a paciente inspirar e expirar verificando se havia algum sopro e verificou o movimento torácico e sua expansibilidade. Apalpou as cadeias ganglionares cervicais, axilares e inguinais e não encontrou sinais de adenomegalias. Examinou detidamente o abdome verificando pela apalpação o tamanho e o bordo do fígado, o baço e os rins. Constatou não haver nenhuma massa abdominal anormal palpável. Pediu que a paciente caminhasse pela sala para ver seu equilíbrio e sua postura. Examinou seus reflexos patelares, bicipitais e tricipitais e verificou a sua força muscular e sua coordenação motora. Aí baseando-se em sua anamnese e no seu detalhado exame físico o médico lhe informou que ela não tinha nada de grave e tranquilizou-a dizendo não haver necessidade de exames onerosos e recomendou exercícios físicos, dieta adequada, ingestão de bastante água, sono tranquilo e controle do stress. Pediu que ela retornasse com 30 dias ou a qualquer momento se surgissem sintomas novos. Receitou sintomáticos e um ansiolítico suave para usar somente se fosse muito necessário.
A paciente saiu do consultório desapontada e enraivecida decidida a procurar um médico moderno que lhe pedisse uma ressonância magnética e pelo menos uns quinze exames bem caros para achar a doença que o velho médico não fora capaz de achar pois, com certeza, um médico que não pede muitos e onerosos exames deve estar ultrapassado...”
(*) O autor é médico e membro da Academia Venceslauense de Letras

Recordar o passado é reviver momentos de alegria, de tristeza, de dor, de esperança e de vitórias. Também é o momento para revivermos grandes ensinamentos que burilaram nossas vidas e formaram nosso caráter que nos estabelece no seio da comunidade. A vida em todas as suas nuances mostra para todos nós o caminho da felicidade e da realização pessoal; às vezes seguimos seus “conselhos” e vivemos bem, às vezes não acreditamos nos ensinamentos e podemos pagar por isso. A humildade é uma destas lições que as vezes não compreendemos bem mas que é sobremaneira essencial para nossa existência. Com certeza a humildade é lição que se aprende com exemplos inesperados...
Naquele natal finalmente ganhamos de presente uma bola de capotão. Era a bola oficial dos atletas profissionais e sonho de todos os meninos que gostavam do futebol. Uma câmara de ar que se enchia com uma bomba de pneu de bicicleta coberta com revestimento de couro com suas partes costuradas a mão.
Pronto! Era a bola oficial. Aquela utilizada nos grandes jogos futebolísticos e, portanto, desejo da molecada. Mas a bola era cara e papai, com 6 filhos, optava por brinquedos mais baratos e todo Natal deixávamos nossos sapatinhos embaixo da árvore de natal para no dia seguinte encontrar um revólver de espoleta ou um caminhãozinho. “Tudo bem” pensávamos, mas papai Noel devia ter esquecido mais uma vez de nosso pedido. A frustração acontecia mas logo passava pois o coração da criança não guarda mágoas e logo já estávamos brincando com o presentinho que havíamos ganho. Até que naquele Natal ganhamos a tão esperada e tão famosa bola de capotão! Alegria imensa pois esperávamos há muito aquele presente e nem suspeitávamos recebe-lo naquele ano até porque nem tínhamos ido muito bem na escola.
Pela manhã saímos à rua para brincar pois nosso campo de futebol era a calçada em frente de casa. Morávamos no centro, na principal avenida da cidade que acabara de ser asfaltada. Mamãe lá da cozinha já nos gritou: “cuidado, não chutem a bola na rua”. Os moleques da vizinhança vieram ver nossa bola de capotão e desfilamos orgulhosos com ela para causar mesmo inveja na garotada. Agora eles estavam ali nos bajulando e esperando serem chamados para disputar a pelada. Formamos os times que eram três para cada lado e deixamos de fora o Luizinho que era bem pobre e que trazia na mão uma bola de meia que servira tanto em nossos folguedos mas agora estava desdenhada por todos. Ela e seu dono.
O jogo começou e Jamilson, o mais forte de todos, deu um chute na bola de capotão que foi parar no meio da avenida. O goleiro partiu para busca-la mas, de repente, uma camionete em alta velocidade passou por cima dela e só ouvimos o estouro da câmara de ar e vimos a bola esmagada no chão. Desespero geral! Meu irmão já queria partir para cima do Jamilson e eu chorava copiosamente. Os meninos, atônitos, não sabiam o que fazer. Então Luizinho, que tinha ficado fora do jogo, humildemente propôs colocar sua bola de meia dentro do invólucro de couro que agora estava imprestável num canto da calçada. Assim fizemos e voltamos a ter a bola; embora não pulasse mais isto não importava pois o capotão estava ali para ser chutado. Evidentemente convidamos Luizinho para o jogo mas ele declinou porque para entrar Jamilson teria que sair e ele não queria fazer isto com o amigo. Continuamos então a partida que só parou quando fomos chamados para o almoço. Fomos então devolver a bola de meia para seu dono que não a aceitou dizendo que ela era muito mais útil dentro do capotão.
Hoje, recordando tantas coisas do passado vem à minha memória este episódio da minha infância que me ensinou o valor da humildade e do senso de fraternidade que devemos ter. Verdadeira lição de cidadania.
Soube a alguns dias que Luizinho morreu e ao rememorar esta história infantil sinto aqui no meu coração que ele está em um bom lugar!
(*) O autor é médico e colaborador do Tribuna Livre

Neste domingo comemoramos o dia dos pais. Como disse um amigo: “dia dos pais deveria ser todos os dias”. De fato; mas vamos nos ater a algumas reflexões sobre ser pai. Fugindo dos clichês considero que a tarefa da paternidade é extremamente difícil e exige dedicação, sacrifícios e coragem dos que se atrevem a realizar este ato. Por que entendo que ser pai não é apenas colocar um novo ser no mundo mas, fundamentalmente, acompanha-lo para o resto de sua existência. Lógico que nem sempre isto acontece e por isso fica mais evidente a extrema dificuldade desta tarefa.
Antigamente o conceito de pai era de provedor, ou seja, cabia a ele prover a sua família de todas as suas necessidades quer na alimentação, no vestuário, na saúde e assim por diante. À mãe cabia a educação dos filhos e a administração da casa. As mulheres não trabalhavam fora e assim, no recesso do lar, cuidavam destas atividades. O pai, salvo as exceções, eram bastante ausentes da convivência com os filhos que na maioria das vezes tinham verdadeiro receio deles. Lembro-me de uma mãe que, quando o pai chegava, orientava seus filhos a ficarem distantes e silenciosos para não atrapalhar “o chefe da casa”. Até a metade do século vinte esta era a realidade. Mas o tempo passou e a vida sofreu mudanças profundas. A mulher conquistou o seu espaço, começou a trabalhar fora de casa e a participar ativamente da sustentação do lar.
Com a chegada do contraceptivo a partir dos anos 50 conseguiu o controle da natalidade e passou progressivamente a ocupar espaços cada vez mais significativos na sociedade. Por outro lado as próprias prioridades da vida moderna exigiram que o homem deixasse cada vez mais a postura de provedor e chefe absoluto e se adaptasse a uma vida mais compartilhada e participativa junto a sua família. O patriarcalismo esmoreceu sobejamente e, neste século 21, em que a estrutura familiar se modificou em seu cerne a tendência é desaparecer.
O pai moderno é, portanto, totalmente diferente do pai de antigamente: participa ativamente do dia a dia da casa, aprendeu a cozinhar (e gosta muito de fazer isto), faz faxina, troca as fraldas do seu bebê, brinca com as crianças maiores e orienta os filhos nas suas escolhas de estudos e profissões que vão estruturar suas vidas futuras. Não empurram nem puxam seus filhos mas se colocam ao lado deles como amigos mais experientes para com eles conseguirem grandes avanços. Torcem e vibram muito com as conquistas de suas “crianças”! Sim, porque para o pai mesmo os filhos envelhecidos e cinquentões continuam sendo suas crianças. Vi pais chorando emocionados quando um filho entra numa faculdade e vibrando muito com cada uma de suas vitórias. É o pai mudou! Mais humano e carinhoso, mais amigo e mais sincero se tornou não mais o chefe absoluto mas sim o porto seguro da família, o conselheiro sábio e experiente que coloca luz no caminho de todos.
Este pai atual, amigo, companheiro, participativo, merece de todos nós o respeito, a admiração e o amor fraterno que é a maior recompensa que podem ter. E devemos enaltece-los para que todos possam seguir o caminho que eles trilham.
Então neste dia dos pais vamos reverenciar os pais do passado que, a seu modo, estruturaram suas famílias mas vamos homenagear os pais do presente pedindo a Deus, o Pai de todos nós cristãos, que os proteja, abençoe e guarde por que são absolutamente essenciais à nossas vidas!
(*) O autor é médico e membro da Academia Venceslauense de Letras

Neste ano o inverno chegou com tudo! Havia muitos anos que não víamos um frio assim. Recordo-me de 1996, mês de junho, final do mês, quando no casamento de meu filho tivemos uma noite de muito frio, na igreja as mulheres tremendo em seus vestidos de festa e nós, os homens, mesmo de terno, sentindo no corpo todo os rigores do inverno. Depois disto não me recordo de nenhum outro inverno tão intenso.
Há mais de sessenta anos atrás, quando eu era menino, as estações do ano eram bem divididas e delimitadas. Verão era verão com sol e muito calor, inverno era tempo frio, primavera estação das flores e outono preparando a chegada do frio. Mas isto foi há muitos anos. Nós, os humanos, fomos mudando tudo. A construção de barragens e hidrelétricas, o uso exagerado de combustíveis fósseis, o desmatamento desmesurado de nossas reservas florestais, as tentativas de nossa conquista do espaço, tudo isto contribuiu para que aos poucos a terra e seu clima fosse se modificando. Hoje temos o degelo do Ártico que faz aumentar o nível dos mares e, possivelmente, antes de terminar este século, teremos cidades a beira mar que vão desaparecer. O desmatamento abaixo da linha do equador nos traz calor e seca exagerados e a possibilidade de faltar água potável deixou de ser uma presunção e já é algo totalmente palpável. Nossas futuras gerações com certeza vão viver em um mundo totalmente diferente do que vivemos, legado terrível que estamos deixando aos nossos descendentes.
Mas vamos a este inverno que estamos vivenciando nestes dias. No sul do país neve e turistas se divertindo, em São Paulo mais de 20 óbitos de moradores de rua que faleceram, pasmem, por hipotermia e por todo o sudeste aumento dos problemas respiratórios nas crianças e nos idosos. Óbvio que existem muitos movimentos e campanhas de solidariedade para atender os mais necessitados porém precisamos sair do nosso conforto e assumir, como cidadãos, a responsabilidade que temos para com nossos semelhantes. Só assim o inverno será menos gelado e, com o calor de nossas atitudes fraternas, passará como uma estação do ano, como deve ser.
Então temos que notar que o inverno é essencial para a vida. Ele tem muito a nos ensinar. É no inverno que as sementes dormem e aguardam seu tempo de brotar e Deus prepara visivelmente o tempo das mutações nos ensinando a aceitar, a aguardar e a compartilhar nossas vidas. Inverno é o tempo do acolhimento, o tempo dos agasalhos, das sopas quentinhas, dos abraços apertados que aquecem a alma e aninham o corpo.
E em setembro, quando a primavera chegar, a vida vai explodir novamente em mil cores que se traduzem nos milhares de flores que enfeitarão nossas vidas. Inverno é espera e aceite por uma vida primaveril que preencherá nossos dias.
O livro de Gênesis nos mostra que Deus criou todas as coisas. Assim, criou as estações do ano. Por isso agradecemos ao Criador pelo inverno em nossas vidas que nos prepara para uma primavera florida e um verão cheio de luz em nossas existências.
(*) O autor é médico e membro da Academia Venceslauense de Letras

Ao ler no último mês o livro “Saideira” de Bárbara Gancia, escritora, jornalista e, durante muitos anos, articulista da Folha de São Paulo, constatei com espanto, emoção e profunda apreensão a tragédia que é o alcoolismo na humanidade. Para se ter uma ideia, cerca de 3 milhões de pessoas morrem por ano vítimas da dependência do álcool e no Brasil os acidentes de trabalho, a violência doméstica e os graves transtornos e colisões no trânsito se devem em sua maioria aos excessos na ingestão de bebidas alcoólicas. E, diferentemente de outras drogas, o álcool é vendido e consumido por quase todas as pessoas, ou seja, seu consumo é lícito.
Evidentemente a bebida alcoólica quando ingerida com parcimônia é agradável, estimula o congraçamento, traz alegrias, estreita amizades e serve para desanuviar os estresses de nossa luta diária, alivia nossas preocupações e recarrega nossas energias para continuarmos a viver.
No entanto é importante sabermos que a ingestão exige moderação e que em um determinado momento é preciso parar. Isto acontece com a grande maioria das pessoas. Mas existem aqueles que não conseguem parar e, pouco a pouco, vão ficando cada vez mais dependentes da droga com graves repercussões em seu organismo e, portanto, em sua saúde, com agravamento de problemas familiares e no trabalho e, na progressão, com desestruturação da vida que vai desde problemas com controle de salários e economias até cuidados com higiene e bem estar.
O início da dependência sempre, ou quase sempre, ocorre da mesma maneira. A pessoa começa a beber socialmente e, aos poucos, sem perceber, vai aumentando a necessidade da ingestão do álcool; compulsivamente começa a beber em horários diferentes do comum e, muitas vezes, passa a beber sozinha e cada vez mais. Quando questionada sempre afirma que tudo está sobre controle e que consegue parar a qualquer momento que desejar
(*) O autor é médico e membro da Academia Venceslauense de Letras

Vamos envelhecendo como é normal na vida e, evidentemente, as recordações do passado, boas e más, afloram e passam a fazer parte importante de nosso dia a dia. Lembramos dos folguedos da infância e adolescência e, entre as principais recordações, enchendo nossos corações de saudades, lembramos da casa de nossos avós. Ah! A casa dos avós! Ali tudo era bom e divertido. Tudo era permitido! Brincávamos pela casa toda e, no final do dia, a bagunça que deixávamos por todos os cantos demonstrava bem a algazarra que fazíamos. Os avós sempre carinhosos a tudo permitiam e, se vovó por algum motivo ficava zangada, corrigia mais tarde sua braveza com um belo pedaço de torta de banana que era supimpa! Crescemos e a luta pela vida nos foi afastando do convívio dos avós. A batalha para conquistar nosso espaço, o nosso trabalho, o casamento e os filhos fizeram com que quase esquecêssemos daquele tempo da infância.
Agora pensávamos em outras coisas. Queríamos ganhar muito dinheiro, comprar um belo apartamento, conhecer o mundo, conquistar fortuna e educar nossos filhos de acordo com o que achávamos correto. Nesta época nossos pais, que viraram avós de nossos filhos, foram por nós criticados pelo que faziam aos netos. Dizíamos: “estão estragando as crianças”, “mamãe não sirva torta para os pequenos”, “se vocês continuarem assim não vamos mais traze-los aqui”. E os nossos pais, com a sabedoria que o tempo e a vida proporciona, se mantinham calmos e calados conscientes de que só os avós podem viver o momento extraordinário da convivência com os netos.
Chegamos à senectude e, embora continuemos no trabalho e na luta diária, mudamos nossos conceitos e expectativas. Já não pensamos mais em fazer fortuna, não queremos mais competir com outras pessoas, compreendemos que temos mais falhas que acertos e, no ocaso da vida, concretamente percebemos que o mais importante é viver! Daqui só vamos levar a lembrança do que fizemos de bom e deixar como herança os exemplos de dignidade e trabalho que preencheram nossa existência. Os bens materiais que por ventura ficaram serão absorvidos pelos herdeiros e logo cairão no limbo do esquecimento por eles vivido.
Mas temos os netos nesta fase de nossas vidas! E isto vale muito a pena! Os netos são realmente o sangue de nosso sangue. Reconhecemos neles pedacinhos de nós, no olhar, no nariz, no temperamento... Aparecem em nossas vidas um belo dia pelas mãos de Deus, através dos filhos, e, longe de ser um estranho, é um filho que nos é devolvido e podemos amá-lo com toda a extravagância e permitir que faça tudo ao nosso redor. Com certeza a vida nos dá os netos para compensar todas as lutas e, principalmente, as perdas que tivemos ao chegar à velhice. Um amor tão profundo e verdadeiro, uma sensação de felicidade tão imensa que preenchem todo o vazio que possa existir em nosso coração. E quando vamos embalar aquele bebê e ele já adormecendo olha nosso rosto e diz: “Vovô ou Vovó” lágrimas da mais pura alegria brota de nossos olhos, de nosso ser!
Os netos são a continuidade de nossas vidas e por eles vale muito a pena viver!
(*) O autor é médico e membro da Academia Venceslauense de Letras

Comemoramos há alguns dias atrás o dia da revolução constitucionalista de 1932, feriado de 9 de Julho no estado de São Paulo, que é aproveitado pelos paulistas que sequer sabem porque motivo a data é festejada. Aliás, em termos de conhecimentos sobre nossa história, nós os brasileiros, não sabemos quase nada e falar sobre a guerra de canudos, sobre o tenentismo, sobre a guerra dos farrapos, sobre a inconfidência mineira é assunto para poucos, pouquíssimos!
Mas, apenas em rápidas pinceladas, a revolução constitucionalista de 1932 colocou frente a frente o estado de São Paulo contra o resto do Brasil quando os paulistas se uniram para exigir do governo provisório que nos dirigia a elaboração de uma constituição, lei magna de uma nação, que pudesse orientar nossos destinos. A guerra civil que durou cerca de alguns meses e ceifou a vida de mais de seiscentos paulistas e quase duas mil de seus oponentes impingiu uma derrota a São Paulo que capitulou diante das forças federativas mas trouxe no seu bojo a realização da constituição em 1934 que foi uma constituição com tintas democráticas, ou seja, perdemos a batalha mas ganhamos nossos objetivos. Também foi uma atitude de patriotismo que praticamente não se viu mais no País. Em quase todas as cidades de São Paulo encontramos praças com o nome de “9 de Julho”, avenidas chamadas “23 de Maio” e assim por diante, todas se referindo a esta revolução. Aqui em Presidente Venceslau a “Tenente Osvaldo Barbosa” no coração da cidade, contém um obelisco alusivo a esta guerra.
O fato desencadeador da revolução ocorreu no dia 23 de maio quando a população paulistana insuflada pelos políticos tentou invadir a sede do partido PRP e foi recebida a bala. Ali morreram Martins, Miragaia, Dráuzio e Camargo, ditos estudantes, um deles com 14 anos, e surgiu o MMDC usando as iniciais deste homens para a organização e insuflação da revolução. Pronto! O estopim da batalha foi aceso e em 9 de Julho foi declarada a guerra.
Durante 3 meses a população paulista demonstrou seu patriotismo e, de forma inusitada, lutou com destemor, mesmo em evidente desvantagem, contra as forças federativas. Vasto material sobre isto encontramos em centenas de livros e na própria internet e pode ser visto por todos os interessados. Os paulistas venderam caro sua derrota e São Paulo, que já era, graças ao café, o estado mais rico da nação se pontificou cada vez mais e hoje, para júbilo de nós paulistas, é a “locomotiva” do País.
Mas o que chama a atenção de quem busca nossa história é o patriotismo que vicejava no coração e nas atitudes dos brasileiros. Patriotismo que não vemos mais! Quando menino, na escola, antes de se iniciar as aulas, perfilados, cantávamos o Hino Nacional e, sempre de pé, aprendemos a saudar as bandeiras do País, de São Paulo e do Município, símbolos maiores de nosso chão abençoado. Aprendemos que uma nação só será totalmente liberta se seus filhos a colocarem acima de tudo abaixo apenas de Deus. Hoje, infelizmente, não vemos nos nossos jovens este sentimento de amor à sua terra: o hino não recebe sequer a atenção devida, ninguém respeita nossas bandeiras e nossa terra virou apenas um lugar comum, sem importância. Uma pena porque o patriotismo nos leva aos mais puros sentimentos de amor fraterno, une nossas vidas em grandes objetivos e nos faz um povo que luta, cresce e lega às futuras gerações as mais profundas convicções de liberdade e paz que são fundamentais para nossa existência.
(*) O autor é médico e membro da Academia Venceslauense de Letras

Não há dúvidas de que a Obstetrícia avançou muito nos últimos 30 anos. A Ultrassonografia obstétrica fez com que a qualidade da assistência Pre Natal avançasse bastante e diagnósticos precoces puderam minorar a incidência de patologias graves e portanto diminuir substancialmente a morbimortalidade materna e fetal. Assim, como exemplo, podemos citar a doença trofoblástica gestacional, mais conhecida como gravidez molar, que diagnosticada no início permite uma resolução rápida e definitiva. Novos procedimentos no seguimento pre natal, novos exames e novas condutas, que ocorrem atualmente, demonstram de forma cabal que progredimos muito nesta área da medicina.
Mas ainda não chegamos lá! E por incrível que pareça doenças que eram comuns no passado e que foram combatidas com êxito estão voltando a fazer parte do dia a dia do atendimento das gestantes. Cito, por exemplo, a sífilis que voltou a nos preocupar bastante nos últimos anos já que a doença tem transmissão vertical via placentária e a sífilis congênita é considerada grave para o recém nato. Também o papiloma vírus que traz na região vulvovaginal a presença de verrugas grassa hoje entre as gestantes; duas doenças de transmissão sexual que demonstram a falta de cuidados e a multiplicidade de parceiros do mundo moderno.
Como obstetra, portanto, não poderia deixar de enaltecer a atitude do Rotary, neste momento, de apoiar e divulgar junto à comunidade a importância da luta contra a Síndrome Alcoólica Fetal (SAF) que acontece com as gestantes que inadvertidamente ingerem bebida alcoólica durante a gravidez.
Há muito tempo ouvimos falar das ações nocivas que o álcool determina na gestação, no entanto, consumir álcool é muito comum em grande parcela das gestantes modernas. A Síndrome Alcoólica Fetal é um conjunto de alterações que ocorrem no feto durante sua formação intra útero que determinam defeitos na face, baixo peso ao nascer, alterações no desenvolvimento psicomotor, dificuldades de socialização, distúrbios comportamentais e atraso no desenvolvimento cognitivo entre outros. O pior é que uma vez instalada a Síndrome não tem cura e o que se pode fazer é procurar mitigar alguns dos sintomas decorrentes da patologia. Mais do que isto: não importa a quantidade de álcool que a gestante beba, ou seja, a tolerância é zero para qualquer quantidade ingerida.
Em 2014 lei municipal estabelecia que deveriam ser afixados em locais que vendem bebida alcoólica cartazes informativos sobre a Síndrome Alcoólica Fetal e suas consequências, iniciativa do Rotary a exemplo do que ocorria em outras cidades do interior de São Paulo.
Tenho uma ligação de admiração, gratidão e respeito para com o Rotary de nossa cidade! Meu pai foi rotariano durante muitos anos, quero crer, bom rotariano, porque adorava o seu clube. Mais do que isto, o Rotary é o grande e total responsável pela instalação da Associação Venceslauense de Combate ao Câncer, pela construção do espaço físico do setor de pediatria de nossa Santa Casa sob a liderança do doutor Regis Jorge, da instalação, na área da cultura, do conservatório musical municipal e tantos outros feitos que enumerá-los corre-se o risco de faltar com algum. A grandeza deste clube de serviço está indelevelmente marcada nos anais de nossa história.
Agora, mais uma vez, assistimos a outra atividade de fundamental importância para a comunidade e para nosso cidadão do futuro. O Rotary se faz presente promovendo a campanha de divulgação e conscientização da Síndrome Alcoólica Fetal em nosso meio. Vamos juntos nos associar a esta meritória atitude. Ao Rotary as nossas homenagens.
(*) O autor é médico e membro da Academia Venceslauense de Letras

Neste mês de Junho li dois livros que valeram muito a pena. Participo do clube de leitura da Academia Venceslauense de Letras grupo que congrega pessoas que fazem da leitura um hábito de suas vidas. O primeiro livro foi indicado pelo acadêmico doutor Aldir Soriano, um intelectual com magnifico trabalho sobre religiosidade, poliglota, advogado, palestrante e um dos fundadores de nossa Academia. Aldir indicou o livro “No Fundo do Oceano os Animais Invisíveis” da escritora, editora e professora de escrita Anita Deak nascida em Belo Horizonte em 1983 e finalista do prêmio Sesc de literatura em 2014 com o livro “Mate-me quando quiser”. Com linguagem contemporânea e envolvente a autora nos mostra com incrível realidade um momento importante da história recente de nosso país que foi a ditadura militar com os acontecimentos que marcaram aquela época como a luta em prol de uma democracia, o envolvimento de intelectuais, estudantes, jornalistas, religiosos nos movimentos populares, as prisões, as torturas e a morte de muitos brasileiros, alguns inocentes e sonhadores, que só queriam a liberdade, o fim da censura, a possibilidade de escolher livremente os seus governantes, enfim , a conquista do país com justiça social que buscamos até os dias de hoje. O protagonista Pedro Naves oriundo de família humilde tem a esperança de dias melhores e acaba se envolvendo com a guerrilha urbana e, finalmente, com a guerrilha do Araguaia extremamente bem delineada por Anita.
A escritora narra sua estória através de uma construção densa, complexa e busca integrar o humano à natureza e o sonho à realidade. Um excelente livro.
Indicado pela professora Tereza Amorim, docente de nossa faculdade, o livro “Torto Arado” de Itamar Vieira Junior, considerado talvez o melhor livro do ano, nos conta a saga de uma família de camponeses escravizados pelos proprietários de grandes latifúndios no interior de nosso país, escravidão que veio desde a época da escravatura e que, em alguns rincões, permanecem até os dias de hoje. Através das irmãs Belonisia e Bibiana Itamar nos envolve na luta dos negros, dos quilombolas, das chagas trazidas pela fome, pelo alcoolismo e pelo abandono que perpetuam a existência de milhares de brasileiros em situação de terrível e vergonhosa miséria. Um país com uma das maiores populações de negros do mundo (só perde para a Nigéria) com um racismo estrutural tão profundo que exige ações radicais e definitivas para nos transformar na nação que queremos ter e que possa nos orgulhar. O sincretismo religioso da África também se faz presente e nos mostra como a fé importa muito para nos dar força, coragem e resistência. O livro nos envolve de tal maneira que não conseguimos parar de lê-lo e nos dá tantas lições de vida que ao termina-lo sentimos que, sim, precisamos mudar. Magnífico.
Somos muito pobres no que diz respeito à leitura. A imensa maioria dos brasileiros sequer lê um livro por ano. Assim permanecemos alienados com relação às vicissitudes e lutas de nossa gente. Cabe àqueles que tem a visão da importância do livro a ação de disseminá-los pois “quem semeia livros faz o povo pensar e desta forma muda o país”.
A Academia Venceslauense de Letras se encontra com este mister. Já publicou sua segunda coletânea com escritores de Venceslau e da região e está com as portas abertas a todos que queiram participar. Você é nosso convidado.
(*) O autor é médico e membro da Academia Venceslauense de Letras

O isolamento social imposto pela pandemia do covid 19 me fez hoje, ao olhar para o calendário e ver que estamos em pleno mês de junho, no início do inverno, lembrar do passado e das festas juninas que ocorriam neste período. E que festas! No dia 13, dia de Santo Antônio, o santo casamenteiro, as mocinhas casadoiras faziam suas promessas, suas orações e suas “simpatias” para que o bom santo as atendesse e arrumasse um excelente marido que fosse trabalhador, bom pai e companheiro perfeito; não pelo casamento mas minha mãezinha era devota de Santo Antônio e apelava em suas orações para sua ajuda e sua benção. Tenho meu irmão que recebeu o apelido de Toninho por causa desta devoção. No dia 24 homenageávamos São João, dia das grandes fogueiras e no dia 29 era a vez de enaltecer São Pedro que tem as chaves do céu. Era um tempo muito simples e a fraternidade se fazia presente em todos os lares, em todos os corações.
Quando pequenino via papai chegar em casa com os fogos de artifício: fósforos de cor, chuvas de estrelas, rojões que no espaço se transformavam em cascatas de luzes. Nos quintais vizinhos o ruído das pessoas e as fogueiras embalavam as noites que na época eram bem frias. Mamãe preparava milho cozido, pipoca e batata doce e os amigos se aproximavam alegres e sorridentes para o congraçamento. Maiores um pouquinho chegamos à época das bombinhas e dos “busca pés” para assustar as meninas e em volta das fogueiras a sanfona embalava as festa com as músicas juninas: “São João, São João acende a fogueira em meu coração”!
Era a época das quermesses. Ah! As quermesses! Vestidos de “caipiras”, as meninas com vestidos de chita, íamos todos, os velhos e os jovens, para a festa que normalmente era promovida pela paróquia. Frango assado, leitoa, bolo de milho, pé de moleque, leilão para ajudar as missões, tudo valia a pena! Jovens, era o momento do “correio elegante” que através de uma atendente ou mesmo de uma pessoa amiga enviávamos para aquela que era a dona de nossa atenção as vezes anonimamente e as vezes nos identificando principalmente se já ocorria um flerte. E mandávamos prender na “cadeia” as moças bonitas para depois termos o prazer de pagar uns trocados para libertá-las. Opa! Vai começar a quadrilha! O acordeão já emite os primeiros sons e o condutor já forma os casais para o início da dança. E é uma grande festa! Os dançarinos formam fila indiana, vão e vem de mãos dadas, passam por baixo de braços estendidos e seguem as ordens do condutor com enorme alarido. A noite segue tranquila e amena e cada um traz no coração a alegria de se viver em comunidade. O vinho quente está presente na festa mas o grande protagonista é o “quentão” feito com pinga, cravo, canela e gengibre. Quente, combate o frio e aquece os corações...
O tempo passou e hoje quase não vemos mais estas festas. Os jovens do “pancadão” e das baladas não se interessam mais pela “quadrilha” e o correio elegante foi substituído pelo “Instagram” e pelo” waths”, os idosos preferem ficar em casa na televisão de alta resolução e a solidão, mesmo sem pandemia, parece ser a tônica de nossas vidas. Não há mais fogos de artificio, nem fogueiras, nem balões no céu. As meninas não precisam mais de Santo Antônio e o quentão foi trocado pela vodca e pelo narguilé. Resta a saudade de um tempo em que os valores da família eram cultivados por todos e a fraternidade era lugar comum. Em homenagem a este tempo vou fazer um quentão. Servido?
(*) O autor é médico e membro da Academia Venceslauense de Letras

Neste período em que celebramos o dia dos namorados nada mais oportuno do que falar da paixão e do amor. Sim, porque apaixonados todos nós fomos ou estamos e amor todos sentimos ou pensamos sentir. Paixão e amor são essenciais à nossa vida e sem eles nada vale a pena!
No entanto existem enormes diferenças entre estes dois sentimentos embora possam se mesclar ou um, no caso a paixão, desaguar no outro. A paixão é transitória e perigosa...Ela muitas das vezes nos faz perder o juízo e nos leva a enormes desatinos. Já vimos casos em que a paixão provoca loucuras como, por exemplo, a pessoa deixar o seu trabalho por estar apaixonada por alguém, a menina fugir de casa para viver a sua paixão. Tenho um amigo que me contou que, apaixonado pela garota, passava as noites acordado diante da casa da moça apenas para vê-la e não conseguia fazer mais nada. A paixão depende de um estímulo externo, ou seja, ela é de fora para dentro: é a beleza da mulher ou sua voz ou sua postura que nos faz apaixonar e por certo não vai durar para sempre...Os apaixonados perdem a noção do tempo e da realidade e desenvolvem um sentimento possessivo que acaba neutralizando tudo. Quando ela vai embora, quando vai, o despertar para a realidade nos deixa com enorme sensação de ridículo. Às vezes, no entanto, com o passar do tempo ela evolui para o amor!
Ah! O amor! Diferente da paixão o amor é duradouro, às vezes, eterno... Não, não é possessivo! Quem ama está sempre pronto a demonstrar para o ser amado o seu carinho, a sua atenção a sua dedicação! Quem ama nada exige, está sempre disposto ao perdão e compreende sempre os pequenos deslizes do outro. Enaltece a vida do ente querido e quer sempre fazer com que ele se realize até nas pequenas coisas, que seja feliz e que a vida lhe seja cada vez mais perfeita. Sentimento que vem de dentro para fora, que nasce na pureza da alma o amor não pede trocas e sempre se renova até nos mínimos detalhes. É como o amor da mãe pelo seu filho que nunca esmorece mesmo que ele não o mereça mais; é um amor tão profundo que, eu diria, é além da vida!
Engraçado que, com muita frequência, a paixão, desenfreada, maluca, inconsequente, evolui com o passar do tempo, com o amadurecimento, para o verdadeiro amor onde o respeito, o sentimento de amizade, o carinho e a cumplicidade escrevem a mais linda história de nossas vidas!
No dia dos namorados vi um casal de velhinhos, de mãos dadas, passeando pela praça. Ela já claudicante se escorando no braço forte do amado e ele, todo ternura, lhe mostrando os passarinhos nas árvores e as flores do jardim. Ao conversar com eles fiquei sabendo que há 60 anos estão casados e que ela sofre de Alzheimer e não o reconhece mais. Mas isto não importa, ele sabe que ela é a sua amada e isto para ele é o bastante! Eu acredito no amor e sei que ele pode e é eterno!
(*) O autor é médico e membro da Academia Venceslauense de Letras

Desde a infância eu já gostava daquele pretinho! Logo pela manhã sentia o cheirinho que emanava da cozinha! Sim, ele ficava perto da vó ao lado do fogão, e eu corria para vê-lo, mas a velha ralhava: “chispa daqui moleque, borralho é lugar de gato não de criança”. Ah, Velha danada!
Na escola ficamos amigos, verdadeiros companheiros, e toda hora estávamos juntos. Na faculdade ajudou-me nos estudos: passava a noite ao meu lado me dando ânimo, incentivando e aclarando minha memória; quando o sono pegava lá pela madrugada ele me acordava com aquele perfume, e pronto, novamente recomeçávamos a caminhada estudantil. Quando formei em medicina recordo que entre os agradecimentos mais sinceros, a Deus, à família, aos amigos, aos livros, aos pacientes não faltou gratidão a ele por ter dado a mim condições de chegar àquele momento tão importante. Achei que o diploma seria nossa despedida, e pensei em dizer adeus ao companheiro.
Ledo engano! Nas madrugadas de plantão ele aparecia para dar apoio com aquele calor incondicional, com doçura e perfume! Mesmo nos momentos de dúvida sobre condutas e decisões a tomar, lá estava ele, e de forma simples aclarava meu raciocínio e fazia com que eu acertasse diagnóstico e tratamento.
Um dia alguns amigos me disseram que ele era colombiano, ou como alguns outros, que ele tinha descendência árabe. Todavia, cá para nós, sempre o considerei nascido e criado nas terras rochas do norte do Paraná, ali por Jacarezinho e Andirá. Talvez, pudesse também ter nascido nos altiplanos mineiros, mas nunca no estrangeiro, nunca arábico! A origem, na verdade, não me importa muito. Brasileiro ou estrangeiro o fato é que ele tem sido amigo inseparável. Até encontrei-o por acaso em um bar de Portugal; estava esquisito, frio e distante demais para meu gosto.
Contudo, compreendi. Isto acontece.
Agora, na velhice, estreitamos ainda mais nosso companheirismo. Ele não me larga. Sentado no alpendre, lendo meus livros, escrevendo minhas bobagens, vendo o sol se esconder por trás dos prédios, cochilando, sinto o aroma e sua presença ali colado em mim.
E fico feliz com isto! Então coloco mais açúcar e tomo o meu café! Servido?
(*) O autor é médico em membro da Academia Venceslauense de Letras
Coluna
Tácito Cortes de Carvalho e Silva
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