
Carisma é uma habilidade inata de alguns seres humanos de conseguir encantar, persuadir, fascinar ou seduzir um outro indivíduo, através da forma de ser e agir. Dito isto ...
O ano era 1997 e eu Professora de Literatura em uma escola particular na qual desenvolvíamos um Projeto que tinha como objetivo proporcionar aos alunos do Ensino Médio experiências extramuros. Assim os alunos eram levados a assistir julgamentos nos Fóruns da região, viajar para Feiras do Vestibular, Exposições e Espetáculos em São Paulo e programas de televisão.
Eram momentos em que podíamos conhecer melhor nossos alunos, vê-los sob um prisma diferente: como se fôssemos uma grande família, professores e alunos convivendo amigavelmente, trocando cortesias e cuidados. Ficávamos nós, professores e professoras totalmente envolvidos com um grupo relativamente numeroso de alunos, um ônibus lotado, e os cuidados e o carinho eram recíprocos. Nas várias viagens que fizemos nunca houve nada que os desabonasse, nenhum comportamento menos louvável; o que havia, na verdade era companheirismo, solidariedade e compreensão admiráveis. Nossos alunos mostravam-se gratos e solidários durante a viagem e atividades.
O retorno para a escola se dava em um clima de muita amizade entre os alunos e professores; até os mais difíceis se transformavam. Voltavam melhores. Viajar com os alunos sempre foi muito educativo.
Uma dessas viagens a São Paulo ficou por longos meses sendo assunto nos intervalos, nas salas de aula e até nas baladas. Iríamos assistir ao Programa do Jô, já então na Rede Globo, em São Paulo.
A viagem de ônibus transcorreu normal: cantoria, brincadeiras, piadinhas, muita gozação principalmente com os mais tímidos; era quase impossível dormir, logo rolava maquiagem, pasta de dente e fotos indiscretas. Brincadeiras saudáveis que só paravam quando vencidos pelo sono.
Essa viagem tinha um charme especial; todos eram admiradores convictos de Jô Soares, devido à indiscutível cultura, inteligência e talento. Em um momento de expressivo sucesso, não era fácil conseguir agendar uma ida ao programa. Só conseguimos com a ajuda de Elaine Mickely, querida atriz venceslauense, na época contratada pela Globo. E lá fomos nós para a Globo, assim que chegamos a São Paulo; ao verem o símbolo da poderosa em uma enorme parede, a euforia tomou conta de todos.
Seguidos os protocolos, adentramos o prédio. Tomar lanche na lanchonete da Globo foi muito apreciado pelos alunos, que torciam para que algum ator ou atriz aparecesse por ali.
Dado o horário, seguimos para o auditório onde seria gravado o programa. Todos se acomodaram e aguardamos. Havia no estúdio um burburinho típico de adolescentes: cumprimentos, beijinhos, abraços, muita alegria, amizades sendo iniciadas (não havia celular!) e muita ansiedade pelo início da gravação.
Passado algum tempo, um rapaz da equipe cumprimentou os presentes e pediu que todos se sentissem à vontade, sem preocupação com manifestações de carinho ou apoio ao apresentador, durante as entrevistas, porque o Jô apreciaria essas manifestações. Acredito que a equipe percebia a tensão da plateia por conta da excelência do artista.
Em alguns minutos, anunciou-se a entrada do Jô no recinto. Demoramos a localizá-lo, pois ele entrara pelo fundo. O som da plateia quando um a um começamos a vê-lo, eu não saberia descrever, mas houve uma comoção, algo que percorreu o espaço. Quando pudemos vê-lo melhor, descendo pelo corredor, não apenas eu, mas os outros professores e muitos alunos, sentimos algo difícil de descrever: um frisson, uma energia, uma euforia, algo muito forte e inominável. Vê-lo entrevistar os convidados, in loco, foi muito agradável. Após o programa, conversando sobre a sensação sentida por muitos, deduzimos sem dúvidas: o que sentimos foi a força do carisma de Jô Soares.
Agora, tanto tempo depois, Jô nos deixou. Sua inteligência e talento embasam nossa admiração e nos fazem sentir tristes como se perdêramos alguém da família! Tão talentoso e tão produtivo que vale considerar a afirmação de Matinas Suzuki: “Jô Soares teve uma vida maior que a vida”.
“Jô só pensava em repartir o som da alegria. Era a maneira dele de homenagear o mundo e tornar a vida das pessoas mais feliz.”
(Matinas Suzuki, biógrafo de Jô Soares)
(*) Aldora Maia Veríssimo - AVL

Ocupo este espaço, semanalmente, desde o ano de 2016. Minha proposta inicial seria compartilhar com os prováveis leitores meus pontos de vista sobre acontecimentos do dia a dia, fatos da minha vida e preferencialmente amenidades.
É difícil ter assunto toda semana, então resolvi, hoje, escrever sobre a falta de assunto. Sobre o que escrever?
Se eu escrever sobre meus netos, muitos torcerão o nariz. De novo? Se escrever sobre política, serei execrada por, no mínimo dois segmentos da sociedade: a esquerda e a direita. Dois pontos de vista diametralmente opostos e com pouquíssima ou nenhuma possibilidade de, realmente, pensarem no bem do Brasil.
Escrever sobre religião, melhor não. Minha fé na Santíssima Trindade: Pai, Filho e Espírito Santo, em Maria, nossa mãe imaculada e intercessora de nossos pedidos, é inabalável, mas, certamente haverá alguém que não apreciará.
Meio ambiente é um assunto importante, mas não concordo com as “verdades” que a mídia, principalmente falada/televisiva, veicula sobre desmatamentos na Amazônia e exploração das riquezas do subsolo por estrangeiros e nativos. Questões de saneamento básico vejo como eleitoreiras, de tempos em tempos viram pauta, mas, na verdade, ninguém as encara com a seriedade necessária.
Redes sociais, ah! sobre isso há muito o que escrever, mas, ultimamente essa ferramenta de aproximação entre as pessoas tem sido usada de uma forma absurdamente irresponsável que provoca mais sofrimento do que lazer e informações aos usuários. E diga-se de passagem, é um espaço privilegiado de pessoas desprovidas de humanização e bons princípios que não se importam em ferir, seja quem for. É preciso admitir, também há coisas boas e aproveitáveis nas redes.
Jovens e crianças deste tempo! Também não posso escrever sobre, porque não concordo com as alegadas razões da falta de educação e de modos dessa turminha. Entendo que nós adultos é que somos os culpados desse desvario comportamental; isso contraria a opinião de vários estudiosos do assunto. Né?
Qualidade da educação no Brasil? Hum, melhor não tocar nesse vespeiro. É delicado opinar sobre algo que conhecemos frente e verso, palco e bastidores, intenção e realização, planejamento e atitudes, teorias e práticas. Na prática, a teoria é outra!
Feminicídio. Violência contra a mulher. Namorados, maridos e companheiros que não aceitam separar-se de suas companheiras e acreditam que a violência resolve tudo. Aceitam agredir psicologicamente, dizendo palavras cruéis, ofendendo a moral de suas mulheres, aceitam agredi-las fisicamente com socos, tapas e pontapés, quando não, tiram-lhes a vida. Mas não aceitam a separação. Escrever sobre esse assunto me revolta, me faz sangrar como se também agredida; entendo que é um problema de identificação de gênero, onde os homens, em pleno século XXI, agem como coronéis do século XIX, vendo a mulher como objeto possuído, submisso e sem valor algum. O “amor” que dizem sentir, há muito transformou-se em desrespeito, desvalorização, possessividade, falta de inteligência e animalização.
Música, ah, já escrevi sobre e conteúdos não faltam. O problema é que as letras se vulgarizam cada vez mais. Fica difícil até exemplificar sem cair na imoralidade. Para algumas artistas, a letra, a melodia e a voz são menosprezadas em favor do corpo, mais especificamente, em favor das nádegas.
Restam-me poucas alternativas de assunto? Talvez minha idade e personalidade façam-me ser tão excludente, exigente ou diferente na forma de ver e avaliar a vida. Mas também sei ser compreensiva ao aceitar que o mundo evolui; pensar e aceitar diferentes pontos de vista é saudável e enriquecedor.
“Onde dialogam pessoas sábias, opiniões diferentes não geram conflitos, geram novas ideias.” (Autor anônimo)
(*) Aldora Maia Veríssimo - Presidente da AVL.

Não há muito tempo, o Dia dos Avós, em 26 de julho, foi inserido no calendário de comemorações das famílias, escolas e comércio.
A princípio, visto como Dia da Vovó, em dado momento estendeu-se aos avós, (vovô e vovó) pois a data foi criada para homenagear Santa Ana e São Joaquim, avós maternos de Jesus Cristo. E assim, criada uma data para comemorar, basta então que a sociedade se organize para efetivá-la proporcionando momentos prazerosos a todos os segmentos envolvidos: é possível falar de afeto, é possível alavancar valores familiares, é possível às escolas trabalharem transversalmente a data e comemorá-la exemplarmente, é possível até se ganhar dinheiro com a famigerada lembrancinha para os queridos avós.
Mas, merecem os avós uma data especial para ser comemorada? Afinal, quem são os avós além de serem pais dos pais das crianças? Idosos, provavelmente sem sincronia com o momento histórico; velhinhos cujo vigor físico já não correspondem aos anseios da mente e do corpo. Alguém que já viveu variadas experiências e que portanto, pode ter perdido o entusiasmo pela vida?
No entanto, uma simples olhada nas redes sociais e encontraremos inúmeras definições e elogios a estes senhores e senhorinhas dando a entender que são peças importantes no tabuleiro da vida. Não há um neto que não se refira a seus avós com carinho, são muitos os netos que preferem viver com os avós dadas as regalias sempre envolvidas em muito amor e compreensão.
Diz-se que ser avó é ser mãe com açúcar. Que ter netos é voltar à infância num trem de primeira classe. Que avós são como mães em dose dupla, em tempo integral, agora já sem os rigores do horário de trabalho ou de refeições, sem preocupações exageradas com a saúde, porque entende que “um joelho ralado dói bem menos que a falta de afeto”.
Como avó que sou, ouso dizer que amamos em demasia, que perdoamos infinitamente, que mimamos sem limites, mas também que nossa experiência de vida nos respalda e direciona para o bem, nossos erros e acertos enquanto mães nos credenciam a uma visão normalmente acertada na condução de nossos netos. Nossos conselhos agregam, sinalizam, orientam e protegem os frutos dos nossos frutos. Já li em algum lugar, que em nossos netos amamos também os nossos filhos.
E o que dizer dos avós que são arrimo de famílias, assumem a criação de seus netos, inclusive financeiramente e ocupam o lugar dos pais que por alguma vicissitude estão impedidos?
Na verdade, seja qual for a situação familiar, a chegada de um neto ou neta, transforma a vida dos então avós. Vemos a vida reiniciando, revivemos os tempos de nossos filhos pequenos, nos alegramos ao “prever” e conhecer a priori as diversas fases desse novo rebento. E como nos alegramos ao perceber que esses pequenos seres se nos aparentam significativamente mais inteligentes, sagazes e entendedores da dinâmica da vida. Com eles voltamos a ser crianças. Com eles jogo bola, dominó, quebra cabeças, fazemos pintura moderna, brincamos na areia dos parquinhos, lemos muito, pesquisamos no computador, fazemos experiências de ciências e desenvolvemos o amor à Pátria cantando, junto às bandas marciais, os hinos das três forças armadas brasileiras: Marinha, Aeronáutica e Exército (MAE) e o Hino Nacional.
É impagável observar os olhos brilhando e atentos enquanto ouvem uma pequena história (verídica!) contada pelo vovô ou pela vovó! Nunca ouvi dizer que amor demais faz mal, então, o meu dia dos avós é todos os dias que divido com meus netos. Eles são meu maior presente, aliás, eles são o meu presente, triplicado (e não dividido) entre o Daniel, o Bruno e o Theo!
“Os avós seguram as nossas mãozinhas por um instante, mas os nossos corações para sempre.”
(*) Aldora Maia Veríssimo - Presidente da AVL

No princípio, Deus criou os céus e a terra. (...) Deus disse: - Faça-se... e tudo foi feito. (Gênesis 1:1 e 3)
No princípio era o Verbo, e o Verbo estava com Deus, e o Verbo era Deus. (João 1:1)
Na epígrafe, sinaliza-se a importância das palavras. Sou professora de Língua Portuguesa - um código com regras e normas - e também professora de Literatura - a arte da palavra. Por isso incomodam-me muito as formas de comunicação utilizadas atualmente. Ouço, leio, entendo e abomino. Jogo de palavras, trocadilhos infames, construções de frases que ao invés de esclarecerem apenas iludem. Perverteu-se o objetivo da comunicação: não é mais para informar e sim para enredar, complicar e enganar.
É senso comum, todo ser humano se diferencia dos animais ditos irracionais pela linguagem. Normalmente usamos palavras para nos comunicarmos, falando ou escrevendo. Com o acesso às redes sociais e TV aberta, a comunicação falada ou escrita cresceu muito, em volume, mas não em qualidade ou objetividade.
Os especialistas afirmam que qualquer texto falado ou escrito origina-se de um indivíduo, com personalidade, conceitos e crenças, inserido em um espaço social que quando se manifesta expressa o que pensa, o que entende ou o que acredita entender e tem sempre um propósito a alcançar.
Atentando para os comentários nas redes sociais é assombroso ver como todas as pessoas se acham conhecedoras de todos os temas, de todos os assuntos. Opinam, elogiam e debatem sobre qualquer assunto. Escarnecem, ofendem e ironizam qualquer afirmação, levando o emissor a emoções desagradáveis e/ou sofrimento.
Quem nunca expôs um simples comentário no facebook, assunto sem importância, escreveu sem malícia ou sem premeditação? De repente, a postagem é lida por alguém ferido pela vida ou com a alma envenenada pela inveja ou pela maldade e imediatamente o assunto se torna o gatilho para ofensas, para ironias agudas, suscita bastidores, expressa causas, relações absurdas, enfim, forma-se um emaranhado de ideias e palavras que se coordenam e se reorganizam, assumindo um caráter de maldade que fere e leva o primeiro emissor ao arrependimento e sem condições de esclarecer a ideia inicial. E os seres humanos evoluem para a barbárie com base na comunicação.
Basta acompanhar as legendas das postagens, sejam quais forem, e, sem esforço, percebemos o jogo de palavras que se tece para enredar o leitor na maldade ou na mentira. Inúmeras são as legendas que evidenciam uma informação e ao lermos o texto percebemos a controvérsia e a manipulação dos fatos narrados.
Um amigo querido, certa vez me disse: “Pior que uma mentira, é uma meia verdade!” Comprovei isso em vários momentos da minha vida profissional e esse dito é perceptível na comunicação atual. O que se diz ou se escreve tem um elemento de verdade mas complementos de falsidade graves. Uma afirmação que lemos hoje na internet ou em um jornal impresso, amanhã assume outra característica, outro desdobramento não pelo decurso natural dos fatos, antes por desejos inconfessáveis da fonte. Um mesmo fato veiculado de diferentes formas, com diferentes palavras e diferentes destaques levando os leitores e ouvintes mais ingênuos ao entendimento pretendido por quem veicula a informação. O jornalismo se afasta de seu objetivo primordial que é informar e tece comentários e justificativas que não cabem ao jornalista, claramente direcionando o entendimento da maioria que se acostumou ao longo dos tempos a acreditar “se deu no rádio ou na televisão, então é verdade”. Santa ingenuidade!
E seguimos nós, um país de alto índice de analfabetos ou analfabetos funcionais à mercê dos interesses escusos e das falsas legalidades forjadas para controlar e se tornar crível apesar dos lamentáveis e execráveis interesses.
E assim a palavra que serviria para promover o entendimento, a paz e o amor, na verdade é manipulada, distorcida vilipendiada e passa a promover o caos, a discórdia, o desassossego, a insegurança, a infelicidade.
“As palavras têm a leveza do vento e a força da tempestade”. (Victor Hugo)
(*) Aldora Maia Veríssimo - Presidente da AVL

“Grande Sertão: Veredas” é um romance modernista da 3ª fase, escrito por João Guimarães Rosa, em 1956. É um dos mais importantes livros da literatura brasileira e integra a lista dos cem melhores livros de todos os tempos.
Extremamente erudito, Rosa incorporou em sua obra aspectos de diferentes culturas. Segundo Alexei Bueno, é uma das três epopeias da língua portuguesa, somando-se a “Os Lusíadas”, de Camões e “Os Sertões”, de Euclides da Cunha.
A obra se passa no sertão brasileiro, em parte dos estados da Bahia e de Minas Gerais. Alguns lugares citados são reais, mas boa parte é fruto da imaginação do autor. Para a construção da obra foram realizadas duas viagens: em 1945, vai ao interior de Minas Gerais rever as paisagens de sua infância, e em 1952, acompanha a condução de uma boiada pelo sertão mineiro.
A narrativa não é linear, mas pode-se depreender dela a história de Riobaldo em um discurso de autoconhecimento; revelando o sertão, revela-se a si próprio, como se dissesse “o sertão sou eu” reiterado em “O sertão está dentro de nós”.
Utilizando-se amiúde do fluxo da memória, o narrador retoma sua vida e narra as grandes lutas dos bandos de jagunços, descreve as características de diversos personagens (Joca Ramiro, Hermógenes, Zé Bebelo, Ricardão...) e revela códigos de honra do sertão, confrontando as forças do bem e do mal, os pactos com o Demo, a existência de Deus e do Diabo. Conhecendo o bando de jagunços de Joca Ramiro, através de seu padrinho, Riobaldo percebe que seu lugar é junto aos jagunços.
Seguem-se batalhas e desavenças entre os vários bandos que cortam os sertões, demonstrações de valentia, solidariedade, crueldade e até justiça. O amor permeia esse universo na figura das mulheres da vida, que não negavam aos jagunços a beleza e o prazer de seus corpos.
Nessas idas e vindas, Riobaldo reencontra Reinaldo/Diadorim, um personagem que conheceu na infância. Percebe que existe entre eles uma relação diferente da que podia haver entre jagunços. Diadorim representa a dubiedade: o masculino e o feminino, o celeste e o demoníaco, a certeza e a dúvida. Diadorim era sério, “não se fornecia com mulher nenhuma”. Destemido, calado, de feições finas e delicadas, impressionava Riobaldo e exercia sobre ele grande fascínio: em vários momentos, o jagunço entende que o ama, embora não visse lógica nesse sentimento.
Os sucessivos confrontos entre os bandos que simbolizavam o bem X mal, alternâncias de comando, o julgamento de Zé Bebelo, comando nas mãos de Riobaldo, morre Joca Ramiro. O sofrimento de Diadorim sinaliza algum vínculo sanguíneo entre o doce jagunço e o respeitado chefe Joca Ramiro.
Comandando o bando, Riobaldo, tenta pactuar com o Demo, em uma encruzilhada, em noite escura. Diadorim que tinha como objetivo vingar a morte do pai, em sangrento duelo, mata Hermógenes, mas é ferido mortalmente. Morrendo Diadorim, ao ser preparado para o enterro, descobre-se ser uma mulher. O sofrimento de Riobaldo é indescritível.
Após o trágico fim de Diadorim, Riobaldo desiste da vida de jagunço e adota um comportamento regrado, orientado pelo seu compadre Quelemém. Casa-se com Otacília e recebe duas fazendas de herança, assumindo, assim, a condição almejada de “homem definitivo”.
O lançamento de “Grande Sertão: Veredas”, impactou o cenário literário brasileiro. O sucesso do livro, traduzido para diversas línguas, foi devido, especialmente, às inovações formais. Tornou-se um sucesso comercial, recebendo vários prêmios.
Além da técnica e da linguagem surpreendentes, deve-se destacar a aguda análise dos conflitos humanos universais contextualizados propositalmente em um ambiente regionalista. A linguagem inovadora que mistura regionalismos, neologismos e arcaísmos singularizam uma obra de alcance mundial, afinal ‘O sertão é o mundo’. O sertão é “onde o pensamento da gente se forma mais forte que o poder do lugar”.
A aridez sertaneja, enfatizada sobretudo pela linguagem visceralmente regionalista, contrasta com a dimensão universal da narrativa de Riobaldo. Homem e mundo, realidade e devaneio, mundano e divino, são aspectos de um mesmo conflito, exaustivamente contemplado pela literatura universal, evidenciando-se sutil intertextualidade.
O Mestre Antonio Candido defende que “na extraordinária obra-prima “Grande Sertão: Veredas” há de tudo para quem souber ler, e nela tudo é forte, belo, impecavelmente realizado. Cada um poderá abordá-la a seu gosto, conforme o seu ofício”.
(*) Aldora Maia Veríssimo - Presidente da AVL
Sábado, dia 25 de junho, foi uma tarde festiva na sede da Academia Venceslauense de Letras, instalada há pouco em uma das salas da antiga Estação FEPASA, no Parque Histórico Municipal. Tivemos nesse dia o lançamento do livro “Poemas de uma vida” do poeta Aguilar Lopes.
Conforme seu poema “Autorretrato”, Aguilar é alguém de “estatura curta, mãos redondas (moldadas pelo cabo da enxada), olhar intenso e sorriso na face”. Um ser humano simpático e talentoso.
Formado em Letras pela FAFIPREVE - Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Presidente Venceslau. Atualmente mora na Bahia. Foi uma tarde de encontros e reencontros: ex alunos e amigos do Curso de Letras, alguns de cidades vizinhas, ex professores, amigos e acadêmicos desfrutaram momentos de encantamento com a leitura de alguns poemas e com a oportunidade de conhecer o nobre poeta.
Foram momentos de ternura, de valorização da amizade, de reconhecimento de talentos e competências, de confirmação de que a distância geográfica e a cronológica não alteram os sentimentos verdadeiros, pelo contrário, o distanciamento apura o que sentimos e o que valorizamos.
Foram feitas leituras de alguns poemas selecionados por pessoas igualmente selecionadas que emprestaram suas vozes e suas emoções para interpretar os temas poetizados por Aguilar: o amor, a liberdade, o cotidiano, a mulher amada, o medo, valores, a natureza, sentimentos contraditórios, a morte e exaltação da vida.
Há que se destacar um sentimento patriótico visceral em versos como ‘É imensa a miscigenação existente,/ Mil qualidades e diferenças de sua gente’ (Universo Brasil), ‘Gente que vive,/ Gente que é gente,/ Gente que morre’ (Tanta gente), ‘Brasil, da injustiça justa,/ Brasil, da impunidade,/ Brasil, da esperança curta,/ Brasil da crueldade’ (Brasil), ‘Por menosprezo na educação/ O mundo nos vigia,/ O povo é tema numa canção,/ Mas o poder negligencia’ (Educa Brasil).
E, conforme o Prefácio da acadêmica Dra Maria Antonia Soares ‘Alinhavando lembranças e sentimentos, seus versos, por vezes, melancólicos, trazem com sabedoria aspectos das nossas raízes e da cultura do nosso país...’. E vale destacar: ‘A leveza, a suavidade e a força temática sustentaram/sustentam a leitura do início ao fim’.
O fato de Aguilar ter sido aluno do Curso de Letras de nossa querida FAFIPREVE, ter sido meu aluno de Literatura Brasileira, revestiu esse momento de um significado especial. De alguma forma, ainda que humildemente, colaboramos para a formação literária do antes menino, aluno brilhante, hoje um profissional respeitado que mantém e cultiva dentro de si um espírito apaixonado pelas letras, uma alma bem formada em sentimentos e valores familiares (sua esposa, sua mãe e sua sogra estavam presentes no lançamento), um coração apaixonado pela vida, pela esposa, pelos amigos e pelo país. Enfim, um ser humano que olha a vida com olhos de servir, com pensamentos de amor, com ações de transformar.
Com um eu lírico impecável em primeira pessoa, Aguilar, em ‘Tarefas minhas’ diz:
“Quero trazer com a poesia o valor/ Buscar na palavra o amor,
Levar ao homem, a beleza da paz/ Mostrar ao planeta a pureza da vida,
Dizer ao homem... com esperança se faz.
Quero trazer de volta um caminho de vida/ Dizer não às drogas e à bebida.
Sentir no coração que o homem mudou/ Fazer dos desencontros, encontros
Quero fazer da mágoa coisa que acabou/ Fazer da bondade coisa que restou,
Procurar fazer feliz aqueles que ainda não são,
Fazer encontrar o alívio os que querem o perdão.
- Poesia é quando uma emoção encontra seu pensamento e o pensamento encontra palavras.- (Robert Lee Frost - poeta americano)
(*) Aldora Maia Veríssimo - Presidente da AVL

No último dia 24 de junho, sexta feira à noite, a Academia Venceslauense de Letras, em sua nova sede, na Estação da FEPASA, sediou o lançamento e a noite de autógrafos de duas obras do querido acadêmico Dr Edmar Cunha de Castro: “Quibrodó nos velhos tempos” e “Um sonho quase possível”.
Edmar é casado, pai de três filhas e feliz avô de vários netos muito amados. Médico especialista em Oftalmologia, clinica em Presidente Venceslau há algumas décadas. Na AVL ocupa a Cadeira nº 16 e tem Dias Gomes como patrono. Atualmente compõe a Diretoria da AVL.
Para uma sexta-feira de temperatura agradável, início de um final de semana, pudemos contar com um bom público: acadêmicos, amigos, familiares e convidados atraídos pela publicidade nas redes sociais. Em tempos de pouca valorização da cultura, a presença do público foi surpreendente.
Não foi um lançamento solene, foi um encontro de aficionados pela literatura ávidos por novidades literárias e que puderam constatar que é possível, nos tempos difíceis em que vivemos, alguém dedicar-se à arte de escrever e fazê-la despretensiosamente e prazerosamente sem abrir mão da qualidade da obra.
A noite agradável e o clima de amizade que permeou a reunião, possibilitaram que o evento fosse realizado no espaço da plataforma da antiga estação, totalmente iluminada e embelezada com o gramado e as flores do ajardinamento. Nossa gratidão ao poder público municipal. Um cenário que convida à contemplação, à paz e à sublimação dos problemas da vida em um mergulho na leitura de um bom livro.
O autor que já publicara há algum tempo a obra “A fuga”, confessou sua paixão pela escrita. Pensado o tema, mergulha na escrita sempre que seus afazeres profissionais lhe permitem. Parte significativa de seus escritos são pautados em pesquisas que aliadas à imaginação resultam em belas histórias. Realismo temperado com uma linguagem simples, clara, capaz de seduzir o leitor desde as primeiras páginas.
Há que se destacar: os livros lançados pelo Dr Edmar, foram entregues graciosamente aos convidados presentes. Nobre e surpreendente atitude, digna de nosso respeito e admiração.
No dia 25, no sábado, à tarde, tivemos outro lançamento, um livro de poemas, do escritor Aguilar Lopes, ex aluno da FAFIPREVE e que atualmente mora na Bahia. Mas isso é assunto para outra história.
A Academia Venceslauense de Letras, criada em 2007, já em processo de organização de sua terceira coletânea, tem como um de seus objetivos, possibilitar a aproximação das pessoas à leitura e à escrita, bem como usufruirem o prazer daí advindo. Entendemos, que dadas as atuais circunstâncias, estamos cumprindo nossa missão. Serenamente e gradativamente vamos formando público e agregando adeptos. Que venham outros lançamentos e outras noites de autógrafos!
“Minha liberdade é escrever. A palavra é o meu domínio sobre o mundo.” - (Clarice Lispector)
(*) Aldora Maia Veríssimo - Presidente da AVL.

Lá nas redes sociais o mundo é bem diferente, dá pra ter milhões de amigos e mesmo assim ser carente.
Tem like, a tal curtida, tem todo tipo de vida pra todo tipo de gente.
Tem gente que é tão feliz que a vontade é de excluir.
Tem gente que você segue mas nunca vai lhe seguir.
Tem gente que nem disfarça, diz que a vida só tem graça com mais gente pra assistir.
Por falar nisso, tem gente que esquece de comer, jogando, batendo papo, nem sente a fome bater.
Celular virou fogão, pois no toque de um botão o rango vem pra você.
Mudou até a rotina de quem tá se alimentando.
Se a comida for chique, vai logo fotografando.
Porém, repare, meu povo: quando é feijão com ovo não vejo ninguém postando.
Esse mundo virtual tem feito o povo gastar, exibir roupas de marca, ir pra festa, viajar, e claro, o mais importante, que é ter, de instante em instante, um retrato pra postar.
Tem gente que vai pro show do artista preferido, no final volta pra casa sem nada ter assistido, pois foi lá só pra filmar.
Mas pra ver no celular nem precisava ter ido.
Lá nas redes sociais todo mundo é honesto, é contra a corrupção, participa de protesto, porém, sem fazer login, não é tão bonito assim.
O real é indigesto
Fura a fila, não respeita quando o sinal tá fechado, tenta corromper um guarda quando está sendo multado.
Depois, quando chega em casa, digitando manda brasa criticando um deputado.
Lá nas redes sociaisa tendência é ser juiz e condenar muitas vezes sem saber nem o que diz.
Mas não é nenhum segredo que quando se aponta um dedo voltam três pro seu nariz.
Conversar por uma tela é tão frio, tão incerto.
Prefiro pessoalmente, pra mim sempre foi o certo.
Soa meio destoante, pois junta quem tá distante mas afasta quem tá perto.
Tem grupos de todo tipo, todo tipo de conversa com assuntos importante se outros, nem interessa.
Mas tem uma garantia: receber durante o dia um cordel do Bráulio Bessa.
E se você receber esse singelo cordel que eu escrevi à mão num pedaço de papel, que tem um tom de humor mas no fundo é um clamor lhe pedindo pra viver.
Viva a vida e o real, pois a curtida final ninguém consegue prever. (Autoria: Bráulio Bessa)
“As redes sociais deram o direito à palavra a legiões de imbecis que, antes, só falavam nos bares, após um copo de vinho e não causavam nenhum mal para a coletividade”. (Umberto Eco)
(*) Aldora Maia Veríssimo - Presidente da AVL
A Academia Venceslauense de Letras, reforçando sua parceria com o poder público municipal, foi agraciada com um novo espaço, a que podemos chamar nossa nova Sede. Estamos ocupando uma das salas da antiga estação ferroviária, como parte da revitalização do Parque Histórico Municipal de Presidente Venceslau.
Conforme anunciado pela Prefeitura Municipal, através da Prefeita Bárbara, e pelo setor de Educação e Cultura de Presidente Venceslau, na pessoa do Secretário de Educação Aparecido, a municipalidade objetiva dar vida nova à antiga Estação como um centro de atividades culturais. A AVL se insere nesse nobre objetivo.
Antes ocupávamos uma sala na SEMEC - Secretaria Municipal de Educação e Cultura. Agora, em um local mais central, e contando com uma ampla área ajardinada, assim como com a disponibilidade da plataforma de embarques e desembarques, os acadêmicos já visualizam possibilidades de atividades culturais sob responsabilidade da AVL.
Muitas são as ideias: Saraus, Contação de Histórias, Reuniões e Homenagens, Feira de Livros, Sebo, enfim, toda e qualquer atividade que se refira ao prazer de ler.
Vale lembrar que a AVL já publicou duas coletâneas de textos produzidos por seus acadêmicos. A primeira coletânea intitula-se “Sons da Alma” e é composta por 46 textos de 29 autores com uma tiragem de 500 exemplares. Foi lançada com pompa e circunstância no dia 31 de maio de 2019, no Salão do Rotary Clube.
A segunda coletânea recebeu o título de “Emoções que florescem” e é composta por 53 textos de 22 autores. Essa coletânea recebeu um aporte financeiro da Lei Aldir Blanc equivalente a quase 50% dos custos, por termos participado de um Edital de Chamamento de incentivo à Cultura. “Emoções que florescem” teve uma tiragem de 1000 exemplares e por exigência do Edital, teve distribuição gratuita de 10 exemplares para cada escola de Presidente Venceslau, das creches ao segundo grau, públicas e particulares, assim como para entidades e espaços culturais. Universidades da região também foram incluídas. Cada autor, a exemplo da primeira, teve direito a exemplares da obra com a qual colaborou. O lançamento da segunda coletânea foi prejudicado pela pandemia e só ocorreu, de forma muito simples, em 17 de dezembro de 2021, durante a confraternização dos acadêmicos, ao final do ano.
Os esforços para mais uma coletânea já foram iniciados. Até 30 de junho estaremos recebendo os textos para a composição da terceira coletânea da AVL. Aí, então, a oficialização da obra junto à Câmara Brasileira do Livro acontecerá, seguindo-se os trabalhos de correção/revisão, diagramação e as pesquisas para impressão da mesma.
Escrever é uma possibilidade de expressar nossas vivências, nossos conceitos de vida, nossas fantasias, nossa criatividade e habilidade linguística. Ler compõe esse ciclo. Escrevemos para quem nos lê. Se conseguirmos tocar o coração de um leitor, teremos alcançado nosso propósito maior.
Somos um grupo seleto de profissionais liberais ligados pelo prazer de ler e escrever: 18 acadêmicos moradores de Presidente Venceslau e 10 acadêmicos residentes em cidades vizinhas. O que nos une é o gosto pelas letras.
Estamos preparando uma noite solene, em que nossa sala será apresentada às autoridades e aos profissionais da Educação, visando dar visibilidade à AVL e demonstrar nossa gratidão a quem dê direito.
“Página por página o enlevo, o conhecimento, as fantasias, as verdades e a vida vão sendo “bordados” por mãos competentes e dedicadas de tal forma que parece estarmos em outro plano, quiçá no paraíso!” (Tácito Cortes C. Silva)
(*) Aldora Maia Veríssimo - Presidente da AVL

Teoricamente moro em uma rua do Centro, mas na prática não é bem assim. É uma rua simples, corredor para bairros mais afastados. Por isso o trânsito de carros e motos é bastante intenso durante o dia e principalmente em horário comercial.
Ultimamente, estando muito em casa devido às restrições da pandemia (e da idade!), vejo-me mais atenta aos detalhes do meu dia a dia, inclusive aos barulhinhos da vida. Recolhendo-me ao repouso, mais cedo, percebo que ocorreram mudanças na vida que transita neste endereço.
À noite, lá pelas 22 horas, tudo está em perfeito silêncio; nem motos nem carros passam por aqui; tudo dorme, exceto os gatos da vizinhança que insistem em “fazer sexo selvagem” embaixo da janela do meu quarto. O silêncio só é quebrado pelo apito do guarda noturno do quarteirão, o que aliás, acontece a espaços regulares durante a noite toda, tornando-se imperceptível até porque já nos familiarizamos com ele.
Até os incômodos toques da campainha acordando a madrugada desapareceram. As crianças e jovens esqueceram como é gostoso tocar a campainha e sair correndo? A conversa e risadas dos grupos de jovens amigos indo ou voltando das baladas também não acontecem mais. Ou seja, se a insônia permitir, nossas noites neste endereço são muito tranquilas e reconfortantes.
Mas, durante o dia, a coisa muda. O dia começa com os rapazes do Tiro de Guerra que passam correndo ao som das musiquinhas cujos versos de motivação são repetidos após um comando e servem para animá-los a se exercitar estando calor ou frio. Quando o trafegar de carros e motos começa, algo familiar acontece: o carro dos produtos de limpeza passa vendendo marcas famosas fabricadas em fundos de quintal: Veja, Amaciante, Qboa... Às vezes se dá uma disputa com o carro que vende pizza para o almoço, bem baratinha; não sei se é gostosa, ainda não experimentei! Ou com o carro da “pamonha, pamonha de Piracicaba! O puro creme do milho verde.”
A vizinhança é tranquila. Não temos brigas de casais. Não temos sequer discussão de comadres e não há adolescentes adeptos de som alto. Nosso sossego só é “violado” uma vez por mês quando os meninos de uma empresa próxima fazem, no espaço do depósito, um cheiroso churrasco regado a cerveja, provavelmente, e muita música de sofrência.
No dia a dia, após o almoço, minha rua ganha sons, cores e movimento. As crianças voltam da escola e a vida ganha nova trilha sonora e mais encanto. Joga-se bola, anda-se de bicicleta, acontecem choros e discussões, ouvem-se gritos “Não fui eu”, ‘Agora é a minha vez”, “O mãããnhe, olha o...” “Vovó, o sorveteiro vem vindo” “O bombeiro buzinou pra nós”.
São esses sons que diferenciam o dia e a noite em minha rua. Minha rua não é notívaga, minha rua é solar, indiscutivelmente solar, iluminada pelos raios solares, naturalmente, e também resplandece pela alegria e sorriso das crianças, que enfeitam a nossa vida.
Na metade da tarde ouvem-se sons jovens e promissores. São os alunos de uma escola de período integral, que em bandos, desprezam as calçadas e caminham pelo meio da rua, conversando alto e rindo sem pudor e comprovadamente felizes. Não falta em minha rua a algazarra das maritacas. Em grupos numerosos, como as crianças, emitem um diálogo ruidoso, onde alegremente ninguém respeita ninguém, todas “falam” ao mesmo tempo. Parecem crianças conversando animadamente. Sonoridade revigorante. Vez ou outra o firmamento é riscado por bandos de araras do peito amarelo e seu grasnar estranho.
Ou seja, são as crianças, os jovens e a natureza que dão vida a minha rua e que a tornam tão especial. A pureza, a sinceridade e a essência colorem meu endereço.
Enfim, se esta rua fosse só minha “eu mandava ladrilhar com pedrinhas de brilhantes” só para ver a vida passar enfeitada com o sorriso das crianças, com a positividade dos jovens e com o que ainda temos de natureza pura.
“Aprendi que é na simplicidade da vida que a vida se enfeita.”
(*) Aldora Maia Veríssimo - Presidente da AVL

Fiódor Dostoiévski, escritor russo, nasceu em 11 de novembro de 1821, em Moscou. Três anos após o sucesso de seu primeiro livro “Gente pobre’, publicado em 1846, foi preso, por questões políticas, e condenado à morte. Porém a sentença foi revogada e o autor foi condenado a realizar trabalhos forçados, durante quatro anos, em uma prisão na Sibéria. Morreu em 9 de fevereiro de 1881, aos 60 anos, em São Petersburgo.
Suas obras pertencem ao realismo russo e apresentam características como: crítica sociopolítica, análise psicológica, monólogo interior, conservadorismo, nacionalismo, prolixidade, descritivismo, personagens marginalizados, ausência de idealizações e profundidade filosófica, trazendo à tona elementos profundos da alma humana. “O Eterno Marido” é uma pequena obra-prima de Dostoiévski, escrita em 1870, em plena maturidade do autor. Objeto de apreciação de nosso Clube de Leitura.
A história narra o reencontro do marido Pável Pavlovitch com Vieltchâninov, ex-amante de sua falecida mulher. Nesse reencontro, eles relembram do passado e vivem momentos de emoções contraditórias. A narrativa é pesada mas tem toques de humor negro, comuns na obra de Dostoiévski, passando por temas como moralidade, amor erótico, tortura mental e neurose. É considerada uma das criações mais perfeitas do autor, com uma veia humorística afiada e uma compreensão profunda do trágico e do cômico.
Alexei Ivanovich ou Veltchaninov é um homem de quase 40 anos, que está em um momento delicado de sua vida e começa a se sentir perseguido por um desconhecido de chapéu com uma faixa preta de luto. Ao longo dos capítulos, descobrimos que seu perseguidor é na verdade Pável Pavlovitch, um conhecido do protagonista e que não se veem há 9 anos. Pável está de luto pela morte da esposa a quem venerava e que lhe deixou uma caixinha com todas as cartas de amor que trocara com seus amantes.
Alexei, que fora amante de Natália, a esposa de Pável, fica desconcertado e não entende por que o homem o procura; descobre que ele está hospedado em um hotel com uma suposta filha.
Em meio a muitos encontros e conversas, algo preocupa o antigo amante: teria Pável descoberto a traição da esposa? Caso sim, por que teria se aproximado dele? Estaria planejando alguma vingança? Ora pensava que sim, ora pensava que não. Não era Pável, apenas, um “eterno marido”, a quem Veltchanínov traía sem nenhum remorso?
De permeio, Pável trouxera Liza, sua filha de oito anos, uma linda e assustada menina que, aparentemente, parecia sofrer nas mãos do pai. Quando Veltchanínov conhece a menina faz alguns cálculos e pensa na possibilidade dela ser sua filha.
Temendo uma possível vingança, a relação de ambos oscila do elogio às farpas; da tranquilidade ao constrangimento, da dissimulação à expressão clara e sincera, da consonância ao antagonismo, do amor ao ódio. Palavras, gestos e comportamentos subentendidos, às vezes cômicos, às vezes receosos, se traduzem em diálogos primorosos.
“O eterno marido” conforme Dostoiévski, é aquele cujo papel é de mero ornamento social, aquele que nasce para levar chifres, cumprir sua posição de homem, deixando que sua companheira cumpra sua posição contraventora em parceria com eternos amantes.
A relação dúbia dos protagonistas, os receios, a falsidade ou amabilidade, e os desejos inconfessáveis e subentendidos configuram a construção de personagens complexos, com profundidade psicológica típicos da obra de Dostoiévski. Entendê-los é tarefa árdua; é necessário ler, refletir para então digerir.
Como leitora assídua, ouso dizer que minha expectativa em relação ao autor não foi exatamente satisfeita. Vale a sua leitura e a sua visão!
“Vida e mentira são sinônimos”. (Fiodor Dostoiévski)
(*) Aldora Maia Veríssimo - Presidente da AVL

Mais uma vez, no último dia 08, a sociedade se mobilizou para comemorar o Dia das Mães. Comércio, televisão, escolas, famílias, todos “unidos por um propósito nobre”: reconhecer, valorizar, lembrar a importância das mães para a família e para a sociedade.
Presentes, flores, mensagens, almoçar fora e lá vão as mães exibindo um sorriso sincero (?) e de gratidão no rosto, acompanhada ou não de todos os seus rebentos, que, diga-se de passagem, já deram ao mundo mais um ou dois filhotes que darão continuidade ao clã familiar.
Li várias mensagens nas redes sociais sobre a data e algumas me chamaram a atenção pela visão realista do papel de mãe. Minha mãe dizia que “a mulher é o esteio da família” e isso só aumenta a responsabilidade das mães.
É comum falar-se em mãe solo e raramente ou nunca em pai solo. Nos registros pode não constar o nome do pai, mas o da mãe é natural e essencial. Quando um jovem se comporta minimamente mal é comum ouvirmos: Tua mãe não te deu educação? É mais recorrente atribuírem o fracasso de um jovem aos pais do que o sucesso.
Li uma postagem que diz: “Filho não vem com Manual de Instrução mas vem com mãe, que é a mesma coisa.” Não concordo. Uma mãe só nasce no momento em que nasce um filho. Vale dizer que o Manual de Instrução vem em branco e vai sendo preenchido conforme acertamos e erramos na condução da vida de nossos filhos. E esse preenchimento, normalmente, é indelével.
Mães não podem falhar, somos cobradas com veemência. Mas, conforme Fabíola Simões “Mãe falha tentando fazer o melhor”: quando nos afastamos dos filhos tentando lhes passar um exemplo de independência, quando somos mães presentes e exageramos na superproteção, quando negamos algo e geramos um sentimento de frustração inimaginável, quando nos transformamos em verdadeiros bichos em defesa de nossas crias e deixamos de lado a sensatez e a ponderação. Falhamos quando, na precariedade, nos privamos das nossas necessidades em benefício dos filhos.
Falhamos quando, na ânsia de proteger, acobertamos erros perdendo a oportunidade de vermos nossos filhotes aprenderem com a premissa “é errando que se aprende”. Quando assoberbadas por outros aspectos da vida “rodamos a baiana” e “colocamos tudo em pratos limpos” com uma intensidade que causa estranheza e dor. E, o pior, falhamos quando não vemos ou ignoramos os sinais que nossos filhos nos dão para que mudemos de atitude. Quando sonhamos sozinhas uma carreira para um filho, sem “consultá-lo” ou sem “conhecê-lo” profundamente.
Falhamos quando não usamos as palavras certas, quando não conseguimos manter a calma, quando perdemos o controle, quando não percebemos a dor ou a decepção estampada no olhar de nossos filhos ou quando percebemos e não sabemos o que fazer para minimizar o sofrimento. Falhamos quando esfalfadas pela rotina pesada, à noite só queremos deitar e dormir profundamente, enquanto nossos filhos, no quarto ao lado são consumidos por pensamentos negativos.
Mães falham, falham muito, mas certamente o fazem por falta de conhecimento, ignorância ou por estarem, muito empenhadas, tentando acertar. E nos culpamos quando na maturidade lemos teorias que desconhecíamos quando delas precisamos. Falhamos quando não educamos adequadamente!
Mas, o que a maioria das mães têm em comum, é a capacidade de recomeçar, de nunca abandonar os filhos amados, de não desistir de sua prole seja qual for a situação. Mesmo falhando, as mães insistem, perseveram, acreditam e não desamparam. Se formos a uma penitenciária, nas filas de visita, a maioria são mães provando a incondicionalidade de seu amor. Se formos às Igrejas veremos que uma miríade de mães lá estará, de joelhos, orando por seus filhos, já que têm certeza de que poderão contar com o acolhimento da mais generosa das mães: a Mãe de Jesus, que também acompanhou seu filho amado, sempre, independente das vicissitudes.
“Quando uma mãe faz uma prece pelo filho, ela rompe as portas do céu”. (Chico Xavier)
(*) Aldora Maia Veríssimo - Presidente da AVL

Machado de Assis é sem dúvida um dos maiores escritores brasileiros, senão o mais festejado. Autor do Realismo brasileiro é dono de um texto elegante, sem exageros linguísticos, descritivo na medida certa e, principalmente, um severo crítico do comportamento humano.
Sua ironia, nem sempre sutil, sua capacidade de desnudar a alma e os sentimentos humanos sem verborragia, fazem de suas produções textos elegantes, sóbrios, detalhistas sem cansar; um texto para ler até terminar e ao final, ostentar um sorriso orgulhoso significando “entendi e concordo”!Um autor negro contemporâneo da escravidão, pobre, autodidata, epilético e gago; hoje, talvez, não descesse do morro, onde morava para uma Cadeira na Academia Brasileira de Letras, que ajudou a fundar.
Seus romances, da fase romântica ou da fase realista, esta sem dúvida, a melhor, e seus contos não têm similar. Sua correção gramatical, sua frase elegante e bem articulada, seu vocabulário seleto, fizeram dele um legítimo representante da língua portuguesa clara e bem-posta. Sólido alicerce para a perpetuação de nosso idioma pátrio.
Reli há pouco seu conto “O alienista”, um dos mais conhecidos. Um clássico.
É a história de Simão Bacamarte, personagem ilustre da cidade de Itaguaí, Rio de Janeiro. Um homem da ciência, um médico cuja única e sincera vocação é a prática científica, que dedicou longo tempo de sua vida ao estudo das moléstias mentais.Essa dedicação culminou com a fundação da Casa Verde, o hospício de Itaguaí, propondo-se a estudar a mente dos desajustados da cidade, dos desequilibrados das faculdades mentais e claro, tentar curá-los de sua condição.
Desde muito jovem, Bacamarte demonstrou sua serenidade, sua frieza, sua crua observação do ser humano, enfim, um intelectual, um sujeito bastante diferente. A Casa Verde foi fundada como instituição pública, com a total aprovação da Câmara de Vereadores de Itaguaí. Mas como custear a instituição se o povo já era vítima de impostos absurdos? A solução foi ridícula; criaram-se impostos ridículos através de cálculos não menos ridículos. A princípio, Simão teve o apoio de todos, mas com o tempo percebeu-se que havia algum equívoco já que a maior parte da população de Itaguaí estava enclausurada na Casa Verde.
Como explicar tantos desequilibrados mentais? Estaria Simão só interessado nos lucros? Ou sua obsessão científica levou-o longe demais? Ou recolhera à Casa Verde todos os seus desafetos?
Algum tempo depois, ele passa a internar pessoas consideradas sãs, como Costa, um rapaz que havia recebido uma herança com a qual viveria até o fim da vida, mas gastou tudo em empréstimos aos outros e acabou na miséria. D. Evarista foi internada por não conseguir decidir que roupa vestir para uma festa. Quando metade da população já estava internada as pessoas começaram a se revoltar. O barbeiro Porfírio decide liderar uma revolta para soltar as pessoas que foram presas injustamente; ao final, os manifestantes também acabaram internados.
Entretanto, quando a população internada atingiu 75% dos habitantes da cidade, Simão Bacamarte percebeu que havia algo de errado em seu critério e decidiu revê-lo: se a maioria seguia um desvio de padrão, quem tinha regularidade em suas ações e firmeza de caráter eram os verdadeiros loucos. Então ele decidiu que a minoria é que deveria ser internada.Estranhamente, não encontrou ninguém que possuísse um desvio de caráter contrário à maioria, a não ser ele mesmo. Simão Bacamarte, então, se internou e ficou sozinho na Casa Verde, falecendo dezessete meses depois.
O Alienista é uma obra de leitura gostosa, cheia de humor e de grandes surpresas. No entanto, serve para uma reflexão significativa: quem são os loucos e quem são os saudáveis em nossa sociedade? Quem está certo e quem está errado na rotina da vida? O que vale mais a sensatez, o autocontrole, a solidariedade, o esforço pessoal, a honestidade? Ou valem a ousadia, o desrespeito, a desconsideração, o deboche, a desonestidade, a falcatrua...
Lembro-me de um querido médico que, alicerçado em sua longa experiência profissional, disse-me um dia: Não sabemos, mas convivemos diariamente com os mais variados níveis de loucura. “Não ligue, ele é assim mesmo.” “Ah, tem uma personalidade forte!” “Ele sempre foi irredutível, doa a quem doer!” “É um excêntrico, mas...”
‘De médico e louco, todo mundo tem um pouco.’ (Ditado português)
(*) Aldora Maia Veríssimo - Presidente da AVL

“Para sempre Alice”, livro escrito pela neurocientista americana Lisa Genova, impregnado da experiência com a avó, que morreu com Mal de Alzheimer, foi objeto de discussão do Clube de Leitura da AVL.
Alice Howland, renomada pesquisadora de Linguística, da Universidade de Harvard, tem apenas 50 anos quando é diagnosticada com Mal de Alzheimer. Ela possui um tipo raro da doença, desencadeado por uma mutação genética hereditária. Alice dedicara sua carreira ao estudo da fala e da comunicação. Sua memória afiada era motivo de admiração e orgulho. Os sintomas se anunciaram gradativamente.
O primeiro lapso da memória de Alice, durante uma palestra, foi o termo “léxico”. Estresse ou menopausa? Alguns dias depois, Alice se perde ao retornar de sua corrida diária pelo campus onde lecionava. Vai ao médico e depois de uma série de exames, incrédula e revoltada, é diagnosticada com Mal de Alzheimer precoce.
Muito segura de suas escolhas, Alice acreditara que sempre poderia estar no controle de sua vida, sempre “senhora de si” e, ironicamente, descobre que “nada é para sempre”. Sua memória é atropelada por uma doença degenerativa e incurável. Percebe que terá que abrir mão do controle, aprender a se deixar cuidar e conviver com uma única certeza: a de que, em pouco tempo, não seria mais a mesma. Pesquisa o assunto e tenta criar dispositivos de “sobrevivência da memória”.
Como a causa de sua doença é hereditária, cada um de seus filhos tem 50% de probabilidade de ter herdado o gene defeituoso e, assim, desenvolver o Mal. A caçula, Lydia, decide não fazer o exame genético; Tom, o do meio, descobre que não carrega a mutação; mas a primogênita recebeu o gene defeituoso e é praticamente certo que desenvolverá a doença. Quando faz a descoberta, Anna está passando por um tratamento para fertilização “in vitro” com o objetivo de engravidar.
Alguns relatos são impactantes. Tentando conviver com a doença, Alice é vítima de momentos de sofrimento indescritível. Certa feita, viaja para ministrar uma palestra e deixa-se ficar na plateia esquecida do que viera fazer ali. Em outro momento, vai à Universidade para seu horário de atendimento aos alunos de pesquisa e estranha a ausência dos jovens que passam pelo corredor mas não entram. Preocupada, volta para casa, e ao passar em frente ao espelho do hall não se espanta, mas a imagem refletida ostenta a camisola de dormir. Convidada pelo marido para fazerem juntos uma caminhada, resolve ir antes ao banheiro e, desesperada, não identifica a porta; abre várias que dão para armários ou para salas e quartos; quando o marido retorna para chamá-la, Alice está chorando e suas calças estão molhadas.
Os lapsos de memória seguidos de momentos de lucidez dão à personagem o entendimento da cruel e irreversível situação pela qual está passando sem que nada possa ser feito para minimizar ou postergar a enfermidade. A Medicina ainda não dispõe de informações para tal.
É angustiante a descrição progressiva da deterioração mental de Alice e lento o desenrolar do implacável pesadelo. É uma contínua e inexorável perda de si mesma. O fato de Alice ser uma intelectual torna a progressão de sua doença mais tocante.
Os detalhes mais comoventes estão nas suas desesperadas tentativas de não perder completamente o controle de sua vida, criando lembretes, gravações no celular, recados escritos; mas há um desespero enorme por trás de cada esforço, que a autora, felizmente (?) não tenta aliviar.
O mal avança. A filha caçula torna-se a protetora da mãe em franco processo de aniquilamento: deixar de ser quem foi um dia!
A história serve como reflexão. Com ou sem doença, devemos aproveitar ao máximo cada momento de nossas vidas. Amanhã, tudo poderá ter desaparecido!
- Meu cérebro já não funciona bem, mas uso meus ouvidos para uma escuta incondicional, meus ombros para que chorem neles e meus braços para abraçar outras pessoas com demência. (Para sempre Alice, p. 240)
(Texto original publicado em 22/06/2017)
(*) Aldora Maia Veríssimo - Presidente da AVL

Morava em um quarteirão próximo a minha casa, nos tempos de minha adolescência. Casada, quatro filhos, três meninas e um rapaz. Marido, bastante idoso, trabalhador na Prefeitura Municipal, trabalho braçal. Viviam em uma casa humilde, trabalhava lavando e passando roupas para famílias abastadas. Sua filha e filho mais velhos trabalhavam para ajudar nas despesas da casa.
Toda a vizinhança admirava a energia de Judite. Trabalhava muito, vivia com parcimônia, mas não conhecia tristeza, era otimista, cantava muito, parecia levar uma vida tranquila, não ter obstáculos a vencer, enfim, uma alma feliz.
Como todas as casas da vizinhança, a dela tinha um grande quintal com várias árvores frutíferas. Adorava pegar fruta no pé, limpava-as na blusa e as ingeria como se estivesse degustando um sofisticado banquete. Costumava dizer que queria ficar velhinha ao lado de seu marido, o Manezinho, até ficar de “miolo mole”, confundindo qualquer sombra com monstros horríveis.
As mulheres da vizinhança a achavam muito alegrinha, demais até. Era comum ocorrerem discussões entre Judite e Manezinho. Onde você estava? Já cheguei do trabalho há mais de uma hora! E ela, rindo, dizia: Eu estava no quintal. Pensando na vida. Na vida maravilhosa que nós temos, meu velho! E, com descontração, fazia a discussão terminar. Essas ausências eram muito comuns, mas Judite sempre contornava o climão.
Eis que Judite foi surpreendida por uma gravidez inesperada. Ela já não estava em idade reprodutiva, não tinha mais idade para engravidar e a idade de seu marido também não era propícia. Mas, em nove meses, Judite deu à luz dois bebês, duas meninas que receberam o nome de Maura e Marina.
Além da surpresa dessa gravidez tardia, e ainda de gêmeas, as bebezinhas chamaram a atenção das curiosas vizinhas. Maura era morena, lábios carnudos e cabelinhos encaracolados. Lembrava os traços do sr Manezinho. Marina, diferentemente, era muito branquinha, olhos azuis e cabelos loiros, em nada lembrava os traços da mãe, do pai ou dos irmãos.
De novo a vizinhança murmurou sobre as características de Marina: de quem ela puxara os olhos azuis e os cabelos loiros? Algumas começaram a dizer que, nos finais de tarde, sempre viam uma visita que chegava à casa de Judite. Era um senhor bonitão, branco, cabelos loiros, muito bem vestido e bastante simpático. Cumprimentava todas as pessoas, sempre sorridente e amável.
Após o nascimento das gêmeas, Seu Elias, esse era o nome do senhor simpático, passou a frequentar, diariamente, a casa de Judite e Manezinho. Sua simpatia e sua bondade eram expressas através de significativas ajudas financeiras à criação das meninas: roupas de qualidade, brinquedos e até passeios. Ovos de chocolate na Páscoa, presentes no Dia das Crianças e no Natal. Enfim, a vida da família melhorou muito. Que bênção era a amizade do Seu Elias com a simpática Judite. O sr Manezinho, diferente dos demais, entrou em profunda tristeza, que hoje chamaríamos de depressão. Definhou, adoeceu, perdeu a vontade de viver e de sorrir. Não alcançou a festinha de aniversário de 2 anos das gêmeas. Faleceu duas semanas antes, o que não impediu que a festa fosse realizada.
Uma festa impecável: bolo com cobertura cor de rosa, brigadeiros, beijinhos, bala de coco, cachorro quente e tubaína. Tiraram até foto. Ficaram registradas as duas menininhas: Maura, morena, lábios carnudos, testa larga, esperta e falante, miniatura do sr Manezinho; Marina, uma princesinha, loirinha, cabelos lisos e longos, traços delicados destacados pelos olhinhos azuis da cor do céu, calma e simpática. Simpática como o Seu Elias, o melhor amigo da família.
“Erre, falhe e engane-se, mas seja leal, porque a traição não tem perdão.” (Autoria anônima)
(*) Aldora Maia Veríssimo - Presidente da AVL

Esta semana fui a Presidente Prudente, ao médico, como a maioria dos venceslauenses. Sempre gostei do trajeto das minhas locomoções, sejam curtos ou longos, e dessa vez não foi diferente, apesar de useiro e vezeiro. Sou carona, tenho o melhor motorista do mundo, por isso viajo tranquila e posso conversar, cantar, apreciar a paisagem e o perpassar das árvores, das flores, do gado, das pequenas sedes de fazendas, os demais carros e seus condutores.
Lembrei-me, então, do tempo em que viajei para Assis, fazendo um curso de Pós-graduação. Deslocava-me uma vez por semana até a UNESP e na maioria das vezes ia sozinha. Insegura, tinha um certo receio do trânsito pesado, dos caminhoneiros que se sentiam “donos da estrada”, da velocidade dos carros dirigidos pelos mocinhos e mocinhas, que me pareciam muito ousados. Sempre temi a chuva, diminuo a velocidade, fico tensa e ponho-me a rezar.
Tinha medo de que a noite me surpreendesse na estrada porque um possível problema na mecânica do carro me apavorava. Imaginava-me com o carro parado, no escuro, o celular sem sinal, o medo de ser abordada por algum motorista, enfim, tenho medo do escuro e na estrada, pior ainda. Meu filho, quando criança, se viajássemos à noite, ele se preocupava com um possível término do combustível. “Papai, você abasteceu? E se a gasolina acabar?”
Por mais de uma vez, cansada, pois ia e voltava no mesmo dia, tive apagões passando por perigos concretos, porque, sozinha, era muito difícil manter-me atenta e acordada. A visão do entardecer após vencer uma subida assemelhava-se a um teto rebaixado, formado por ameaçadoras nuvens escuras, mais baixas do que possível. “Acordar” muito próxima da traseira de um caminhão de combustível, e que me pareceu estar, literalmente, entrando embaixo da carroceria à minha frente. O pânico expresso pelo coração acelerado, as pernas bambas que não davam conta do pedal do freio, a angústia de estar sozinha...
Lembrei-me, então, de um dia específico em que voltando da aula, comecei a perceber no asfalto, algo que demorei a identificar: pareciam postas de carne ou algo parecido, algumas maiores e outras menores; algumas sobre poças de sangue. Como percebi tudo isso? Claro que aquelas “coisas” em uma certa sequência, me chamaram a atenção; diminuí a velocidade, óbvio.
E a trilha sanguinolenta continuava por longos quilômetros. Apavorada, comecei a fantasiar: o que teria acontecido? O que estava espalhado pelo asfalto? Lembrava-me uma carnificina, acordando narrativas dos programas policiais sensacionalistas da TV aberta. E lá vinha eu, sozinha, apavorada, criando histórias fantasiosas sobre o que estava vendo. Acelerei um pouco mais, com os olhos esbugalhados, taquicardia severa, tronco projetado para a frente, observando as peças no asfalto. Pareceu-me um percurso muito longo, um tempo igualmente longo, eu nada entendendo e o meu receio aumentando.
De repente, com o trânsito menos intenso, vejo à minha frente, um caminhão basculante, deslocando-se vagarosamente, tão vagarosamente, que eu o alcancei. E então pude desvendar o mistério que me amedrontava há cerca de 100 quilômetros e aproximadamente 2 horas: o tal caminhão, velho, já bem prejudicado, resfolegando e soltando fumaça nas subidas, estava cheio, muito cheio de uma carga estranha; um carregamento de vísceras, miúdos, patas, couro e outras coisas que tais, e sem estar coberto com encerado ou amarrado de alguma forma, distribuía pela Raposo Tavares pedaços (nada nobres!) de bovinos e/ou suínos, recolhidos, provavelmente, em um matadouro qualquer!
Quase deixei o carro afogar, tal meu espanto. Afinal, nada demais, a não ser a irresponsabilidade do motorista em não proteger sua carga. Pensando bem, acho que ele colaborou para que acontecessem vários “banquetes” que seriam degustados pelos animais carnívoros que habitam as pequenas matas que ladeiam a estrada.
Ultrapassei o velho caminhão e aliviada rumei para Venceslau. Era sexta-feira, início da noite. Eu teria coisas melhores, mais importantes e prazerosas para me preocupar!
“Preencha sua vida com experiências, não coisas. Tenha histórias para contar e não coisas para mostrar.” (Autor anônimo)
(*) Aldora Maia Veríssimo - Presidente da AVL

Aline Bei, autora de “O peso do pássaro morto” nasceu em São Paulo em 1987. É bastante jovem. Formada em Letras pela PUC de São Paulo, publicou seu livro de estreia em 2017, recebendo o Prêmio São Paulo de Literatura já em 2018, na categoria “Melhor romance de Autor Estreante com menos de 40 anos”. O título, instigante, remete a um fato verídico: um pássaro, inadvertidamente, apertado na mão, pela protagonista, e que morre.
Nessa obra, é contada a vida de uma mulher, dos 8 aos 52 anos, desde as singelezas cotidianas até as tragédias que se sucedem uma após outra deixando o leitor tenso à espera do próximo momento trágico.
Um livro, ao mesmo tempo denso e leve, violento e poético. A protagonista tenta com todas as forças não pautar sua vida pela dor, embora essa seja a tônica.
É um romance curto com cerca de 170 páginas, que mescla prosa e poesia, com uma diagramação de texto que lembra a linguagem das redes sociais, mais especificamente, do whatsapp, frases cortadas, sem o uso da página completa, pouquíssimas palavras com letra maiúscula e desvalorização da pontuação conservadora.
É uma leitura muito simples, delicada e ingênua mas capaz de nos tirar o fôlego, nos incomodar ou nos irritar e que nos faz refletir sobre a própria vida em diversos momentos da narrativa. Como um diário, a protagonista relata as diversas perdas sofridas ao longo de sua vida da infância à maturidade, utilizando, não raramente, metáforas muito bem elaboradas.
A autora evidencia a máxima “a cura não existe”; são incuráveis as dores da dor, as dores da perda e as dores do vazio existencial. Na trajetória relatada, dos 8 aos 52 anos, a oralidade é a tônica, linguajar que vai se tornando mais amadurecido com o passar do tempo, mas sempre deixando transparecer a garota de 8 anos, impotente diante das vicissitudes da vida, para as quais sente-se tolhida e incapaz de reagir.
A impressão que fica para o leitor é passividade, indiferença ou impotência em mudar os rumos da própria vida. Mas, conforme os anos passam, as dores e perdas se agigantam: a morte da melhor amiga do Colégio, o estupro pelo próprio namorado, a gravidez indesejada pontuada pela tentação de abortar, a depressão pós - parto, resultaram em uma maternidade mal resolvida, reflexo das dificuldades que tivera com sua mãe; falta de proximidade e afeto com o próprio filho, dificuldades no amor e na socialização. Um final trágico faz jus a sua vida. Fica claro ao leitor que a autora valoriza as dores da infância e juventude cujo ônus será cobrado na maturidade.
A maternidade, nos parece, uma tentativa de aproximá-la dos sentimentos que ela nutre pelo filho, outro sentimento aprisionado pela dor.E o filho, sentindo esse distanciamento também se fecha e se afasta. O resultado disso é uma relação mãe e filho, sem vínculos, que se prolonga como uma culpa permanente e que não dá espaço para a construção do afeto.
O curto período de tempo em que suas dores pareciam ter se sublimado com a presença do Vento, seu então cachorro, tem um fim também trágico: o cachorro foi atropelado e morrendo levou consigo o que restara daquela vida tão triste.
Desiste de viver. Não come, não sai de casa, não vê razão para continuar vivendo. Morre sozinha, sendo descoberta, apenas, quando a matéria já entrara em decomposição.
Uma história bonita, pesada, envolvente e ao mesmo tempo simples e delicada. O que certamente não acontecerá é ficarmos indiferentes após conhecê-la.“Quantas perdas cabem na vida de uma mulher?”. (Micheliny Verunschk)
(*) Aldora Maia Veríssimo - Presidente da AVL

Há quem não goste que o “tempo passe, que o tempo passe, que o tempo passe”. O tempo deixa em todos nós suas marcas. Sou tranquila quanto ao despetalar das folhas do calendário. Gosto de arrancá-las e jogá-las ao vento. Normalmente não dou nenhuma importância ao passar dos anos. Parecem não passar. Mas, há outros momentos em que sinto o tempo e agradeço pelo tiquetaquear do relógio e pela inexorabilidade da passagem das horas.
Acredito que o tempo só nos faz bem; só ele nos dá sabedoria e discernimento que na juventude não alcançamos; só ele nos faz entender coisas que não vislumbrávamos antes; só o tempo nos dá segurança de posicionamentos e capacidade de descartar o que não nos interessa, seja estar, opinar ou nos envolvermos em qualquer situação.
Só o tempo nos dá calmaria, tranquilidade, sutileza de gestos, um olhar de compreensão, muita clareza das relações de causa e consequência, uma complacência a toda prova, um “não vale a pena” incontestável ou um f#da-se bem contextualizado!
Considero meu trabalho como professora um dos melhores aspectos da minha vida. Sempre disse que meus alunos (agora ex-alunos) têm um espaço privilegiado nos meus sentimentos. Fico feliz quando os encontros no dia a dia, quando sei que foram aprovados em concursos ou vestibulares, quando assumem cargos com forte significado social, quando se sobressaem em seu grupo. Sempre me reporto aos tempos de sala de aula e tento relacionar se esta ou aquela habilidade já se fazia anunciar na adolescência.
Às vezes sou “encontrada” pelo facebook ou instagran. Ex- alunos dos meus tempos de docente em escolas rurais de emergência ainda se lembram de mim. Há um ex-aluno, morador de Roraima, cujo filho entra em contato comigo, com certa regularidade, via redes sociais. Só quem já passou por isso, consegue me entender.
Mas, como dizia minha mãe, nada é tão bom que não possa melhorar. Dia desses, no meu papel de senhorinha aposentada, estava, num final de tarde cuidando de minhas plantinhas da calçada, quando fui surpreendida por uma moto que passando pela frente de minha casa, repentinamente volta fazendo uma frenagem rápida ao meu lado. O motociclista ergue o capacete, me cumprimenta e me pergunta: A senhora se lembra de mim, professora?
Dissera a palavra mágica: professora. Acionei meus neurônios responsáveis pela memória e lembrei-me de meu ex-aluno e de seu nome. Ex-aluno do meu tempo de professora no antigo GE, hoje Escola Shiruca. Casado, pai, profissional, já um homem encorpado que deixou para trás aquele adolescente franzino e tímido, enfim, um cidadão de bem. Conversamos um pouco e ouvi dele palavras carinhosas, respeitosas, que me fizeram perceber que, realmente, é uma pessoa de qualidades admiráveis: educado, gentil, centrado, falante, desinibido, honesto, trabalhador e de caráter. Prometeu-me que sempre que passar pela minha rua, se eu estiver cuidando das flores, vai parar para conversarmos, quem sabe relembrar os tempos da escola.
A noite se avizinhava. Entrei, relatei a meu marido o que ocorrera e pude contar, mais uma vez, com seu apoio e entendimento. Ele sabe muito bem o que significou, na minha vida, ser professora e principalmente no GE.
O tempo, ah, o tempo continuou esvaindo-se na ampulheta do meu dia. Ao olhar-me no espelho, no momento que antecede o banho, percebi, não as minhas rugas naturais da idade, mas, claramente, um olhar mais doce e um sorriso, aparentemente, sem causa. Caramba, como foi bom rever meu ex-aluno!
“Ninguém irá reparar nas rugas enquanto houver brilho nos olhos.” (Autor anônimo)
(*) Aldora Maia Veríssimo - Presidente da AVL

José Saramago foi um escritor português nascido em 1922 e falecido em 2010. Consagrou-se mundialmente, inclusive no Brasil, onde se tornou um dos autores mais lidos. Suas obras são realistas, apresentam temática social, crítica política e religiosa, com elementos do realismo fantástico, e a defesa do protagonismo humano como solução para os problemas sociais.
Com sua originalidade, deu grande visibilidade à prosa em língua portuguesa. Ganhou o Prêmio Camões em 1995 e em 1998 foi agraciado com o Prêmio Nobel de Literatura.
Entre as características da obra de Saramago, sua singularidade em relação ao uso da língua portuguesa, deu-lhe grande visibilidade entre os maiores escritores do mundo por “brincar” com a pontuação e adotar uma escrita inovadora em seus textos. Em suas obras a pontuação não é convencional, os pontos finais só aparecem ao fim dos parágrafos, que normalmente são longos. Nos diálogos, os travessões são excluídos e a interpretação da fala dos personagens é, muitas vezes, confundida com a autorreflexão. Essa estratégia cria sentidos ambíguos, uma vez que se torna difícil saber exatamente quem está falando. Isso exige atenção redobrada do leitor.
A “História do cerco de Lisboa”, discutida em 26 (sábado último), pelo Clube de Leitura da AVL, narra a vida de Raimundo Benvindo Silva, um humilde revisor de textos que, ao revisar um livro sobre a história do cerco de Lisboa, comete propositalmente um erro: acrescenta a palavra “não” a uma frase e, desta forma, altera o fato histórico que revela o apoio dos cruzados aos portugueses, fator decisivo para garantir o cerco e a consequente queda de Lisboa.
Enviado o texto à editora, descobre-se o erro após a impressão e a editora resolve o problema acrescentando uma errata. A editora não o demite, mas contrata Maria Sara para supervisionar seu trabalho. Tentando entender a causa do erro, a supervisora percebe que Raimundo não admitirá a alteração, e incentiva-o a reescrever tal episódio da história de Portugal, conforme seu ponto de vista. Enquanto reescreve a história, inicia um relacionamento com Maria Sara.
A “História do cerco de Lisboa’ retoma um fato histórico de Portugal, ocorrido em 1147, misturando o evento real e a ficção. O personagem Raimundo Silva, revisor de livros, ao introduzir, propositalmente o advérbio “não” em um livro de história real faz nascer a ficção ou literatura. Com isso, Saramago propõe uma análise sobre o papel do escritor e desencadeia uma reflexão sobre a proximidade do texto histórico com o texto literário.
A narrativa se desenrola em diferentes planos: a história real do cerco de Lisboa, a história criada por Raimundo, gerada a partir da inclusão do “não” e a do próprio narrador. Essa alteração mudou totalmente a vida de Raimundo; abriu-lhe a possibilidade de se tornar escritor, proporcionou-lhe conhecer Maria Sara e viver um grande amor.
Além disso, coloca-se em pauta o questionamento: o que é a verdade histórica ou a escrita da verdade histórica. Na verdade, a escrita, mesmo quando não tem intenções ficcionais, é proveniente da interpretação do passado e da visão de mundo de quem escreve. Sendo assim, é válido afirmar que a história não deve ser colocada como uma verdade absoluta, pois sempre será contada de acordo com as escolhas, a visão e a interpretação de quem escreve. Assim, em toda boa obra a palavra e a escrita estão a serviço do autoconhecimento e/ou conhecimento do ser humano.
Assim, José Saramago, um dos mestres da literatura portuguesa contemporânea, em narrativas entretecidas magistralmente, expõe neste livro, as possibilidades da literatura como meio de recriar o passado e o presente, o vivido e o narrado e promover no leitor, entre outras coisas, o fortalecimento do senso crítico.
“Eu sou um céptico profissional. Vivemos num mundo de mentiras sistemáticas.”
(José Saramago)
(*) Aldora Maia Veríssimo - Presidente da AVL

A Cidade e as Serras é um romance de Eça de Queiroz, autor do Realismo português, e pertence à última fase de produção do escritor. Foi publicada em 1901, ano seguinte à morte do autor. Tem 16 capítulos, é uma crítica à vida urbana, à tecnologia e à revolução industrial. Nessa obra, cidade versus campo é a principal temática em cena, que tem como ambiente temporal o século XIX.
O romance é narrado por José Fernandes, amigo do protagonista Jacinto. A narração tem início com a apresentação de Jacinto e sua família. Jacinto vive em Paris. Seu avô (Jacinto Galião) havia deixado Portugal para viver na França quando D. Miguel (irmão de D. Pedro I) mudou-se para a França.
O pai morrera jovem, antes de Jacinto nascer, mesmo assim, o menino foi uma criança feliz e tudo lhe corria bem. Por esse motivo, seu amigo José Fernandes o apelidara de “O Príncipe da Grã-Ventura”.
José Fernandes expulso da Universidade em Portugal, também foi para a França. Tempos depois regressa a Portugal para cuidar das terras da família, onde permanece por sete anos, retornando depois para Paris, onde encontra seu amigo rodeado de inovações tecnológicas: telégrafo, elevador, aquecedor, entre outros.
Ao longo do romance, são narrados episódios em que acontecem falhas nos equipamentos modernos de Jacinto na mansão onde vive, o n.º 202 dos Campos Elísios: falta de luz, problemas no elevador e no encanamento, entre outros.
Um dia, Jacinto recebe a notícia de que a igrejinha onde estavam os restos mortais dos seus antepassados tinha sido soterrada. Deu ordens para a reconstrução. Quando concluída resolve ir para Portugal.
Sua viagem foi preparada com três meses de antecedência. Jacinto enviou todo o mobiliário de Paris para Portugal porque queria encontrar lá o mesmo ambiente da mansão em que vivia na França. Quando chega a Tormes (Portugal), a mudança ainda não havia chegado e ele tem de passar dias dormindo em um colchão de palha e comendo modestamente.
Desconfortável, Jacinto decide que deve passar uns tempos em Lisboa, mas já gosta da paisagem e isso faz com que permaneça no campo, apesar da simplicidade.
Ao regressar para Tormes, Zé Fernandes encontra o amigo cosmopolita, bem disposto e alojado, despreocupado com os móveis, roupas e utensílios que haviam se extraviado.
Certo dia, Jacinto encontra uma criança, filho de um empregado e a acompanha até sua casa e fica impressionado com a miséria em que eles vivem. Resolve ajudar e melhorar as condições dos seus empregados com aumento de salários e construção de infraestrutura. As pessoas ficam encantadas e passam a expressar uma certa gratidão e devoção a Jacinto.
Finalmente, Jacinto conhece uma moça chamada Joaninha, prima de Zé Fernandes, com quem se casa tempos depois. Bonita, simples, saudável e com promessas de uma profícua e fecunda maternidade.
Chegando a mobília e equipamentos enviados de Paris, a maior parte foi guardada no sótão, com exceção de algumas poucas coisas, o telefone, por exemplo.
Jacinto, que em Paris, o centro do mundo naquela época, não conseguia se imaginar sem as modernices dos equipamentos, e percebendo a dependência e problemas que essa mesma modernidade potencializava, regressa às suas origens, em Portugal, o que provoca nele uma significativa transformação: passa a valorizar a natureza e abre mão das tecnologias. A simplicidade da vida no campo o leva a expressar seus melhores sentimentos em relação aos menos favorecidos, tornando-o um ser humano melhor.
O detalhismo próprio do Realismo do momento, o linguajar e as expressões do português falado em Portugal, dão à obra um sabor e uma leveza que motivam o leitor a devorar as quase 300 páginas da obra. É um clássico da Literatura Portuguesa, merece ser lido e apreciado.
Essa foi a obra discutida pelo Clube de Leitura da AVL, em 19 último, na mansarda do acadêmico Aldir Soriano.
“Os sentimentos mais genuinamente humanos logo se desumanizam na cidade.” (Eça de Queiroz)
(*) Aldora Maia Veríssimo - Presidente da AVL

Temos ouvido em alguns canais de TV e visto em alguns sites das redes sociais, referências ao centenário da Semana de Arte Moderna no Brasil. Independentemente do conhecimento que se tenha sobre o assunto, acredito que é válido abordar o assunto, desvinculado de caráter pedagógico, apenas para reavivar esse momento ímpar da arte brasileira.
A Semana de Arte Moderna, também chamada de Semana de 22, ocorreu em São Paulo, entre os dias 13 e 17 de fevereiro de 1922, no Teatro Municipal da cidade. O governador do estado de São Paulo da época, Washington Luís, apoiou o movimento, patrocinando artistas que participariam do evento. Em cada dia da semana foi trabalhado um aspecto da cultura: pintura, escultura, literatura e música. O evento marcou o início do modernismo no Brasil e tornou-se referência cultural do século XX.
A Semana de Arte Moderna representou uma verdadeira renovação na expressão artística, liberdade de criação, ruptura com o passado e a arte, então, inaugurou o modernismo brasileiro. O evento marcou época ao apresentar novas ideias e conceitos artísticos na poesia declamada, nas estruturas narrativas, nos concertos musicais, nas artes plásticas que abandonam as cores suaves e os traços acadêmicos, a escultura e arquitetura que optaram pelos traços arrojados.
Aos olhos do comportado público romântico e parnasiano acostumado ao belo, ao simétrico e ao apuro estético, a Semana de Arte Moderna provocou estranhamento e aversão. O cidadão comum, a princípio espantado, acabou por aplaudir as inovações, as esquisitices e a quebra de paradigmas. Os principais nomes do evento foram os escritores Mário de Andrade, Menotti del Picchia e Oswald de Andrade, os artistas Anita Malfatti e Di Cavalcanti e os músicos Villa-Lobos e Guiomar Novais. A ideia era provocar a imprensa, fazer muito barulho, para apresentar ideias de vanguarda, muitas advindas da Europa.
Foi a partir da Semana de Arte Moderna que, aos poucos instaurou-se a liberdade de criação/expressão surgindo novas formas de narrativas em prosa e em verso, onde o vocabulário das obras escritas se aproxima da linguagem coloquial, passa-se a valorizar o cotidiano, a crítica à burguesia, uso de temas nacionalistas e valorização da identidade e da cultura brasileiras, ruptura com o academicismo e tradicionalismo. A métrica e a rima em poesias perdem importância, romances como “Macunaíma, o herói sem nenhum caráter”, de Mário de Andrade, chocam os leitores pela inovação temática e estrutural, também nas questões de tempo e espaço, e Tarsila do Amaral espanta pelas formas e cores inusitadas em seu quadros como “Abaporu” (aquele que come).
A simplicidade do vocabulário (o português do Brasil), a estilização e a rebeldia das cores, a crítica social (Ode ao burguês), a valorização da rotina e dos personagens comuns repercutiram por algum tempo, reverberando, inclusive no movimento tropicalista.
Enquanto cultura em formação, o Brasil, naturalmente seguia os cânones das artes tradicionais do velho mundo e a ruptura forte provocada pela Semana de Arte Moderna possibilitou a identidade da arte brasileira.
Alterando-se os fundamentos, aproximando-se da realidade e do despojamento, tornando-se mais democrática, abriram-se possibilidades para novos artistas e novas tendências, como vemos nas últimas décadas: uma diversificação de estilos e temas, uma aceitação da livre criação, a influência e a intertextualidade, a ousadia e o desregramento, acolhendo-se todas a correntes e todas as manifestações artísticas. Afinal, a arte é para poucos ou para todos?
Todas as artes contribuem para a maior de todas as artes, a arte de viver. (Bertolt Brecht)
(*) Aldora Maia Veríssimo - Presidente da AVL

Minha geração foi educada para o casamento, profissão, estabilidade, patrimônio, ter filhos, escolarizar os filhos, auferir bens, ter netos e uma velhice tranquila.
Nascemos em famílias com esses valores que nos são repassados naturalmente e, na maioria das vezes, não questionamos, sequer imaginamos que a vida possa ser diferente desses moldes que nos são apresentados. E a quase totalidade de mulheres e homens da minha geração acabam por seguir esses parâmetros, acreditando que são a fórmula da felicidade.
Sou de índole e formação conservadora e sinto-me confortável nesse padrão embora com seus percalços e dificuldades; por isso, espíritos “fora da curva” costumam me incomodar, deixam-me na defensiva, talvez por não conhecer outros jeitos de viver e, portanto, não acreditar serem possíveis.
Há muito uma figura comum nos acostamentos das estradas, nas regiões interioranas ou nas regiões metropolitanas, me incomoda: o andarilho. Nos dicionários, andarilho é o indivíduo que anda muito, vagueia, anda de forma errante.
Sempre que em alguma viagem longa ou curta passamos por algum andarilho, minha vontade é parar o carro, aproximar-me do indivíduo e conhecer-lhe as causas dessa vida itinerante. A figura de um andarilho é impactante: roupas puídas, pés descalços ou de chinelos, camisas sobrepostas, calças amarradas com fios de corda ou barbante, cabelos compridos, um velho boné e uma extrema magreza que evidencia uma palidez preocupante. Um velho saco completa o personagem, no qual, provavelmente leva algum pertence ou quem sabe algum resquício da vida pregressa.
Pergunto-me: será que teve ou tem esposa? Tem filhos? Tem bens, casa, terras, enfim, tem vínculos ou raízes? Ainda terá pai e mãe? Irmãos? O que pensa, o que quer, o que almeja? Tem sonhos a serem alcançados ou sonhos que já se desfizeram e desapareceram no pó da estrada? O que o terá afastado do círculo familiar: uma grande decepção ou um sonho de liberdade que nem todos podem entender?
Percebo que ao passar um carro ao lado de um andarilho, o mesmo sequer olha, ignora o por completo, como se não o percebesse. Suas vestes precárias, quase reveladoras do corpo magro, parecem ser segunda pele, em tudo sua figura parece ser menos, mas os cabelos, normalmente compridos, livres ao vento remetem à liberdade e ao descompromisso, sugerem desapego, ruptura de laços, despojamento absoluto.
Quando o sol poente indefine as imagens e sugere sombras ameaçadoras, quando a noite vem e a escuridão se impõe, o que acontece com o andarilho? A grama é o seu colchão e as estrelas o seu cobertor? Nesse momento não se reavivam as lembranças da vida abandonada? Um amor inesquecível, um filho que não viu crescer, um calor humano para aquecer o coração e os ossos! Será a noite pior que o dia? Sem lua que possa atrair mariposas? Noite sem vagalumes, escuridão amiga que protege sentimentos guardados a sete chaves, não fotografáveis, nem desvendáveis em câmaras escuras mas sempre presos em seu olhar indecifrável?
Mas, como tudo muda, na sequência virá como recompensa, venturosa manhã com outras paisagens e outros caminhos. E outros dias virão, quando veremos, em seu silencioso caminhar à margem da sociedade, entre árvores ou sob o sol causticante, pensamentos bons e claros, sonhos puros e simplistas, característicos dos espíritos livres que em sua peculiar maneira de vive, amiúde meditativo e esporadicamente feliz, sedimentam suas escolhas: andarilho por opção e por filosofia de vida.
“Somos todos andarilhos a vagar num mesmo deserto cheio de pessoas”. (Pedro Aquino de Mello e Cunha)
(*) Aldora Maia Veríssimo - Presidente da AVL

O ano era 1968. Eu frequentava o Curso Normal, de formação de Professores, no IE “Antonio Marinho de Carvalho Filho”. Estávamos na aula de Biologia, a professora nos pediu que formássemos grupos de 4 elementos onde deveria haver meninos e meninas. E assim fizemos. Ela então entregou a cada grupo um exemplar da revista Realidade. Com essa revista faríamos uma pesquisa que segundo ela seria marcante em nossas vidas. Esse seria o conteúdo que estudaríamos naquele bimestre.
A revista Realidade era um êxito editorial na época. Teve seu lançamento por volta de 1966 e se destacava por um jornalismo ousado, informativo e de qualidade. A revista que nos fora entregue era uma edição especial que trazia em fotos coloridas toda a evolução de um bebê desde a fecundação até a hora do nascimento.
A revista mostrava a vida intrauterina dividida em fases: 1º trimestre, 2º trimestre e 3º trimestre: embrião, feto e a prontidão para o nascimento.
Os tempos eram outros, não tínhamos acesso a essas informações de maneira tão clara, objetiva e em linguagem direta como a revista nos apresentava. As fotos mostravam todos os detalhes da formação do embrião, do feto e o nascimento. Devo confessar que nós, as meninas, sentimo-nos, a princípio, meio constrangidas, afinal tudo aquilo era novidade e muito íntimo para nossa ingenuidade. As fotos eram de uma clareza impressionante, fruto de um trabalho jornalístico impecável.
Surgiram conversinhas paralelas, formaram-se “pseudo casais” papais e mamães para os bebês em formação. Mas, realmente, vimos e aprendemos como se dava a evolução de um embrião, passando a feto e as circunstâncias de um parto normal. Foi mesmo um momento marcante em nossa vida escolar, em termos de informações e, por que não dizer, de preparação para o ‘casamento’ conforme alguns setores retrógrados da sociedade da época. Conforme dissera a professora Rosilux, essa atividade de pesquisa, marcou mesmo as nossas vidas. As imagens que visualizamos, as fases do desenvolvimento do bebê permearam as minhas duas gestações, sentia-me preparada (?) porque tinha gravados em minha mente os detalhes da evolução desde a união do óvulo e do esperma até completar-se o ciclo para o nascimento de uma nova vida. Essa aprendizagem foi acessada também quando da gestação dos meus dois netos Daniel e Bruno. Acompanhei o surgimento e o crescimento do ventre de minha nora, sentindo-me ‘conhecedora’ mas com o interesse marcado pelo inusitado prazer de estar me tornando avó.
Agora todas essas memórias voltaram à tona; vejo-me, novamente, invadida pela emoção de acompanhar o desenvolvimento de mais um bebê: o Theo está chegando. Mais um neto, desta vez, é o filho de minha filha. E eis-me, novamente, emocionada, fragilizada, sensibilizada e forçando meus registros mentais para relacioná-los à idade gestacional de nosso bebê. Mas, agora, tudo está diferente. Posso ver o ultrassom e perceber as mãozinhas, as perninhas, o perfil do rostinho, enfim, todas as maravilhas da natureza e da bondade divina, através da tecnologia do momento. Posso ver o crescimento da barriga da futura mamãe, embora morando distante, todas as semanas por fotos ou vídeos. Posso receber as fotos da evolução do bebê em meu celular. Posso até, pensem no ‘mico’, conversar com o Theo, porque a mamãe coloca o celular em viva voz próximo à já saliente barriguinha! Enfim, faço-me presente, embora estando a quase 300 km de distância.
Nos radicais gregos, Theo significa Deus. Todos sabemos que cada ser humano é criado à imagem e semelhança do PAI e assim é com nosso Theo. O momento transbordante de amor, me fez reativar também o meu vocabulário afetivo em uso desde o nascimento dos primeiros netos; agora, cabe-me utilizar mais amiúde os mais doces vocábulos da língua portuguesa: amorzinho, queridinho, docinho, coisa linda ... da vovó!
“Os filhos dos filhos são uma coroa para os idosos...” (Provérbios 17:6)
(*) Aldora Maia Veríssimo - Presidente da AVL

Estamos às vésperas do Natal, mais uma vez. Bruno, meu neto mais novo, ajudando-me a colocar os presentes sob a árvore, erguendo o dedinho indicador, disse o que ouvira na Igreja: Vovó, o mais importante do Natal é Jesus!
Estive pensando nesse fato de infinita significância. Como teria realmente ocorrido o nascimento de Jesus? Humanamente pensando.
Pesquisei:
“Em uma cidade chamada Nazaré, na Galileia, Maria, uma virgem de cerca de 14 anos, foi prometida em casamento a um homem chamado José, conforme os costumes da época, mais velho que ela. Certo dia, um Anjo surgiu para Maria e disse: “Alegra-te, cheia de graça, o Senhor está contigo! Eis que conceberás e darás à luz um filho, a quem porás o nome de Jesus. [...] O menino que vai nascer será chamado Santo, Filho de Deus”. “Eis aqui a serva do Senhor, faça-se em mim segundo a tua palavra”! disse Maria e o Anjo retirou-se. Maria acha-se grávida, apesar de ainda não ter se unido a José.
José, seu marido, um homem justo, frente à gravidez e não querendo expô-la à desonra pública, pretendia anular o casamento secretamente. Mas, apareceu-lhe um Anjo do Senhor em sonho e disse: “José, filho de Davi, não tema receber Maria como sua esposa, pois o que nela foi gerado procede do Espírito Santo. Ela dará à luz um filho, e você deverá dar-lhe o nome de Jesus, porque ele salvará o seu povo dos seus pecados”.
Os Evangelhos registram que José e Maria viviam em Nazaré, mas tiveram que deixar a cidade para responder a um censo. O imperador Augusto decretou que todas as pessoas tinham que se registrar no local onde haviam nascido. Como José era descendente da família do Rei David, saiu para Belém com a mulher grávida.
Maria estava quase no final de sua gravidez, completando os nove meses. Enfrentaram uma viagem de 156 quilômetros, o que representou uma provação penosa para o casal, as estradas eram de difícil percurso, montanhosas, esburacadas, com pedras soltas, um sol escaldante, e o único meio de transporte disponível era o burro ou o camelo. Acredita-se que o casal tinha à sua disposição um burro. José, já não era tão jovem e Maria estava às vésperas do parto. Eles provavelmente dormiram três ou quatro noites sob as estrelas ou em hospedarias de beira de estrada. Viajaram quase 04 dias. Não há como não pensar no sofrimento de Maria, tão jovem, gravidez adiantada, sobre um burro, trotando por longas horas e longas distâncias.
Maria entrou em trabalho de parto assim que chegou à cidade de Belém. Não encontraram hospedagem, devido ao grande fluxo de pessoas e por essa razão, o casal se ajeitou em uma estrebaria e, nascendo, o Menino Jesus foi enrolado em panos e colocado em uma manjedoura, o coxo dos animais, simulando um bercinho. (Assim teve início a tradição dos presépios que se mantém viva até hoje.)
Depois que Jesus nasceu, em Belém da Judéia, (eram os tempos do rei Herodes) reis magos vindos do oriente chegaram a Jerusalém, seguindo uma estrela para adorar o recém-nascido Rei dos Judeus. A estrela que tinham visto no oriente foi adiante deles, até parar sobre o lugar onde estava o Menino. Ao entrarem, viram o bebê com Maria, sua mãe, e, prostrando-se, o adoraram e lhe deram presentes: ouro, incenso e mirra.
A mirra era uma substância usada para embalsamar corpos, referência ao sacrifício previsto para Jesus e sua ressurreição. O ouro representava a realeza do Menino, ressaltando que ele era o Rei dos judeus. O incenso usado nos templos, era um presente exclusivo aos sacerdotes, reforçando, assim, a divindade de Jesus.
Novamente, em sonho, José é avisado do perigo que Herodes representava para o Menino Jesus, por questões de poder político. Para protegê-lo, Maria e José saem de Belém oito dias após o nascimento e viajam para o Egito, submetendo-se, novamente, às agruras de uma viagem árdua, excruciante, agora com um bebezinho recém-nascido.
O Menino cresceu e marcou a história da humanidade com o seu sacrifício de morte na cruz para nos salvar. Mas isso é assunto para outro momento. Agora, o que nos cabe é celebrar o nascimento do Menino Jesus, enaltecer sua obediente Mãezinha e José, seu compreensivo Pai terreno.
“Eis que a virgem conceberá, e dará à luz um filho, e chamá-lo-ão pelo nome de Emanuel, que traduzido é: Deus conosco” (Mt 1:23).
(*) Aldora Maia Veríssimo – Presidente da AVL

Escrito em 1948 (daí a inversão: 1984) e publicado em 1949, esse foi o livro discutido pelo Clube de Leitura da AVL, em sua primeira reunião presencial pós pandemia. Classificado como ficção utópica e distópica, essa foi, sem dúvida, a leitura que mais me incomodou, nos últimos tempos.
A obra é baseada em um regime político totalitarista e nos mostra as consequências da manipulação de massa, do controle da vida das pessoas e total vigilância dos indivíduos. Para tal, Orwell afirmou inspirar-se na reunião dos líderes dos Aliados na Conferência de Teerã, em 1944, cuja pauta fora a Segunda Guerra Mundial.
O livro nos apresenta uma sociedade oprimida pelo regime totalitário nas décadas de 30 e 40, em três nações: Oceania, Eurásia e Lestásia, em constante conflito bélico. Eram nações governadas pelo totalitarismo, e coordenadas pelo “Grande Irmão”, uma figura retratada em enormes cartazes espalhados por todos os espaços, com o objetivo de vigiar as pessoas. Daí se originou a expressão “Big Brother” no ramo do entretenimento.
Winston é o protagonista da narrativa, reside em Londres, na fictícia Oceania, adepto do Partido, encarregado de apagar, mudar ou fazer desaparecer aspectos da História que não convergissem com os ideais do regime. As estatísticas eram manipuladas para que tudo parecesse bom, os jornais eram alterados e a história reescrita. O lema do Partido era “Guerra é paz. Liberdade é escravidão. Ignorância é força.” O poder era representado por apenas quatro ministérios: Ministério da Verdade, responsável por tudo o que é escrito; Ministério da Paz, responsável pela guerra; Ministério da Fartura, responsável pela economia e Ministério do Amor, responsável pelo controle da população. Pelas ruas viam-se cartazes com o escrito: “O Grande Irmão está de olho em você”.
Havia ainda as “teletelas”, ferramentas de controle espalhadas por todos os cantos, transmitindo mensagens e monitorando as reações das pessoas. Funcionavam como televisores e câmeras, porque o Grande Irmão, ditador e líder máximo, devia ver e saber tudo, embora nunca tenha sido visto por ninguém, para que cada um moldasse uma imagem dele, conforme seu medo.
O intenso controle sobre a população, a doutrinação incessante através das teletelas, a distorção da realidade, o racionamento da alimentação e dos bens, era potencializado pela “Semana do ódio” e pelo enquadramento em “crimideia”, pelo duplopensar, caso questionassem o partido.
Particularmente, o mais impressionante era o “novidioma” ou o cancelamento de palavras, a proibição de determinadas expressões, restringindo a língua a poucos e escassos termos, o que por consequência implica o embotamento do raciocínio. Se não posso falar, deixarei de pensar sobre. Talvez uma das maiores violências: coibir a comunicação. A novilíngua visava travar o pensamento através da diminuição do vocabulário.
Muito impactantes foram as descrições da tortura imposta a Winston, quando, apaixonado por Júlia, tenta se colocar contra o partido. As sessões de perguntas objetivando a alteração de convicções e consequente lavagem cerebral, causam repulsa e indignação. Friamente, meticulosamente, o processo de esvaziamento se impõe e gera resultados, após passarem pelo quarto 101, considerado o “pior lugar do mundo”.
A tortura só cessa quando são convencidos das qualidades do Partido e do Grande Irmão. Infelizmente, há inúmeras relações que podem ser estabelecidas entre a ficção em tela e a realidade atual.
Por isso, “1984” (publicado em 1949) “é uma obra rara, que fica mais assustadora à medida que sua trama se torna mais real a cada dia que passa. (...) O brilho dessa obra está na previsão sobre o futuro, sobre a vida moderna: a onipresença da televisão (ou pequenas telas), a distorção da linguagem, o engano oficial, a manipulação da História por um regime totalitário.”
George Orwell morreu, de tuberculose, sete meses após a publicação de “1984”. Seu maior legado foi a lucidez política. Infelizmente, há quem não se aproprie.
“Cortamos o vínculo entre filhos e pais, entre homem e mulher. Ninguém mais se atreve a confiar na esposa ou em um filho ou amigo. (...) Não existirá amor, exceto o amor pelo Grande Irmão.” (pág. 288-89)
(*) Aldora Maia Veríssimo – AVL – Cadeira nº 04

É comum, no facebook, aparecerem fotos antigas de brinquedos ou utensílios que fizeram parte da vida dos que têm mais de quarenta anos. Lembranças nostálgicas e afetivas! Dia desses, entre essas imagens havia uma carteira escolar semelhante às da minha infância, já distante.
Feita de madeira maciça, escurecida pelo uso, dupla, ou seja, dois alunos ocupavam a mesma carteira, com pequenos sulcos para colocarmos nossos lápis e canetas e um buraco, compartilhado, onde colocávamos o tinteiro e mergulhávamos nossas canetas para escrevermos com tinta, isso quando estivéssemos no 3º ou 4º ano, do antigo primário.
Normalmente sentávamos duas meninas ou dois meninos e, raramente, para castigar algum aluno mais peralta, obrigava-se o traquina a sentar-se com uma menina. Isso era “degradante” tanto para o menino que estava sendo castigado quanto para a menina inserida à revelia nesse processo. Ambos, envergonhados, sentavam-se de maneira a não se olharem.
Em época de provas, a grande maioria não arriscava sequer uma olhadela para a prova do parceiro de carteira; se soubéssemos a matéria, ótimo, se não soubéssemos, não tínhamos coragem para burlar as regras impostas pelo professor e o respeito que aprendêramos em casa.
Tirar notas altas era exigência dos pais, “colar” do colega era algo impensado pela maioria; entendíamos que a prova era para verificar o que “sabíamos” e não para testar nossa “esperteza” ou desonestidade!
Éramos ingênuos e puros, nossas maldades eram quase inofensivas; mas, não raro, qualquer atitude desagradável se transformava em uma promessa de briga após o término da aula. Quem não se lembra do sinal de que haveria “pancadaria” na saída da escola? Mão fechada, apontada para o nariz, como se fosse amassá-lo, simbolizando os prováveis socos ou murros que seriam dados na criatura merecedora!
E era um espetáculo imperdível, todos se posicionavam: uns torciam pelo desafiante e outros pela “vítima”. Formava-se um círculo em torno dos ou das “combatentes”. Sim, as meninas também brigavam na saída da escola! Às vezes os ataques eram sérios: nariz sangrando, tufos de cabelo arrancados. Se fossem meninas, então, erguer a saia era o alvo mais visado. E a torcida se exaltava: gritos, conselhos, ofensas, e assim ia até que alguém dos maiores resolvesse interferir, mas só após alguns minutos de sopapos trocados. Às vezes, algum funcionário aparecia e todos debandavam deixando o ajuste de contas para outra ocasião. Mas era muito raro que alguém da escola interferisse: do portão para fora, a escola não era responsável pelos alunos.
Na escola onde estudei os quatro primeiros anos, havia uma cerca de madeira, que não tinha mais que um metro de altura e o portão ficava sempre aberto. Não havia preocupação com entrada de estranhos ou fuga de alunos. Acredito que a humanidade era essencialmente mais dócil, gentil e os valores aprendidos em casa faziam toda a diferença.
Ter a Bandeira Nacional em sua classe por ter 100% de presença era um mérito que valorizávamos muito. Cantar o Hino Nacional e ser escolhida para segurar a Bandeira Nacional, à frente de todos, era um privilégio para poucos, só os melhores alunos eram escolhidos.
Ao ouvir relatos de ocorrências em sala de aula, atualmente, me pergunto onde foi que nos perdemos? Como se permitiram tais interferências sociais e/ou morais que degradaram tanto a relação professor/aluno? O que estamos fazendo ou deixando de fazer pelas nossas crianças e adolescentes em nossas casas, nossas famílias e em nossas escolas? Como será o futuro de nossas crianças se não estamos cuidando adequadamente do momento presente?
“A Educação tem a nobre tarefa de preparar as novas gerações.” (Pitágoras)
(*) Aldora Maia Veríssimo – AVL – Cadeira nº 04

Há alguns dias ouvi uma entrevista do Programa “Conversa com Bial”. O entrevistado era Neil deGrasse Tyson: um renomado astrofísico, escritor e divulgador científico americano. Diretor do Planetário Hayden no Centro Rose para a Terra e o Espaço e Investigador Associado do Departamento de Astrofísica no Museu Americano de História Natural. Formado pela Universidade Columbia, 63 anos.
Na entrevista, Neil leu uma “Carta ao Brasil” (sua autoria) em que referindo-se ao nosso país como um personagem, fala dos aspectos da cultura brasileira que qualquer americano já ouviu falar: samba, mulatas, carnaval, praias, futebol e o café brasileiro.
No decorrer, enaltece o fato de centenas de aviões que cruzam os céus pelo mundo serem de fabricação da EMBRAER, cuja identificação nem sempre é visível. Lembra que temos a maior e mais importante floresta tropical do mundo ainda preservada, temos o maior rio do mundo que despeja no oceano uma imensidade de água, lembra que foi Santos Dumont um engenheiro brasileiro que criou a navegação em um dispositivo mais pesado que o ar, diz que o Brasil é líder em produção do biocombustível tão essencial à vida na Terra, somos a 6ª maior indústria espacial do mundo e líder em Tecnologia da Informação na América latina.
Cita que o primeiro e único astronauta sul-americano e lusófono a ir ao espaço, é brasileiro: Marcos Pontes, Engenheiro, Astronauta, Tenente Coronel da Força Aérea Brasileira, em missão batizada “Missão Centenário”, em comemoração aos cem anos do voo de Santos Dumont, no avião 14-bis.
Lembrei-me, então, da expressão “complexo de vira-lata” que é internacionalmente atribuída aos brasileiros. A expressão foi cunhada em 1950 pelo jornalista e dramaturgo brasileiro Nelson Rodrigues, como sendo “a inferioridade em que o brasileiro se coloca, voluntariamente, frente ao resto do mundo”. Refere-se à falta de autoestima; tudo teria começado com a derrota da seleção brasileira na Copa de 50. A expressão se alastrou pelo mundo e os brasileiros, ainda hoje, são vistos como seres inferiores. É comum os brasileiros terem um comportamento autodepreciativo, de si ou de outro brasileiro, e ao mesmo tempo enaltecer tudo o que é de fora do Brasil, normalmente sem conhecer. Até Monteiro Lobato, nobre e respeitado escritor, entre outros, defendia e alimentava essa falta de autoestima com comentários que diminuíam o povo brasileiro.
Em tempos de pandemia, com extremismos se sobrepondo à solidariedade e ao bem comum, com o mau-caratismo grassando a olhos vistos, com o embotamento dos sentidos e da capacidade de análise, onde as palavras sinalizam absurdos e as atitudes são desvirtuadas, de certa forma estamos “colocando sal” em uma ferida que nunca sarou: os brasileiros estão novamente se sentindo inferiores a todo mundo; estamos com medo do futuro, tristes pelas perdas e envergonhados com a estrutura política do País. As notícias controvertidas pelo viés político amarguram e obstruem qualquer possibilidade de sucesso.
Causou-me estranhamento ouvir um americano elencando fatos dos quais deveríamos ter orgulho, mas a maioria desconhece ou não observe. Os argumentos dele procedem. Então, por que somos tão duros em relação à nossa terra natal e às nossas conquistas, que
poderiam ser maiores e mais significativas, mas, há o que aplaudir, há o que valorizar, há motivos para orgulho, há razões para acreditar!
Há quem tenha dito que “a miscigenação é a causa de nossos males”; que “viver nos trópicos, em clima quente e úmido, colabora para a preguiça dos nativos” (uma espécie de determinismo geográfico). Ainda conforme Nelson Rodrigues, a síndrome de vira-lata acaba por criar um “narcisismo reverso” fazendo com que a pessoa valorize o outro antes dela. Muitos brasileiros só enxergam coisas ruins a respeito de tudo o que os cerca, fazendo disso um “marketing” negativo. Por outro lado, o prejuízo que essa síndrome acarreta na nossa forma de produzir conhecimento e passá-lo aos jovens, é incalculável.
Um bom exemplo do complexo de vira-lata é a grande necessidade que o brasileiro tem em se autoafirmar como descendente de outras nacionalidades: “Sou brasileiro, mas meus avós são estrangeiros”. Parece-me que nos falta o sentimento de pertencimento à nação em que nascemos.
Embora cruel, vale relembrar Nelson Rodrigues: “O brasileiro é um narciso às avessas, que cospe na própria imagem. Eis a verdade: não encontramos pretextos pessoais ou históricos para a autoestima”.
(*) Aldora Maia Veríssimo – Membro da AVL

Estamos terminando 2021. Passamos 2020 e este ano confinados, amedrontados e desconfiados. Descrentes e decepcionados, não sabemos mais em quem acreditar ou em quem desacreditar.
Estamos começando a sair da toca como bichos, a quem faltou por muito tempo, nosso bem mais precioso: a liberdade de ir e vir.
Perdemos entes queridos muito próximos, perdemos pessoas que amávamos à distância, perdemos pessoas que pouco conhecíamos mas sabíamos da importância, perdemos celebridades. Cada pessoa que se foi deixou uma lacuna que só os que a amavam sabem definir. Chorou-se muito; medo, espanto, pressentimentos, coração apertado, angústia, tudo nos acometeu nesses mais de 700 dias de pandemia.
E agora? No Brasil, parece que estamos no caminho certo: vacinação avançando, número de mortes e de contágios caindo consideravelmente. Medidas preventivas mais suaves. Continuamos a usar máscaras ou não? Hospitais com leitos desocupados; enfim, passou o flagelo?
Países do primeiro mundo estão sendo, novamente, assolados pelo crescimento dos casos de Covi-19. Como explicar tal fato? E o Brasil, também passaremos por isso? Ou nosso esquema de vacinação e adesão superou os países ricos? Bah! Pilhéria!
O Carnaval está mesmo liberado? Depois teremos uma nova onda de casos de Covid e as tão conhecidas críticas das autoridades que tudo ou nada sabem, sobre a falta de responsabilidade do brasileiro? Vale a pena liberar o Carnaval quando estamos começando a respirar um pouco melhor? Ou os casos diminuíram coincidentemente às vésperas do Carnaval? Como vamos conter as aglomerações nos bailes e seguidores dos trios elétricos?
Estamos vacinados, alguns milhares até com a dose de reforço; mas, e as dúvidas, as inseguranças quanto à imunização ou não, e a tão falada permanência do vírus com a necessidade de vacinação todos os anos. Os problemas desapareceram ou a necessidade de ganhar dinheiro com o turismo e Carnaval anestesiou a todos?
As aulas foram mantidas sob a forma online até pouco tempo e de repente tudo clareou, a segurança voltou e alguns discursos mudaram completamente o tom! Desculpem, mas ainda tenho receios!
Se pudesse faria uma campanha para que o Carnaval fosse suspenso em todo o país. Que as pessoas continuassem voltando à vida normal paulatinamente. Uma coisa são as viagens em família, reuniões em pequeno número, outra coisa é o Sambódromo em São Paulo e a Sapucaí no Rio de Janeiro, transbordando de sambistas, espectadores e turistas. Parece-me que é sair do zero ao mil em pouquíssimo tempo!
Os que propalaram o “Fique em casa”, impeçam o Carnaval, por favor! Ou, que Deus se compadeça de nós!
As festas de fim de ano se aproximam. As famílias já podem se reunir; sabemos, entre nós, quem já está vacinado, quem apresenta sintomas ou não. Poderemos fazer nossa ceia de Natal e estarmos juntos na virada do ano, sem exageros numéricos, sem muitas misturas humanas, mas com a fé e o amor em alta, pois devemos celebrar porque estamos vivos e com saúde. E quando o ano virar para 2022, que ainda estejamos juntos e gratos, desfrutando as férias de nossos filhos e netos, cada vez mais saudáveis e seguros; que não precisemos nos arrepender por exageros cometidos ou chorar por quem não soube esperar a hora certa para extravasar sua alegria.
E a vida segue, apesar de tudo e Graças a Deus! Dona Cegonha que não nos deixe mentir!
“Então, teremos aprendido que podemos manter nossos relacionamentos mesmo à distância, teremos sabido descartar quem não tem de estar em nossa vida, teremos assumido o quão vulneráveis podemos ser à mudança de hábitos e teremos ampliado e melhorado nosso sistema de valores.” (Autoria anônima)
(*) Aldora Maia Veríssimo – Presidente da AVL

Esse é o título da nova série da Globo, em seis episódios, já disponível para os assinantes da Globoplay, desde 29 de novembro, escrita por Miguel Falabella. Mostra as desinteligências, de longa data, entre duas vizinhas, que “chegam sempre às últimas consequências”. (No momento será exibida pela TV aberta de 22 a 26 de novembro)
Apesar de a série ser escrita por Falabella, a história é verdadeira e resultou dos relatos de Eduardo Hanzo, em seu twitter, sobre as memoráveis brigas e discussões de sua avó e uma vizinha, inimigas desde sempre.
Conheci(emos) Eduardo durante a FLIP em julho de 2019, em Paraty. Eu, meu marido e o Dr. Tácito (vice presidente da AVL), fomos assistir a uma mesa de conversa na “Casa Globo”, da qual participariam Eduardo Hanzo, Aurora Black e Stella Yeshua, três ilustres desconhecidos para nós, com a mediação de Heloísa Perissé, então reconhecida artista. O evento era denominado
“Páginas reveladas: humor”, com o objetivo de mostrar o sucesso inesperado proporcionado pelas redes sociais.
Stella Yeshua, uma jovem garota, tornou-se conhecida a partir de um vídeo (que viralizou!) em que relatou uma situação de discriminação que sofrera, na praça de alimentação de um shopping; Aurora Black, que morava na zona rural de uma cidade do Rio de Janeiro, também se tornou conhecida por suas redes sociais em que expõe suas dificuldades quanto às questões de gênero, conseguindo milhares de seguidores com as mesmas angústias.
Por fim, o terceiro participante do debate, Eduardo Hanzo, um jovem muito simples, tanto na aparência quanto na comunicação, bastante tímido, ali estava porque as histórias narradas em seu twitter, sobre a avó, possibilitaram-lhe milhares de seguidores, e por obra do acaso, chegam até Miguel Falabella, que lendo as mensagens, e com sua natural perspicácia, sentiu-se atraído por ver nessa história verídica um excelente argumento para uma série humorística televisiva. E assim se deu.
Durante o evento, Eduardo relatou alguns episódios da histórica desavença entre sua avó e a vizinha: a Boi, que na verdade era chamada de “Vaca”; esse apelido foi alterado porque sua avó entendia que aquele era um termo machista.
Ao ouvir a conversa dos três ilustres desconhecidos, cuja mediação de Heloísa Perissé foi a grande responsável pelo humor e conteúdo do evento, conversamos sobre como a Internet transforma pessoas comuns em “celebridades instantâneas” não importando muito o valor artístico ou não do que fazem. Já então, comentamos, que das três novas celebridades, Eduardo teria nascido abençoado pelos “deuses” porque servir de argumento a uma obra de Miguel Falabella, certamente significa um bom começo para o sucesso.
Porém, agora, vendo as chamadas para a série “Eu, a Vó e a Boi” não consigo visualizar o nome de Eduardo Hanzo, nos créditos, e me pergunto: Todas as glórias serão para Miguel Falabella? O sucesso todo será para Miguel Falabella? E os dividendos, serão repartidos entre o criador da ideia original e o hábil escritor da obra adaptada para a TV?
Há informações de que Falabella acrescentou à trama outros personagens, mas nada que descaracterize a ideia primitiva. O que ouvimos sobre o conteúdo dos twitters de Eduardo Hanzo, no debate em Paraty, pareceu-nos já ter a marca irreverente e um tanto debochada dos sucessos de Miguel, a exemplo de “Pé na Cova”.
Agora é esperar para conferir: será mais um sucesso capitaneado por Miguel Falabella? E a Eduardo Hanzo, o que caberá?
“Entre a fama e o anonimato, em ambos existe o comércio: ou se compra ou se vende”. (Autor anônimo)
(*) Aldora Maia Veríssimo – Presidente da AVL

Não gostaria, mas estou melancólica e creio que minha ficha caiu. Não só eu envelheci, mas meus amigos também. Parece óbvio, mas estou falando de percepção e não de calendário!
A morte trágica de Marília Mendonça, independente de nossa apreciação pelo seu talento ou não, mexeu com meus sentimentos. Ouvimos várias vezes as pessoas dizendo: “Essa não é a lei natural da vida: uma mãe enterrar uma filha!”
Qualquer pessoa de boa índole deve ter se colocado no lugar dos familiares, amigos e funcionários e tentado mensurar o que significou essa partida prematura.
Ao mesmo tempo é um “sacode” para todos nós. A morte é natural, todos sabemos; ela não avisa, todos sabemos; devemos estar preparados, todos sabemos. Mesmo sabendo tudo isso, nem todos a encaram com a naturalidade necessária. Ninguém está preparado, acredito eu, para perder alguém, ainda mais quando se trata de jovens. Falando sério, perder velhos amigos também é muito triste.
Sempre que perco alguém que amo, sinto-me definhar também. E nessa levada, fiquei pensando nos familiares e nos amigos que amo. Há cerca de quinze dias ouvi um amigo maravilhoso, saudável, produtivo dizer: “Tenho adquirido tantos livros, que certamente não os lerei até a minha partida!” Fiquei vários dias com essa frase martelando na minha mente e inconformada com essa possibilidade tão certa, tão natural.
Em outro momento, ouvi um outro amigo, de longa data e de intenso afeto dizer: “Sei que estou no fim. Eu sei como tenho me sentido, nada específico, mas uma suave sensação de término!” Novamente fiquei entristecida, estado de negação, inconformismo visceral.
E hoje, ouvi: “Estou velhinho, com algumas comorbidades, minha memória está falhando... é a idade, não há como reverter!” Fiquei indignada, resmunguei, tentei dissuadi-lo e enquanto eu falava, com voz alterada pela emoção, ouvia seu riso claro e resignado.
Raciocinando friamente, é isso mesmo, somos finitos, mas admito, tenho dificuldade para encarar essa situação. Tenho convicções, acredito em Deus, mas acredito que preciso evoluir como ser humano para preparar meu espírito para o enfrentamento das despedidas. Assim espero, assim creio, assim quero evoluir. Cabe aqui um poema de Cora Coralina, que merece ser compartilhado:
Saber Viver
Não sei se a vida é curta
Ou longa demais pra nós,
Mas sei que nada do que vivemos
Tem sentido, se não tocamos o coração das pessoas.
Muitas vezes basta ser:
Colo que acolhe, braço que envolve,
Palavra que conforta, silêncio que respeita,
Alegria que contagia, lágrima que corre,
Olhar que acaricia, desejo que sacia,
Amor que promove.
E isso não é coisa de outro mundo,
É o que dá sentido à vida.
É o que faz com que ela
Não seja nem curta,
Nem longa demais,
Mas que seja intensa,
Verdadeira, pura... Enquanto durar!
(*) Aldora Maia Veríssimo – Presidente da AVL

Acredito que, no atual momento de pós-pandemia, poucas serão as pessoas que não perderam um parente ou amigo para a Covid 19. Assim sendo, como e o que falar sobre o dia 02 de novembro que é dedicado às homenagens aos mortos?
Também eu, como qualquer pessoa comum, perdi uma pessoa muito querida, recentemente, além de também já ter perdido, há algum tempo, meus pais e uma irmã. Não gosto de ir ao cemitério. Entristece-me muito. Prefiro considerar a morte do corpo e a imediata evolução da alma para o plano superior. Tento ignorar o sepultamento, porque acho muito cruel pensar nas consequências de tal fato.
Se pesquisarmos, rapidamente, na Internet, fácil será encontrar a história da instituição do Dia de Finados: datas, significados, quais religiões são adeptas; mas, acredito que a dor, o desconhecimento e a não preparação para o momento da perda é comum à maioria das pessoas. O mistério que envolve a morte, quando e como ocorre, o impacto, o inesperado, a impossibilidade de reversão, aumentam significativamente a dor de quem fica.
Confesso minha imaturidade para o enfrentamento da perda, por isso, entendo ser válido relembrar o belíssimo poema “A morte não é nada” que se atribui a Santo Agostinho, um importante filósofo e teólogo dos primeiros séculos do Cristianismo.
“A morte não é nada.
Eu somente passei
para o outro lado do Caminho.
Eu sou eu, vocês são vocês.
O que eu era para vocês,
eu continuarei sendo.
Me dêem o nome
que vocês sempre me deram,
falem comigo
como vocês sempre fizeram.
Vocês continuam vivendo
no mundo das criaturas,
eu estou vivendo
no mundo do Criador.
Não utilizem um tom solene
ou triste, continuem a rir
daquilo que nos fazia rir juntos.
Rezem, sorriam, pensem em mim.
Rezem por mim.
Que meu nome seja pronunciado
como sempre foi,
sem ênfase de nenhum tipo.
Sem nenhum traço de sombra
ou tristeza.
A vida significa tudo
o que ela sempre significou,
o fio não foi cortado.
Porque eu estaria fora
de seus pensamentos,
agora que estou apenas fora
de suas vistas?
Eu não estou longe,
apenas estou
do outro lado do Caminho…
Você que aí ficou, siga em frente,
a vida continua, linda e bela
como sempre foi.”
“A morte não é a maior perda da vida. A maior perda da vida é o que morre dentro de nós enquanto vivemos...” (Pablo Picasso 1881-1973)
(*) Aldora Maia Veríssimo – Presidente da AVL

O livro SIDARTA foi escrito por Hermann Hesse, um escritor e pintor alemão, naturalizado suíço. Nascido em 1877 e falecido em 1962. Prêmio Nobel de Literatura em 1946. É um dos livros mais lidos do mundo, excetuando-se a Bíblia. Sendo tema da reunião online do Clube de Leitura da Academia Venceslauense de Letras, possibilitou uma troca riquíssima de pontos de vista que se complementaram e foram convergentes sobre a importância da leitura para o aperfeiçoamento de quem lê: conhecimento, troca de saberes e crescimento interior.
O livro narra a vida de Sidarta, nascido na Índia, no século VI a.C., filho de um brâmane. Sidarta passa a infância e a juventude isolado das misérias do mundo, gozando uma existência calma e contemplativa. A certa altura, porém, abdica da vida luxuosa, protegida, e parte em peregrinação pelo país, onde a pobreza e o sofrimento eram regra, sedento por conhecimento e inquieto em relação ao mundo.
Conhece Buda e assimilando seus ensinamentos, sente-se pronto para seguir seu caminho em busca do autoconhecimento e da iluminação. Conhece Kamala (com quem tem um filho) e as seduções do amor, aprende a arte de enriquecer, mas sua insatisfação e inquietude o fazem retornar à vida simples em que conhecera Vesuvenda, o balseiro, que então desempenhará importante função em sua vida.
Aqui, o rio, instrumento de trabalho do balseiro, como em Guimarães Rosa (A terceira margem do rio) promove um marco divisório na vida de Sidarta: funciona como um elemento de reflexão e amadurecimento espiritual e vem a ser inspiração de uma das mais belas passagens da obra. A integração com o rio/natureza, personifica a paz interior há tanto perseguida por Sidarta, tornando-se indelevelmente marcada na mente e no coração de quem lê.
Narrado em terceira pessoa, a obra apresenta um estilo de fácil entendimento o que não desmerece a delicadeza das descrições de rara beleza e não prejudica o entendimento de conceitos básicos da religiosidade que serve de base à história, como: espiritualidade, amadurecimento, Nirvana, autoconhecimento, sabedoria, paciência, dualidade entre vida e morte, corpo e espírito, peregrinação e jejum. Estes apresentados de forma leve e fluida.
É possível, ao término da leitura, traçarmos uma trajetória da evolução espiritual de Sidarta: da infância opulenta passando por situações de privação proposital, breve passagem pelos prazeres da carne e do vil metal, atingindo por fim a epifania e autoconhecimento que o leva à paz tão desejada. Não há como não reportarmo-nos à “travessia” da vida cantada por Guimarães Rosa em “Grande Sertão: Veredas”.
“Sidarta” de Hemann Hesse, é um pequeno livro de 150 páginas, leve, agradável e profundo. Narrativa simples e elegante, de grande valia para o aprimoramento do leitor: a busca do amadurecimento pessoal frente à jornada/travessia do mundo. E a clara percepção de que o que nos é mais caro e o que mais buscamos está e sempre esteve dentro de nós. Perfeito. Leitura plenamente recomendada.
“O segredo da saúde, mental e corporal, está em não se lamentar pelo passado, não se preocupar com o futuro, nem se adiantar aos problemas, mas, viver sábia e seriamente o presente. Jamais, em todo o mundo, o ódio acabou com o ódio; o que acaba com o ódio é o amor.” (Sidarta)
(*) Aldora Maia Veríssimo – Presidente da AVL

Nestes tempos de inúmeras avaliações com as quais o Governo Estadual ou Federal pretendem, honestamente ou politicamente, aferir a tão decantada (não) qualidade do ensino no Brasil, a venerável professora de inúmeras gerações, cujos cabelos brancos remetem ao pó do giz, se vê transportada ao passado. Visualiza-se, ainda, uma jovem normalista que há pouco transitava pelas ruas da cidade “vestida de azul e branco / trazendo um sorriso franco / num rostinho encantador”, agora recém-formada, agarrando com as unhas da vocação sua primeira experiência no Magistério.
“Um jovem e promissor prefeito, carismático, mestre na arte da simpatia, embalado pelas ideias do momento, “determina” a seus funcionários um prazo limite para que todos passassem a receber seus salários mediante assinatura e não mais com a constrangedora impressão do polegar. Lembro-me, como se fosse ontem, a sala se compunha, predominantemente, de senhores de meia idade, com aparência simples, mãos rudes e grossas cujos calos denunciavam a dureza do trabalho do dia a dia.
Aparência cuidada para o primeiro dia de aula: camisas imaculadamente limpas como em dia de missa, sobre calças de tecido grosso, não tão asseadas, contrastavam com os pés calçados com chinelos de dedo ou alpargatas. Camisas xadrez, cuja falta de um botão era, às vezes, disfarçada pela “arrumação” displicente ou proposital que aberta ao peito deixava parte do tórax à mostra, costume da época, e que revelava corpos fortes, invariavelmente queimados pela exposição ao sol, cuja compleição física causaria inveja aos marombados de hoje.
Entrando na sala, postei-me à frente da lousa, vestida com graça e despojamento (vestido rosa com bolinhas brancas), já imaginando o que teria que enfrentar. Enganei-me. Nada do que imaginei se comprovou: meus alunos, todos, tinham mais idade do que eu; a sala de aula, apesar de bastante grande, subitamente encolhera devido aos enormes “aluninhos”, desajeitadamente acomodados em carteiras construídas para crianças, e que me olhavam com um misto de espanto e descrença: como alguém tão jovem poderia ensinar- -lhes algo?
Teorias, metodologias, treinamentos, tudo desabou no decorrer do tempo em que durou a primeira fase de alfabetização desse grupo de trabalhadores municipais. A diversidade de situações de aprendizagem – cada aluno estava em um nível, todos muito aquém do imaginável – era muito grande, fato complexo em se tratando de Educação! Todavia, tal obstáculo tornou-se menor diante das peculiaridades da situação: o cansaço provocado pela longa jornada diária de trabalho, os problemas particulares que deveriam ser esquecidos durante a aula, o sono que fazia descer as pálpebras e o peso da própria mão, acostumada ao peso das pás, enxadas e picaretas, não raro, durante algum tempo fez quebrar as pontas dos lápis e também os próprios lápis! Em pouco tempo percebi que, com alguns alunos, meu trabalho deveria ser diferenciado. Nas discussões de cunho social, conforme orientação que recebíamos nos treinamentos do MOBRAL (Movimento Brasileiro de Alfabetização), apesar de tímidos, alguns se manifestavam com apuradíssimo senso de justiça, porém com total desconhecimento do próprio valor enquanto cidadãos. À maioria, só importava, realmente, aprender a traçar as letras do próprio nome, pois disso dependeria que continuassem a receber seus salários. Era o que acreditavam!
Inúmeras são as lembranças dessa minha primeira experiência no Magistério, mas nenhuma foi mais marcante do que o empenho do Senhor Clarindo, o aluno mais velho do grupo. Magro, alto, queimado de sol, com algumas falhas no cabelo e nos dentes, mãos grossas pelo trabalho duro, cuja figura me inspirava um respeito quase sagrado, a ponto de não conseguir controlar meu tremor, quando, num esforço maior, era necessário segurar sua mão para ajudá-lo a “desenhar” as primeiras letras. O sono e as mãos calejadas estranhavam a delicadeza do lápis que apertava exageradamente deixando impressa, nas várias folhas subsequentes, a lição de cada dia.
As singularidades da situação levaram-me a ensinar-lhe letra por letra para ir compondo sílabas até chegar ao nome completo.
As circunstâncias físicas e sociais que delinearam sua história de vida dificultavam sua memorização: sempre era necessário retornar ao início e o progresso, às vezes, era interrompido por lapsos de memória que nos impunham um recomeço dolorido apesar de uma estratégia paralela de incentivo e muitos elogios a cada avanço. Mas, no limite do tempo determinado pelo prefeito, Clarindo sentiu-se capaz de assinar seu nome e assim garantir o recebimento de seu salário. “A tremedeira quase não me deixou assinar ... e as lágrima então ... quase não via o paperzinho do recibo...mas, quando acabei, meu peito quase arrebentou de orguio! Não sou mais um anarfabeto! Brigado Fessora, nunca vou me esquecer da sinhora! Que Deus lhe abençoe”. Emoção sincera acompanhada pelos companheiros de sala e por mim declaradamente “chorona”.
Que pena! Início de carreira e não fui uma boa professora! Seu Clarindo acreditava não ser mais um analfabeto! Ruim para mim, bom para os governantes que não se preocupam verdadeiramente com a qualidade da Educação! Por onde andará seu Clarindo? Não sei como conduziu sua vida após se tornar um “cidadão alfabetizado”, porque, então, a escola, para ele, perdera a motivação e ele debandou. Pela inexorabilidade do tempo, certamente já faleceu. Que Deus o tenha, “porque deles é o reino dos céus”.
(*) Aldora Maia Veríssimo – Presidente da AVL

Há poucos dias, enquanto desempenhava minhas atividades “do lar”, vi na TV uma reportagem sobre o aquecimento das atividades de prestação de serviços especializados em organizar festas de casamentos, buffets e decorações. Conforme a reportagem, os casamentos desmarcados durante os momentos mais difíceis da pandemia, ocasionaram, agora, um acúmulo de solicitações causando uma sobrecarga e falta de datas, sendo necessário, a alguns casais, adiar mais uma vez a realização do sonho dos apaixonados.
Sou resultado de uma educação conservadora, adepta de casamentos duradouros; tão duradouros que permitam aos cônjuges aprenderem a conviver e serem felizes apesar das diferenças individuais, desde que pautados em amor e respeito.
Fiquei pensando na ansiedade das mocinhas que já adiaram o casamento por causa da pandemia, agora serem obrigadas a adiar, novamente, porque não há data disponível. Haja amor e paciência!
Lembrei-me, então, de um casamento a que assisti em Portugal, mais especificamente em Coimbra, logicamente sem ter sido convidada, porque não conhecia ninguém, é obvio!
Estávamos eu e meu marido visitando a Universidade de Coimbra e sua maravilhosa biblioteca. Ao estilo português, tudo muito controlado: número de pessoas, tempo de visitação, enfim, desfrutamos do ambiente conforme nos foi permitido. Resolvemos perambular pelos espaços e fomos atraídos pelo som de um órgão e percebemos que na Igreja da Universidade iria acontecer um casamento. Infiltramo-nos no recinto, com ares de importância e simpatia. A visão de uma igreja datada do século XVI, em Portugal, que prima pela religiosidade e pelo bom gosto, é realmente impressionante; literalmente ficamos de queixo caído devido à beleza dos detalhes, e o som do magnífico órgão de tubos, estilo medieval, parecia transportar-nos para mais perto do céu.
Ocupamos um lugar nos bancos e aguardamos. Um murmúrio normal, conversas com sotaque lusitano típico e a música enchendo o ambiente. O som das conversas foi, bruscamente, interrompido pela chegada da noiva (o noivo já entrara, não vimos como!). Uma bela portuguesinha, rosto afilado, sobrancelhas muito grossas, pouca ou nenhuma maquiagem e vestido muito bonito, embora simples; uma tiara de flores naturais dava-lhe uma aparência de pureza e jovialidade. Mas, o mais interessante, era que a feliz noivinha entrava pelo corredor, sendo conduzida pelo pai e pela mãe. Ela sorria feliz, a mãe e o pai tinham os olhos marejados de lágrimas, que devido ao percurso, caíram, copiosas, pelo rosto amoroso dos genitores. E a música permeando os espaços e arrepiando a pele, numa demonstração de emoção coletiva.
Na época, meus filhos eram ainda muito jovens e solteiros; creia pensei, firmemente, em implantar esse costume aqui no Brasil, mais especificamente, em Presidente Venceslau, e eu e meu marido seríamos os introdutores desse modismo. Claro, isso não aconteceu!
Mas, ainda bem que tenho um casal de filhos. Nos respectivos casamentos, papai entrou com a filhinha e a mamãe entrou com o filhote! Mas, sinceramente, acredito que seria muito significativo e emocionante se cada um dos futuros cônjuges entrasse na igreja com os pais, na verdade com o papai e a mamãe.
Provavelmente, pela minha origem de pais portugueses, tenho muito apreço pelos costumes da educação em Portugal, muitos dos quais se perderam pela vida de meus pais no Brasil.
“O amor é grande e cabe nesta janela sobre o mar. O mar é grande e cabe na cama e no colchão de amar. O amor é grande e cabe no breve espaço de beijar.” (Carlos Drummond de Andrade)
(*) Aldora Maia Veríssimo – Presidente da AVL

Começou por puro amor. Meu primeiro neto, Daniel, nasceu há sete anos e alterou minhas convicções e meus limites. Enchi-o de amor, de carinho, de brinquedos e fui tomada por sensações indescritíveis de euforia e afeto sem medidas.
Os primeiros brinquedos que demos a ele foram 3 bichinhos de pelúcia: uma formiga, um dinossauro e um polvo. Um primor da indústria do entretenimento infantil. Foi amor à primeira vista: abraçar, jogar ao chão, sugar, parceria para dormir, companhia para as refeições, enfim, a mim me parece que esses foram seus brinquedos preferidos; e eu colaborei para isso, logicamente!
Enfim, no seu primeiro aniversário, me propus a criar uma história da interação entre meu netinho e a formiga. E essa ousadia prosperou: criei mais duas histórias: com o dinossauro e com o polvo. Concretizou-se, então, uma Trilogia chamada “Os amiguinhos de Daniel” composta pelos livros: “Shumi, a formiga amiga”, “Dino, o dinossauro carinhoso” e “Astolfo, o polvo desconfiado”.
E eu, professora do Ensino Fundamental II, Ensino Médio e Professora do Ensino Superior, colunista de temas adultos, descobri-me apaixonada por crianças e “autora” de livros infantis! Isso surpreende a mim mesma e talvez esteja surpreendendo minhas ex-alunas do Ensino Superior e amigas do Magistério. Mas é isso. Acredito que sou mais uma “metamorfose ambulante”.
Sempre adorei trabalhar com adolescentes e fui fisgada pela doçura e esperteza de meus netos Daniel e Bruno.
Meu fascínio é tão grande que meço essa nova geração pela régua de minha convivência com eles: acho que esses menininhos e menininhas nascidos na última década, têm tudo para mudar o mundo, tal é o desenvolvimento, a perspicácia e a inteligência que vejo neles. Parece-me que nascem com uma herança histórica positiva.
E para celebrar esse fascínio/amor, ousei mais ainda. No próximo dia 09, às 16 horas farei o lançamento dos livrinhos da trilogia na Praça do Bosque, ao ar livre, com máscaras, muito álcool gel e com surpresas para os pequenos leitores: pipoca, maquiagem infantil e fotos! A inexorabilidade do tempo me fez parafrasear Machado de Assis e “unir as duas pontas da vida: infância e maturidade”. A aquisição dos livrinhos está vinculada a um pacote de fraldas geriátricas que serão doadas ao Abrigo Esperança, objetivando o exercício da solidariedade e o respeito aos idosos.
Não sou exatamente uma escritora de obras infantis; sou, na verdade, uma avó exagerada (de certa forma!) que acredita que amor e cuidados, autoestima e orientações, otimismo e atenção podem moldar seres humanos melhores.
Para as crianças, brincar faz parte da vida; paradoxalmente, brincar é coisa séria; para elas brincar é “a vida” e a diversão eivada de imaginação merece respeito. Quem dera todas as crianças pudessem ter seu desenvolvimento físico, mental e afetivo pautado na ludicidade. E todos sabemos: ler alimenta a alma, amplia horizontes e o vocabulário, ensina naturalmente, ajuda a criança a elaborar conceitos e entender conflitos. Enquanto a criança não decifra letras e sons, é importante que alguém leia para ela e a ajude a “contar” o que entende pelas ilustrações. Ações simples assim podem determinar o surgimento de um leitor modelo.
Não sonhei escrever histórias infantis, mas acredite, agora estou sonhando que “Os amiguinhos de Daniel” cheguem às mãozinhas de muitas crianças e que todas possam alegrar-se com a narrativa e com as ilustrações maravilhosas feitas por Roberto Rodrigues, um ex-aluno muito querido! Que os livrinhos ajudem a colorir a vida e os sonhos do maior número de crianças possível!
“Um livro é um brinquedo feito com letras. Ler é brincar.” (Rubem Alves)
(*) Aldora Maia Veríssimo – Presidente da AVL

A Primavera começou há poucos dias. Não há como não perceber já que a paisagem se pintou de mil cores: o vermelho das onze horas, o amarelo, o lilás e o branco dos ipês e as demais cores do arco íris nas flores dos jardins domésticos, por mais simples que sejam.
As manchetes e reportagens das mídias falada e escrita nos assombram com o desrespeito ao meio ambiente e alertam para as mudanças climáticas, mas a primavera não falha. Desde as flores mais simples às mais sofisticadas obedecem ao ciclo do florescimento apresentando os diversos tons de seus filetes e pétalas, no tempo certo.
Conforme Clarice Lispector “A primavera chegará, mesmo que ninguém mais saiba seu nome, nem acredite no calendário, nem possua jardim para recebê-la. (...) e os habitantes da mata, essas criaturas naturais que ainda circulam pelo ar e pelo chão, começam a preparar sua vida para a primavera que chega. (...)”
Neste nosso país de dimensões continentais, onde há regiões em que o sol e o calor são permanentes, e outras em que até há neve, às vezes nos perdemos no ritmo das estações; não há muita diferença entre umas e outras, mas quando é primavera todos nós percebemos!
A mim me parece que o sol tem um amarelado mais vivo, o calor vem sempre acompanhado de uma brisa e as flores, ah! as flores deixam tudo mais bonito e provocam, instantaneamente, um sorriso em quem perde alguns segundos para admirá-las!
E havendo flores, e céu, e sol, há também pássaros!
Neste “rincão interiorano” em que moramos, ainda temos a possibilidade de ouvir pássaros pela manhã (e no final do dia!), em uma algazarra que me lembram crianças em discussão acalorada por algum fato que tenham presenciado. Todos “trinam” e ninguém se entende, todos “algazarram” e repetem os mesmos sons, atropelando-se uns aos outros, mas a comunicação continua. Mas, entendem-se? Não sei, mas exercem suas capacidades de comunicação. Assim vejo os pássaros, principalmente as maritacas, e as crianças, quando convictas e felizes.
Clarice Lispector, em um de seus textos nos diz, que se a natureza estiver preservada, “as matas intactas e as árvores cobertas de folhas, os poetas, e só os poetas, sabem (e poderão perceber!) que uma deusa, coroada de flores, com vestido bordado de flores, com os braços carregados de flores, vem dançar neste mundo cálido, de incessante luz”, quando a primavera chega!
Talvez, um dia, não muito distante, se o ser humano continuar desrespeitando o meio ambiente, não tenhamos mais a primavera como a conhecemos e admiramos; mas, quem sabe, os homens terão o resultado de suas ousadias científicas, em que haverá flores, e embora belas ressintam-se da ausência de sentimentos.
Mas, enquanto houver esta primavera natural, prestemos atenção ao sussurro dos passarinhos, escutemos as vozes que andam nas árvores, caminhemos por ruas e estradas computando quantos ipês e de quais cores tivemos o privilégio de ver!
Ressinto-me da ausência das cigarras; na minha infância cigarras e primavera eram concomitantes!
Acreditemos, é certo que a primavera sempre chega. É certo que a natureza não se esquece, e a terra, maternalmente, se enfeita para a perpetuação das flores e da vida, porque são imbricadas.
Sempre ouvimos – e lamentamos! – que as flores são efêmeras, duram pouco, são visíveis por pouco tempo, brilham por um instante, mas, são as responsáveis por trazer à tona a obscura semente, para que na rotação do cosmos, a vida continue!
“Saudemos a primavera, efêmera, mas, dona da vida!” (Clarice Lispector – adaptado)
(*) Aldora Maia Veríssimo – Presidente da AVL

O Clube de Leitura da AVL continua discutindo suas leituras em reuniões online. A cada obra lida nossos conceitos se solidificam: ler é muito bom, alimenta nossa alma com novos conhecimentos, além de estreitar nossos laços de amizade. Tudo muito prazeroso.
Em 18 de setembro discutimos “O Código da Vinci”, um dos best sellers mais famosos do século XXI, escrito por Dan Brown, norte-americano, publicado em 2003, lançado no Brasil em 2006. A reação da Igreja Católica tentando proibir a venda, aguçou a curiosidade de amantes da leitura do mundo todo.
São 557 páginas em que se narra o assassinato de Jacques Saunière, curador do Museu do Louvre. A cena do crime, resultado de um enorme esforço da vítima, compõe uma visão chocante onde se percebem várias pistas, deixadas por Jacques, para que sua neta Sophie Neveu, uma criptóloga, com a ajuda do Professor Robert Langdon, especialista em Simbologia Religiosa e Professor de Harvard, as entendessem e descobrissem fatos e segredos importantíssimos que ele não pudera contar em vida.
Nas centenas de páginas da obra institui-se uma corrida contra o tempo para desvendar o referido assassinato e evitar outros e no decorrer das investigações vão sendo levantados fatos ligados a Jesus Cristo, Maria Madalena, o Santo Graal e outros segredos tidos como invioláveis pela fé cristã. É uma sequência de episódios cujas pistas vão se ligando umas às outras e expondo conteúdos que incomodam o conservadorismo religioso.
A obra faz referência a segredos e polêmicas envolvendo a Igreja Católica, o Priorado de Sião, o Santo Graal, e os Templários.
O Código da Vinci une história e ficção, descrições minuciosas e verossímeis, teorias polêmicas, quiçá verdadeiras, das quais se podem destacar: Evangelhos gnósticos ou apócrifos (evangelhos retirados da Bíblia e que trazem informações que não se queriam veiculadas); os Segredos das obras do pintor Leonardo da Vinci (características que entendidas ameaçam segredos); o Priorado de Sião (uma fraternidade secreta fundada no ano de 1099, cujo objetivo era proteger a linhagem sagrada de Jesus Cristo e Maria Madalena) e o Opus Dei (tido como um braço da Igreja Católica, cuja finalidade é participar da missão evangelizadora, sendo, normalmente associada à autoflagelação).
Robert Langdon, o renomado professor de Simbologia foi solicitado para resolver o misterioso assassinato de Saunière, mas também é considerado o principal suspeito, porque seu nome constava na cena do crime.
Jacques Saunière era o chefe secreto do Priorado de Sião, detentor do segredo do Santo Graal e responsável pela proteção à linhagem de Jesus Cristo e Madalena. São muitos personagens, muitas informações verídicas que se misturam à ficção, resultando uma narrativa elegante e envolvente, capaz de manter o leitor agarrado à obra até o fim. Silas, um albino devoto do Opus Dei comete assassinatos em série buscando informações sobre o segredo do Santo Graal. A teoria do Sagrado Feminino incomoda dogmas profundos.
Descobertas as relíquias do Santo Graal, a morte do curador do Museu do Louvre se esclarece, encontram-se prováveis familiares de Maria Madalena; Robert e Sophie se apaixonam.
Obra polêmica, merece ser lida e entendida, na medida do possível. O que não cabe ao leitor é agastar-se com os conceitos primários solidificados em sua crença religiosa. A boa obra literária suscita emoções positivas ou negativas, desencadeia discussões e polêmicas.
Quanto mais talentoso é o escritor mais a obra mexe com os recônditos da alma leitora. Mas, o que vale é somar experiências e construir um repertório de leitura que nos torne seres humanos melhores.
“O mundo me intriga. Não posso imaginar que este relógio exista e não haja relojoeiro.” (Voltaire)
(*) Aldora Maia Veríssimo – Presidente da AVL

Sempre gostei de histórias de amor, como a maioria das mulheres; aquelas em que o amor vence todas as barreiras, são as melhores. Na minha adolescência acompanhei, de longe, uma história que amei conhecer. Minha mãe não gostava do meu interesse por essa história, particularmente, mas respeitava meu apreço.
Ela morava no quarteirão próximo à minha casa. Residência bastante humilde. Estava sempre só. Eu a imaginava solitária, até o dia em que percebi que recebia visitas diariamente. As visitas aconteciam pela tarde. Era difícil vermos quem a visitava, mas sabíamos que vinham em charretes, um “veículo” comum na época, ou a cavalo, o qual ficava atrelado à árvore que havia em frente à casa, sempre fechada e que mantinha apenas a janela da cozinha aberta, que dava para o quintal.
Francisca era o seu nome, chamada pelas vizinhas Dona Chiquinha. Era miúda, pele clara, com marcas de sol, magra e há muito as benesses da juventude a haviam abandonado. Calada. Não conversava com vizinhas, apenas o estritamente necessário. Chamava-me a atenção seu batom sempre muito vermelho colorindo-lhe a boca, unhas esmaltadas e saltos muito altos. Há que se lembrar que não havia calçadas no bairro e ela, como nós, só andava a pé.
Os meninos e meninas mais travessos tentavam descobrir a rotina da casa: havia sempre uma música alegre, mas muito baixinha. Acredito que para preencher a solidão dessa vizinha arredia.
Sabíamos que ela estaria com visitas toda vez que a janela da cozinha estivesse fechada. Aí então o volume da música aumentava e muito!
A vizinhança só a via em dias aleatórios. Ouvíamos o apito do trem, insistente, e Dona Chiquinha corria até a rua e acenava com ambas as mãos, gritando: “Vai com Deus! Volte logo!” O alvo dessa manifestação era o maquinista do trem das 14 horas com destino a São Paulo. O apito soava repetidamente e Chiquinha voltava para dentro de casa, feliz, certamente.
Quando o maquinista amado vinha visitá-la, chegava de charrete, carregado de pacotes; víveres e presentes, imaginávamos. E o ritual se repetia, fechava-se a janela da cozinha, o volume da música aumentava e não víamos Dona Chiquinha durante os vários dias de folga de seu amado.
Nas semanas seguintes, tudo recomeçava: visitas diárias ao som de música alta, os acenos para o trem cujo apito repetitivo gritava ao mundo o amor do maquinista e sua musa.
Família? Dizem que Dona Chiquinha tinha um casal de filhos, mas ninguém os conhecia, nunca visitaram a mãe e não se incomodavam com sua vida ou bem-estar. Apesar dessas atitudes particulares, a curiosidade dos meninos e meninas foram cessando e todos os vizinhos passaram a respeitar sua vida e seu comportamento, já que não incomodava nem ofendia ninguém. Apenas vivia e deixava viver.
Como éramos cinco irmãs e na época havia por parte dos pais uma grande preocupação com o “bom encaminhamento” das meninas ao casamento, minha mãe sempre nos exigiu respeito pelas escolhas de Dona Chiquinha. “Não sabemos quais são suas dores, quais foram seus caminhos, quantos e a causa de seus tropeços, então, respeito é o que ela merece.”
Passamos nossa adolescência acompanhando, de longe, a vida de Francisca; não nos importavam os detalhes, o que nos saltava aos olhos e enternecia nosso coração ingênuo era a sua história de amor.
O tempo passou, nossos interesses foram se diversificando, mudamos o foco e um belo dia vimos um caminhão chegando cheio de móveis; uma nova família moraria naquela casa e nem sequer vimos quando Dona Chiquinha se mudara. E a vida seguiu seu curso.
“Está decretado: o único amor proibido é o amor não correspondido!” (Autor anônimo)
(*) Aldora Maia Veríssimo – Presidente da AVL

No dicionário, gentileza é classificada como substantivo feminino, que significa qualidade ou caráter de gentil, ação nobre, distinta ou amável. São amabilidades, delicadezas praticadas por algumas pessoas. Quem pratica a gentileza exerce atenção, cuidados, que tornam os relacionamentos mais humanos, mais suaves. A pessoa gentil é cuidadosa, distinta e delicada.
Certamente você já deve ter ouvido o ditado “gentileza gera gentileza”. Essa frase foi criada por José Datrino, o Profeta Gentileza, conhecido por carregar, pelas ruas do Rio de Janeiro, um estandarte onde essa expressão e outras estavam manuscritas; era extremamente gentil com todos e propalava que ser gentil nos faz muito bem.
O Profeta Gentileza recebeu este apelido depois de consolar familiares das vítimas de um incêndio, nos anos 1960, no Rio.
É comum encontrarmos nos facebooks ou instagrans mensagens que se assemelham a auto-ajuda ou recadinhos piegas sobre gentileza, mas quando nos deparamos com pessoas gentis, percebemos como ser alvo de uma gentileza ou praticante de gentilezas, realmente nos faz muito bem, nos enche de alegria e nos aquece o coração.
Como ser gentil? Poderíamos tentar ser empáticos, pacientes, reconhecer as qualidades dos outros, pedir desculpas, demonstrar interesse, ser justo, ser generoso, saber ouvir, ceder assento a pessoas idosas ou com deficiência, agradecer sempre por qualquer favor, cumprimentar as pessoas, pedir licença nos momentos pertinentes, dirigir cuidadosamente respeitando os pedestres e elogiar sempre que possível as pessoas com quem convive. Ser gentil, verdadeiramente, pressupõe sinceridade, simplicidade, grandeza de alma, caso contrário, não valerá a pena e não cumprirá seu propósito: melhorar o convívio entre as pessoas.
Se olharmos em nosso entorno ou para um raio maior de ação, constatamos que há muito o mundo e as relações humanas estão impregnados de mau caratismo, competitividade exacerbada, descaso e desfaçatez, agressividade, inveja, grosseria. Qualquer pessoa sabe que o mundo precisa mudar, qualquer pessoa percebe que os indivíduos estão agindo de forma cruel, insensíveis às dores alheias, sentindo-se até felizes quando percebem que feriram alguém; não é difícil testemunharmos exemplos dessas “anomalias”. Mas, como já dizia Mahatma Ghandi: “seja a mudança que você quer ver no mundo”.
Com a pandemia, ficaram mais evidentes as dores e as fragilidades humanas e a certeza de que todos somos vulneráveis, de que nossa finitude nunca nos pareceu tão inevitável. Ser gentil, simpático e solícito com os demais é cada vez mais importante e necessário. Uma palavra gentil ou um gesto de gentileza podem mudar o dia de alguém.
Conheço uma atendente de farmácia (Hicari – PP) que ilumina a vida de qualquer pessoa que adentra seu local de trabalho. Delicada, entusiasmada, sempre sorridente, educadíssima e carinhosa. Recebe as pessoas com tanta amabilidade que provoca ternos sorrisos em todos que são por ela atendidos. Seu acolhimento é tão sincero que nos sentimos acarinhados e valorizados. É certeza: sorrimos ao entrar e ao deixamos a farmácia. Aprendi a admirá-la pela sua gentileza. Considero-a uma amiga iluminada!
O Dia Mundial da Gentileza é comemorado em 13 de novembro; surgiu em 2000 com a intenção de inspirar pessoas a criar um mundo melhor; em 2020, pressionados pelas questões da pandemia de Covid 19, um grupo de artistas brasileiros, liderados por Glauber Gentil, em programa da apresentadora Angélica, fizeram o “Manifesto do Ser Gentil”. O poeta Bráulio
Bessa, integrante do grupo diz que “Ser gentil é ser semente que faz o bem florescer”. O objetivo é estimular as pessoas a colocarem em prática atitudes gentis. A pandemia potencializou a necessidade de propagar otimismo, boas ações, tolerância e empatia nas rotinas das pessoas. E não é difícil; basta provocar nos outros o sorriso e a alegria que sentimos ao sermos bem tratados! E a convivência, então, será mais harmoniosa!
Desculpem-me pela ousadia: Dona Hélia Assad, a senhora é meu modelo de gentileza. Admiro-a pela amabilidade no trato com as pessoas!
(*) Aldora Maia Veríssimo – Presidente da AVL

Era a mais nova de uma família de 7 filhos, chegou após dois meninos e, então, foi muito paparicada por ser do sexo feminino.
Miúda, magrela, olhos vivos, cabelos lisos e escassos, na companhia de vários irmãos e de uma mãe que passava os dias cantando músicas folclóricas portuguesas, muito cedo desatou a falar; falava sobre tudo o que via, explicava tudo que entendia e, curiosa, perguntava sobre tudo o que lhe chamava a atenção. A mamãe dizia que ela engolira uma vitrola ao nascer.
Teve o privilégio de ser mimada pelas irmãs, creio que devido à diferença de idade; discutiam para ver quem lhe daria banho, quem pentearia seus poucos cabelinhos, quem a faria dormir balançando a rede no alpendre da casa. Os meninos contribuíram para a sua habilidade em correr, subir em árvores e brincar de “pega-pega”. Brincadeiras de meninos, ralhava a mãe.
Uma infância feliz, de pés no chão, muito espaço e muita liberdade. A convivência com os irmãos lhe assegurava atividades saudáveis pautadas em amor, respeito e muito carinho.
Não havia escola, então a vida transcorria mesclando o trabalho dos filhos mais velhos na lavoura ajudando o pai e a diversão que não faltava nesse espaço privilegiado, natural e seguro. As lembranças desse tempo são poucas mas a certeza de que foi muito feliz é inquestionável.
Mas, nem tudo são flores na vida. Um dia, brincando como sempre, subiu em um baú de madeira, cuja tampa abaulada era contornada por um filete de lata para garantir a inteireza da peça. Tentou subir, mas sendo pequena, a altura do baú era um obstáculo considerável. Agarrou-se à borda e forçou o peso para erguer as magras perninhas e lograr êxito na subida.
A tampa, que não estava fixada, virou e a borda de lata atingiu, não se sabe como, a língua que, como sempre estava para fora, porque cantarolava.
A cantiga foi substituída por um choro dolorido enquanto o sangue escorria pelo queixo e pelo vestidinho de chita estampado. Todos os que estavam por perto correram tentando socorrê-la. Nem a mãe conseguia avaliar a gravidade devido ao sangue abundante, mas a preocupação foi maior porque a criança não conseguia falar: dizem que a língua pendurava-se para fora da boca.
Moravam distante e a única forma de chegarem até a cidade – Presidente Venceslau – era utilizando-se da jardineira que só trafegava em dias e horários fixos. O pai apelando para a grande amizade conseguiu que a jardineira se deslocasse até o Hospital Álvaro Coelho para que a pequena tivesse cuidados médicos. Não se sabe como mas guardou na memória a escadaria vermelha e os pilares de entrada do hospital, o que não condizia com sua pouca idade.
A preocupação com o ferimento e a fila do atendimento, somaram-se ao pavor da pobre mãe de que a articulação das palavras pudesse ter sido prejudicada. Logo ela, que gostava tanto de falar, lamentava a mãe. Consulta, muito choro, muita preocupação, demora, demora, demora, enfim, o médico diz que graças aos dentinhos, ainda pequenos e espaçados, o ferimento não fora mais sério, a língua ficara presa apenas por um fiapo do lado direito e pelo freio que se colocou entre os dentes.
Graças a Nossa Senhora de Fátima, segundo a piedosa mãe, a caçula continuaria falando, mas os pontos, a inflamação e as dores potencializaram as birras que foram alimentadas pelos mimos dos irmãos: Coitadinha, tão pequenininha! Tá doendo?
Os pontos mal dados deixaram uma cicatriz bem visível mas sem nenhum prejuízo à fala. Durante muito tempo, ingenuamente, teve pavor de que por alguma razão, a cicatriz infeccionasse e perdesse parte da língua. Que bom que nada demais aconteceu; fazia e faz bom uso de sua capacidade de falar, imprescindível para o desempenho de sua vocação profissional: professora! Virou piada pronta entre os irmãos e amigos: “Como fala essa mulher! Imagine se não tivesse perdido parte da língua!”
(*) Aldora Maia Veríssimo – Presidente da AVL

O tempo é inexorável. Não há como detê-lo. De repente me percebo idosa, filhos adultos com vidas direcionadas e, o mais maravilhoso, tenho netos.
O rosto não tem mais a pele lisa, pelo contrário está marcado pelos sulcos do sofrimento, das inúmeras preocupações e também do riso solto; os cabelos perderam um pouco de volume e a cor natural e o corpo, embora magro, não se encaixa mais nos padrões de beleza ditados pela sociedade.
A vocação profissional começa a parecer meio deslocada considerando-se grupos do mesmo mister.
Conceitos, atitudes, crenças soam estranhas se comparadas às manifestações das demais pessoas. Percebo que minha faixa etária é minoria dentro da “turma”.
De repente, acordo e não vejo razão para as tarefas antes apreciadas, perderam o encantamento. Algumas convicções esgarçaram-se e se diluíram, enquanto outras tornaram-se claras e mais arraigadas, ganharam apreço e notoriedade. Mas sem o ímpeto e a necessidade da aprovação alheia.
Muitas vezes, perco a vontade de convencer alguém de alguma coisa, mesmo que muito importante, porque aprendi que “se o outro não quiser, você nunca poderá convencê-lo de nada”.
É possível, agora, olhar os problemas com mais tranquilidade porque já entendi que tudo passa, às vezes com mais, às vezes com menos dor, mas tudo passa. Até consigo ouvir longos e polêmicos relatos que não correspondem à verdade sem interrompê-los, porque não quero constranger o relator.
Deixem-me seguir minha rotina, tão marcada pelo planejamento para que nada saia do meu controle. Manter meu ritmo particular ao falar, analisar, andar e reagir, porque o tempo me ensinou que a vida tem um movimento próprio que não depende do ser humano e que nos surpreende continuamente.
Deixem-me sentir saudades das diversões da minha infância e da adolescência que foi marcada por “lágrimas no travesseiro, que é lugar quente”. Pensar nas descobertas do amor e da convivência com o sexo oposto, e nas dificuldades de ser mãe e trabalhar oito horas/dia dando aulas e outras tantas preparando-as em casa.
Deixem-me contar, repetidamente, as histórias que protagonizei na juventude mesmo que elas não tenham mais atrativos para quem as ouve. Elas reacendem minhas emoções como se estivessem acontecendo agora. E isso é prazeroso.
Deixem-me falar o que eu calei um dia, sobre coisas nas quais nunca acreditei e nunca aceitei; e o meu olhar triste vagar pensando nos que se foram e nas coisas que não fiz ou nas coisas que fiz e não queria ter feito.
Deixem-me assumir os medos que não consegui vencer e a coragem que brotou em plena maturidade.
Mimar meus netos, escrever meus textos, ler meus livros e cuidar de flores. Pensar em meus erros que já não posso corrigir e lembrar meus acertos, meus esforços, meu estudo e meu trabalho, minha verdadeira vocação. Agradecer a Deus, diariamente, porque tenho consciência de que fui e sou privilegiada, pelos pais que tive, pelos irmãos que tenho, pelos amigos que fiz, pelos alunos que tive, pela família que formei, pelos filhos que pari e eduquei e pelo companheiro de uma vida inteira.
Deixem-me fazer um balanço sincero sobre a minha vida: colocando em um lado os fatos e acontecimentos que deram certo e pelos quais agradeço a Deus todas as manhãs; e de outro lado, os fatos e acontecimentos que deixaram a desejar, pelos quais também agradeço, pois sem eles não seria quem sou, nem teria a compreensão de vida que tenho.
Parodiando Cecília Meireles, posso dizer que: “Eu não tinha este rosto de hoje, assim calmo, assim triste, assim magro. Nem estes olhos tão melancólicos, que constantemente deixam escapar lágrimas; nem o lábio amargo, que treme à mais frágil emoção. Eu não tinha estas mãos sem força, paradas e frias; eu não tinha este coração tão sensível que se compadece de tudo e de todos, principalmente das injustiças sociais.
Creiam, eu não dei por esta mudança: tão simples, tão certa, tão fácil. Pergunto-me, quando envelheci? Em que espelho ficou perdido o frescor da minha juventude?”
(*) Aldora Maia Veríssimo – Presidente da AVL

Em 14 último, o Clube de Leitura da AVL discutiu, em reunião online, a obra “O olho mais azul”, da escritora americana Toni Morrison. Foi o primeiro romance da autora, lançado em 1970; não foi bem avaliado a princípio, tornando-se, depois, um best-seller.
A autora foi a primeira negra a receber o Prêmio Nobel de Literatura, em 1993. A obra em questão pode ser considerada um manifesto sobre raça, gênero e beleza da mulher negra, e narra, de forma impactante, a história de Pecola Breedlove, uma menina negra discriminada em sua comunidade, na escola e na própria família.
Devido à pele muito escura e cabelos muito crespos é negligenciada pelas outras crianças negras e também pelos adultos, por isso sonha em ter olhos azuis como os das mulheres brancas, acreditando que esse detalhe a tornaria aceita.
Sendo também negra, a autora evidencia o sentimento que o preconceito pode provocar em uma menina negra, “a mais vulnerável das criaturas”. Na verdade, Pecola sente-se discriminada pela cor e pela feiura. Por isso o desejo de ter olhos azuis.
A obra não é uma leitura confortável, pelo contrário, é angustiante, pesada e instigante. Em um dos primeiros parágrafos, pistas apontam para a gravidez de Pecola, que mais adiante se constata ter sido vítima do próprio pai, o que se agrava pela incompreensão da mãe que a culpa pelo acontecido. A descrição da cena do estupro, a desfaçatez e a naturalidade do pai são chocantes e provocam repúdio nos leitores mais sensíveis.
Escrito na década de 1960, período do movimento dos direitos civis dos negros nos Estados Unidos, a autora critica as consequências da escravidão e as discriminações que os negros ainda sofriam. A obra enfoca também a questão do tom de pele; Maureen, uma colega de escola, é considerada mais bonita por ter a pele mais clara, turbinada pela situação econômica mais confortável. A protagonista, é filha de uma família extremamente pobre e com sérios problemas de auto-estima, cuja mãe prefere estar com os filhos da família para quem trabalha do que com os próprios filhos.
Ao ter acesso ao passado dos pais de Pecola, o leitor percebe que vários acontecimentos colaboraram para um modelo de família extremamente problemático, porque baseado em abandonos, alcoolismo e violência doméstica. Mas a autora não os exime de suas responsabilidades e mesmo entendendo que são vítimas de um sistema opressor, não os trata com benevolência, aponta as suas fraquezas e erros, por mais perversos que sejam, evidenciando essa cadeia de causa e consequência de que não “conseguem” fugir.
Na escola, Pecola era vítima de insultos oriundos das outras crianças negras: “Preta retinta. Seu pai dorme pelado. Preta retinta, seu pai dorme pelado”. Conforme a autora, “eram versos compostos de questões sobre as quais a vítima não exercia controle: a cor de sua pele e os hábitos do pai.” O fato de os insultos virem de crianças também negras com pais com os mesmos hábitos, evidencia o desprezo que sentiam pela própria negritude, o ódio por si mesmos dolorosamente aprendido e a desesperança concebida desde sempre. Essas crianças extravasavam as dores que também as consumiam. Penalizavam a vítima, como uma catarse necessária.
Historicamente sabe-se que a questão da auto-aceitação constitui um entrave à felicidade: ter a pele mais clara, cabelos lisos e por que não, olhos azuis? A não representatividade e desrespeito machucam e impactam Pecolas pelo mundo todo.
“O olho mais azul” é uma obra para leitores capazes de digerir os acontecimentos e ações dos personagens, que consigam se reconhecer em situações incontroláveis, que tenham condições de questionar os padrões impostos pela sociedade, que consigam ter distanciamento para refletir sobre o racismo e suas consequências e principalmente, consigam sentir empatia, para se colocar na “pele” alheia e ser mais humano, compreensivo e tolerante independente da raça ou etnia das pessoas que porventura cruzarem sua estrada. Leitura indispensável!
“É sempre preciso ler e reler os livros de Toni Morrison. Todos eles são transcendentais. Você vai me agradecer depois da leitura”. (Barack Obama)
(*) Aldora Maia Veríssimo – Presidente da AVL

O tema é importante: Pais. Escolhi compartilhar um texto primorosamente escrito por Leandro Karnal. O autor “diz” o que nós gostaríamos de expressar.
“Eu era criança, terceiro de quatro filhos de uma família de classe média do interior do Rio Grande do Sul. Minha mãe, como se dizia na época, era “do lar”. Meu pai, advogado, político e professor.
A infância foi consumida entre o colégio católico, brincar e ir para a praia no verão. De quando em vez, ficar na casa da minha avó materna. A autoridade dos meus pais era inquestionável, especialmente da minha mãe. Ambos pareciam sábios. Minha confiança era absoluta.
Machucados, fome, compra de roupas, autorizações em geral? Favor dirigir-se ao balcão materno. Dúvidas de livros, pedidos de verba suplementar, questões vernáculas? O guichê era o paterno.
O mundo era sólido, o amor parecia perfeito e tudo transcorria entre natais abundantes, ninhos de Páscoa, churrascos e a voz grave da babá com o original nome (verdade!) de... Zelosa.
Fazia redações em maio e agosto sobre a perfeição dos pais.
Eu cresci ou mudaram os natais?
Na adolescência, passei a me irritar com meu pai. “Você é filho do dr. Karnal?”, a frase obrigatória me perturbava na cidade pequena. Meu ser, em ebulição hormonal e descontrole, via defeitos enormes no homem que me gerara. Entre outros, graves, crime de lesa-pátria, erros hediondos: ele sempre fazia a sesta depois do almoço! Em outra ocasião, faltou a um recital de piano meu. Já imaginaram a gravidade disso? Deveria perder o então existente princípio do pátrio poder!
Minha mãe me parecia invasiva e autoritária, sempre querendo saber de tudo. A comida e o dinheiro continuavam interessantes, mas os geradores dos bens não! Eu achava que os pais dos meus colegas de escola, em geral, pareciam melhores do que os meus.
Cresci. Entre a admiração cega da infância e a distância irrefletida da adolescência, surgiu a terceira geração de pais na minha consciência: seres humanos amorosos e com defeitos, a quem eu devia quase tudo.
Morando fora, tinha saudade aguda de casa e da família. Um dia, olhando um velho relógio de pulso que meu pai me dera e que era dele havia décadas, chorei por muito tempo. Estudava longe e o frio do mundo aquecia a memória do lar.
Houve um quarto parto de pais. Eles envelheceram e foram amparados e cuidados por todos nós. Achaques da idade, declínios de memória, médicos em profusão, manias geriátricas: os quatro filhos viraram pais dos pais. Na velhice deles, inverteu-se o curso do rio. Agora a água do afeto era para os dois.
Os natais? Os aclamados e aguardados natais familiares eram organizados por nós. O objeto da nossa natividade? Eles. A parte chata (louça, cardápio, músicas, decoração e pagamentos) era nossa. A parte lúdica era deles. A cada celebração, muitas alegrias e uma pergunta velada: estarão aqui no ano que vem? A vida foi se tornando frágil e a chama da vela da existência parecia bruxulear.
Um dia, houve uma visita a um oncologista que determinou uma angustiante notícia e um horizonte de brevidade para meu pai. Foi devastador. Chegava o temido fim. Sete anos depois e infindáveis internações, apagou-se a vida da minha mãe.
Sem eles, emergiu a última memória e o derradeiro parto. Saudade forte, choros de quando em vez, humor nas lembranças e repetição de frases e hábitos. As lembranças tornaram-se cálidas. Toda vez que uso uma abotoadura do meu pai ou quando vejo uma foto da minha mãe, voltam-me universos dos muitos progenitores que eu tive, reunidos sob dois nomes apenas.
Os natais continuaram, as páscoas seguiram, os netos cresceram...
Pais perfeitos, imperfeitos, humanos, canonizados, relembrados, reais, reinventados a cada nova curva da nossa biografia. Estão lá, sempre os mesmos e sempre diversos. As figuras variam de acordo com o grau dos óculos que utilizo e da minha vida que avança.
Como você, querido(a) leitor(a), tive muitos pais em apenas dois. O recorte do amor é atemporal, a percepção depende do tempo. Vi meus pais sob a luz forte do verão e no declínio do inverno. Penso neles com imenso amor no meu outono. Eram pais para todas as estações. Eles eram, afinal, o tronco que perde folhas, mas está sempre lá. Várias vezes vi jovens fazendo o mesmo que eu fiz. Críticos dos pais, irritados, sentindo-se infelizes com idiossincrasias maternas ou paternas. Entendo perfeitamente.
Aceito, igualmente, que a mangueira dará manga e que nunca estarei longe do pé ao cair da copa original. Sou o fruto de árvores genéticas e psíquicas.
Tenho história, tenho biografia, tenho DNA e estrutura deles.
E quando alguém rola, rola e rola para longe, irritado com as árvores geradoras, eu sorrio: vá florescer em outro sítio, querida manga rebelde. Faça tudo diferente e... gere mangas originais, só suas, absolutamente suas e... idênticas às frutas de onde você fugiu.
Não é uma maldição. É um legado! A herança do amor. Apague tudo, delete o máximo possível, rasgue e queime lembranças: um sorriso afetivo de um casal continuará lá...
Choro hoje, atravessado pela saudade e pela vontade enorme de um momento a mais com eles. Ah, se eu soubesse amar do jeito que fui amado!
Boa semana para pais e filhos. Esta história nunca poderá ser reparada.”
*Texto de Leandro Karnal, publicado no “Estadão”, edição de 14/03/21
(*) Aldora Maia Veríssimo – Presidente da AVL

Em 25 de julho, comemora-se o Dia Nacional do Escritor. Esse dia foi escolhido pelo Ministro da Educação e Cultura Pedro Paulo Penido, em 1960, para homenagear escritoras e escritores brasileiros, durante a realização do 1º Festival do Escritor Brasileiro, patrocinado pela União Brasileira de Escritores (UBE), que ocorreu em 25 de julho.
No Brasil, há outras datas para comemorar a Literatura, a Leitura e outros temas afins.
Sempre pensei que minha paixão por leitura e escrita fosse devida à minha formação: Graduação em Letras/Literatura e Especialização em Produção de Texto. Mas, pensando melhor, minha paixão deve-se ao pai que tive: um pai que veio de Portugal aos 18 anos e trouxe na bagagem várias obras da Literatura Portuguesa. Já lidas. E chegando ao Brasil, assim que pôde, adquiriu vários clássicos da Literatura Brasileira e também os leu. Quando no Curso de Letras eu comecei a ler os clássicos da Literatura, era com ele que eu discutia minhas dúvidas.
Meu pai era o que aprendi depois: um “leitor completo, leitor modelo”, conforme Umberto Eco: um leitor que se apossa do texto que lê, entende, complementa, ressignifica, enfim, é o leitor ideal para qualquer texto e autor.
Entendo que o bom escritor tem uma visão de mundo privilegiada, tem mais compreensão dos problemas da humanidade, e reúne em sua obra seus melhores conceitos e ideias, capazes de ir ao encontro das necessidades mais profundas de seus leitores.
Quando lemos, não há como não pensar no preparo que antecede a elaboração de um livro: planejamento, cenário, personagens, momento histórico, conceitos subjacentes, ideologias, conceitos filosóficos, etc, etc...
Vale conhecer um romance histórico, lindo, ambientado na Idade Média, século XIV, escrito por Umberto Eco, autor italiano, que se denomina “O Nome da Rosa”. Discorre sobre assassinatos que ocorrem em um mosteiro. Obra premiadíssima, best seller, tornou-se filme. Após o incrível sucesso, o autor publicou outro livro chamado “Post Scriptum a O Nome da Rosa” no qual expõe todos os cuidados, ações e diretrizes que antecederam à publicação do romance. Um trabalho minucioso, merece nosso respeito.
Considero a leitura de bons textos como alimento para nossa alma. Ler nos melhora em todos os aspectos: vocabulário, ideias, entendimento, cultura, novos horizontes; nos tornamos seres humanos melhores. Às vezes nos vemos retratados, vida e sentimentos, naquilo que lemos. Quanto mais nos identificamos com a obra lida, quanto mais a história encontra eco e ressonância em nossa alma, mais gostamos da leitura.
Vale lembrar que Literatura é a arte da palavra, usar a palavra de forma singular, única e carregada de significados. Sendo arte, a Literatura tem como instrumento de comunicação, a palavra, elaborada artisticamente. O talento para escrever, para escolher o vocabulário adequado, para aproximar palavras e sons, faz com que a leitura emocione, encante, fascine, envolva o leitor, fazendo-o rever seus conceitos, suas atitudes, sua ética.
O uso artístico da palavra, por excelência, pode ser visto em “A Hora da Estrela” de Clarice Lispector, quando a personagem Macabea, ao ver o rapaz que se tornaria seu namorado, exclamou: “Você é a minha goiabada com queijo”. Esse “elogio” pode nos causar estranhamento, mas nessa frase estão contidos muitos significados: goiabada é doce e áspera, queijo é salgado e macio (os opostos se atraem), formam uma sobremesa que todos gostam (a preferida de Macabea) e que é chamada “Romeu e Julieta” (a maior história de amor de todos os tempos). Palavras simples mas que carregam significados muito bonitos.
E o que dizer de Sílvio Caldas, quando compôs “Chão de estrelas” e disse “e a lua furando nosso zinco, salpicava de estrelas nosso chão”, que transforma um fato desagradável em pura poesia, capaz de despertar a paixão do casal exposto a essa situação de penúria.
E Machado de Assis, em “Dom Casmurro” conta uma história banal de suposta traição e o faz de maneira tão especial, uma narrativa tão genial, que transforma esse livro em um dos mais famosos clássicos da Literatura mundial.
Isso é usar a palavra artisticamente, isso é Literatura, isso é poesia. Mas, é preciso entender! E, então, desfrutar!
“O melhor lugar do mundo é dentro de um abraço”. (Jota Quest)
(*) Aldora Maia Veríssimo – Presidente da AVL

No Brasil, em Portugal e Espanha, em 26 de julho, comemora-se o Dia dos Avós. Esta data foi escolhida devido à comemoração do dia de Santa Ana e São Joaquim, que, segundo a tradição seriam os pais de Maria e, portanto, avós de Jesus Cristo. São Joaquim e Santa Ana foram canonizados, nesse dia, em 1584, pelo Papa Gregório VII.
Diz-se que a ideia deve-se a Ana Elisa Couto, Dona Aninhas (1929-2007), portuguesa, avó de 6 netos, que durante quase 20 anos reivindicou a criação de uma data para homenagear os avós. Em Portugal, a data foi aprovada em 2003. No Brasil, a comemoração também é relativamente recente.
Já tive o privilégio de ser homenageada como avó, na escola dos meus netos. Foi lindo e emocionante. Mas, pergunto-me, quem são os avós, na vida dos netos?
Ao falar em avós, vem-me à mente duas figuras humanas. Um senhor de cabelos brancos, camisa de manga comprida com os punhos e o colarinho cerimoniosamente abotoados, suspensório cumprindo importante tarefa, notória boina, andar vacilante e bengala. A seu lado, visualizo uma senhora de cabelos ajeitados em respeitoso coque branco, acentuado sobrepeso, uma virtuose do tricô ou crochê e muito animada enquanto cozinha os pratos prediletos de filhos e netos. Esse é o modelo de avós com quem tive o prazer de conviver por pouco tempo e posso ver em fotos amareladas.
Eu e meu marido somos avós há 7 anos; são dois meninos: 07 e 04 anos. Somos diferentes do estereótipo das minhas lembranças. Fico pensando, que avós somos para essas duas criaturinhas?
Estamos com o coração transbordando de amor desde seus primeiros dias de vida; carinhosos como não fomos com nossos filhos, quando a rigidez na educação nos parecia a melhor escolha, dispostos a correr, chutar bola, contar histórias de nossas vidas, ler livrinhos infantis, construir animais de massinha, jogar dominó, montar quebra-cabeças, formar palavras com alfabeto móvel, pintar, cantar ou compor novas letras de músicas infantis, fazer dobraduras e tentar fazer tsurus, concretizar suas ideias em “confecções variadas”, fazer inúmeras “consertações”, balançar na rede, enfim, nunca fomos tão dispostos e criativos porque o brilho dos olhinhos que nos acompanham nos incitam a voltarmos ao mundo encantado da infância.
A aposentadoria nos proporciona mais tempo para essas atividades e nos adoça o olhar que nos leva, sem falsa modéstia, a considerá-los meninos bonitos, inteligentes, simpáticos, antenados, habilidosos com a tecnologia, curiosos, interessados, obedientes, respeitosos, amorosos, enfim, crianças maravilhosas, pelo que agradecemos a Deus todas as noites.
Somos avós que não se envergonham de, muitas vezes, entender que “os pais estão sendo muito severos”, fazer a comidinha que eles mais gostam, o docinho predileto, antecipar a sobremesa antes do alimento natural, deixá-los descalçar o tênis contrariando o pedido da mamãe, concordar com brincadeiras que podem parecer inadequadas: pezinhos na água, mudar a decoração do quarto de brinquedos compondo um conceituado “spa”, ocupar o tatame para uma massagem improvisada a 4 mãos, acumular folhas e folhas de sulfite com desenhos “a grafite”, ou lindamente coloridos que demonstram uma “saudável subversão” à estética vigente, contar dezenas de vezes a mesma história disponibilizando-nos a responder (com dificuldade!) questões criativamente formuladas.
Enfim, somos avós “babões” e apaixonados por nossos meninos. Entendemos que nosso papel em suas vidas é adoçar-lhes a existência, fazendo-lhes uma alegre companhia enquanto o papai e a mamãe trabalham para manter a vida nos trilhos.
E assim, nossa idade avançada como convém a “avós conservadores”, não nos pesa nem nos entristece, estamos aptos para dividir com eles nossas experiências e proporcionar-lhes cuidados e afeto, o que comprovamos pelos bracinhos que nos enlaçam em várias ocasiões e pela felicidade que expressam quando entram em nossa casa correndo, animados, sorridentes, antecipando os momentos felizes que vamos desfrutar. Porque todos os dias em que estamos juntos é assim: livre, feliz e cheio de amor!
Nessa toada, não nos incomodamos com o tempo que passou e sim com o tempo que ainda teremos para conviver com eles. Em nossas preces pedimos a Deus que continuem sendo saudáveis, felizes e seres humanos dignos e realizados profissionalmente.
(*) Aldora Maia Veríssimo – Presidente da AVL

Romance brasileiro, publicado em 2019, escrito pelo autor baiano Itamar Vieira Junior, foi o grande destaque da Literatura Nacional no ano de 2020; vencedor dos prêmios mais reconhecidos e cobiçados no cenário literário nacional: o “Prêmio Jabuti” e o “Prêmio Oceanos”.
A história, “Torto Arado”, se passa no interior do sertão brasileiro, na Chapada Diamantina, fazenda Água Negra. Conta a história da família de Zeca Chapéu Grande, um líder religioso e curandeiro, que mistura religiosidade e crenças populares, e Salustiana, uma pegadora de crianças (parteira).
O destaque da história são as filhas Bibiana e Belonísia, irmãs que, ainda crianças, se envolvem em uma tragédia, em que curiosas, encontram uma misteriosa faca da avó Donana, escondida e enrolada em um pano dentro de uma velha mala debaixo da cama. Fascinadas pela beleza e brilho, colocam a faca na boca que ao ser retirada rapidamente, provoca a perda da língua de uma delas.
Essa tragédia aproxima as irmãs de tal maneira que uma se torna a voz da outra: a que fala reproduz as ideias da irmã atingida. Essa perfeita interação de comunicação e dependência, metaforicamente, representa a união que é a base da comunidade que habita essa região.
A estratégia narrativa construída pelo autor consegue não revelar de imediato qual das duas irmãs perdeu a língua; essa descoberta é percebida aos poucos, o que provoca um prazer inaudito no leitor.
A comunidade de Água Negra é formada por negros que, apesar da extinção da escravidão, continuam em regime análogo, em que podem ocupar espaço na fazenda, construir sua casa de barro, para não demarcar permanência, plantar sua roça, desde que cumpram seu horário de trabalho nas roças do proprietário. Mesmo os produtos que plantam são divididos com o patrão. E os demais víveres necessários são oriundos do armazém do proprietário, provocando dívidas que nunca acabam.
Bibiana, uma das irmãs, casa-se e abandona a região em que vive em busca de uma vida melhor. Isso provoca uma reviravolta na vida da irmã que perdeu a língua, pois perde sua conexão com o mundo. Belonísia permanece na fazenda, vive com um homem, por algum tempo, constrói sua casinha, faz sua plantação e sobrevive tornando-se figura influente no contexto local.
Após um tempo, Bibiana retorna à terra natal com sua família, tornou-se professora e a região passa a ser palco da luta pela terra e por melhores condições de vida, encabeçadas por ela e o marido.
A história de “Torto Arado” é rica em tradição cultural do sertão brasileiro, onde se misturam crenças, lendas, religião, seca, sofrimento, violência, gratidão, escravidão, ancestralidade e, principalmente, amor pela terra. Cada parte da história é narrada por uma personagem feminina, demonstrando o protagonismo feminino construído em torno de mulheres fortes.
Com uma linguagem simples e saborosa, o autor nos apresenta o jarê, uma mistura de religiosidade e crenças populares, típico da Chapada Diamantina. Zeca Chapéu Grande é um curador das dores físicas e mentais, utilizando-se dos saberes da terra e de seus “encantados” (entidades místicas), mostrando práticas de saúde em comunidades sem acesso à medicina tradicional.
A par disso, o autor apresenta ainda a temática do trabalho rural infantil não remunerado e o trabalho adulto com vínculos escravagistas, inclusive com entraves à aposentadoria. Enfim, é um livro imperdível em termos de informações sobre o sertão brasileiro, uma rica visão de tradições genuinamente brasileiras que muitos desconhecem. É um livro que podemos qualificar como atemporal. Uma narrativa muito bem construída, linguagem simples e direta, texto que flui, leitura que não admite interrupção até o último parágrafo.
Discuti-lo no Clube de Leitura da AVL enriquece nosso repertório pelas diferentes visões e aspectos que tocam a cada um diferentemente. Acertadamente, válidos e variados pontos de vista, como sói ocorrer entre mentes singulares. Vamos agora à leitura de “O olho mais azul” da escritora Toni Morrison.
(*) Aldora Maia Veríssimo – Presidente da AVL

Ouvi há pouco tempo uma “nova” explicação sobre a música infantil “Era uma casa muito engraçada, não tinha teto, não tinha nada...”, cuja letra é de Vinícius de Moraes, de que a casa “sem paredes” e “sem teto”, na verdade seria a representação do útero materno. Belíssima e significativa metáfora! Aguçou-me a imaginação e ampliando a literariedade e a licença poética, pus-me a pensar na inquestionável importância do corpo materno, comumente chamado “mamãe”, em nossa vida intra e extrauterina.
Enquanto feto temos um ambiente preparado com exclusividade para o conforto e desenvolvimento: um tecido acolchoado de sangue, células e outros nutrientes que acolhem e alimentam o novo ser que está em formação. Não sei se pode ser considerado, exatamente, uma casa, mas a similaridade com um berço me parece plausível.
Depois que nascemos, continuamos necessitando de acolhimento e afeto, do que dependerá nossa vida razoavelmente saudável física e emocionalmente. O ser humano que disponibilizou seu âmago para gerar um filho, dando-o à luz, vai disponibilizar, também, seus braços que se assemelham a uma rede onde o novo ser vai dormir e repousar; disponibilizará seu seio e seiva para alimentar o fruto de seu amor; utilizará cantigas de ninar, singelas e afetivas, que oxigenam os sentidos e sedimentam os conceitos básicos de sobrevivência do neófito; oferece o colo onde o serzinho passará parte da infância enquanto fortalece suas destreinadas perninhas e, ainda, desfruta, suavemente, da tepidez do contato e do aconchego de sua generosa mãezinha.
Passado um pouco mais de tempo, o fruto humano cresce e se desenvolve e a “matriz” continua a exercer sua nobre função: enquanto a criança passa a andar ereta e treinando sua altivez, a mãe de verdade dobra sua coluna para aproximar o rosto e o coração do rebento amado para se fazer sentir e entender melhor.
O filho comumente, fala cedo e muito; observa tudo e analisa; entende e se posiciona; erra e acerta, como qualquer ser humano. Embora ultrapassada em termos de modernidades ou pela somatória da idade, a genitora sempre saberá o que e como falar. Diálogos, exemplos, reveses, paciências, impaciências, desinteligências, apegos e desapegos, tudo vai calando no cerne do fruto do ventre e de um coração “que não se esconde”.
Permitindo Deus e o contexto social, chegará o momento em que as posições se inverterão. Os cuidados, os braços protetores, as advertências, o carinho, o toque, o colo, percorrerão caminho inverso: da alma filial para a alma materna.
Quisera Deus que, invariavelmente, todas as mães trilhem esse caminho: primeiramente acolher, dar, ofertar, cuidar, mimar, amar, orientar, amparar para depois ter o merecido retorno, e assim se cumprir o círculo da vida, para que o princípio, meio e fim não se alterem e nenhuma mãe precise chorar perdas, as mais variadas, em relação aos filhos. Que a temperança sempre se sobreponha aos erros e o amor consiga suavizar todos os embates.
Que todas as famílias, minimamente, entendam e interiorizem seus papéis e funções, e que o amor seja nuclear e determinante na formação de seres humanos melhores. E por inabalável convicção, acredito que então o mundo poderá ser melhor e nós, todos nós, mais felizes.
“O vínculo entre mãe e filho não termina na hora do parto. O cordão umbilical é cortado na hora do nascimento, mas a conexão entre mãe e filho perdura por toda a vida, além da vida, por toda a eternidade.” (Edna Frigato)
(*) Aldora Maia Veríssimo – Presidente da AVL

Mais uma vez, entre as muitas notícias ruins nos jornais televisivos ou escritos, percebemos, com preocupação, que estamos com pouca água em nossos reservatórios responsáveis pela produção de energia elétrica e abastecimento.
Tem chovido pouco e em lugares errados. A chuva que deveria encher esses reservatórios ou não tem caído a contento ou cai em regiões que não favorecem os reservatórios.
Se não bastassem os desmandos políticos (que em grande parte se devem às nossas escolhas), se não bastassem os números absurdos de mortes devido à covid (que também se devem às nossas escolhas), ainda temos sobre nossas cabeças a preocupação com a não precipitação pluviométrica suficiente (que também se deve a muitas de nossas escolhas), a preocupação com o aumento da tarifa de energia elétrica (as tais bandeiras coloridas), o receio de enfrentarmos o racionamento de água e energia e todos os percalços daí advindos.
A crise hídrica é resultado dos baixos níveis de água nos reservatórios, no momento em que deveriam estar em níveis normais para atender as necessidades da população. No Brasil, a falta de água tornou-se mais grave a partir do ano de 2014.
De tempos em tempos somos colocados frente a notícias desse gênero e é natural nos perguntarmos o que provoca a crise hídrica no Brasil, já que temos uma extensa e variada malha hidrográfica e não somos um país predominantemente árido?
O crescimento populacional, industrial e da agricultura são responsáveis pelo aumento considerável do consumo de água, assim como, o desperdício pelos respectivos consumidores. Agrava-se essa situação, pela diminuição do nível de chuvas, o que não depende exclusivamente de nós, os brasileiros; o mundo todo está envolvido em atitudes que agridem o meio ambiente e uma das consequências é a diminuição de chuvas. Para um país com extensão continental, um litoral imenso (mais de 7 mil quilômetros de extensão), com a malha hidrográfica que temos (o mais extenso rio do mundo) e com os lençóis subterrâneos que temos (aquífero da Bacia Amazônica, aquífero de Alter do Chão), é controverso termos que enfrentar racionamento de água e energia.
Dizem os especialistas que para enfrentarmos a crise de água do Brasil, necessário se faz a dessalinização da água do mar, a transposição de rios, reutilização de água e, o mais importante: a conscientização da população, no que diz respeito à economia, não poluição e não desperdício. Respeito ao meio ambiente (vegetação) e preservação de fontes e rios.
Podemos dizer que somos privilegiados: temos a maior reserva hidrológica do mundo que agregada a uma consciência ecológica poderia reverter em benefícios na produção e uso de água, tanto para consumo quanto para a produção de energia.
Caso a população não se conscientize da importância do assunto em tela, é preciso voltarmos no tempo e apelarmos para as novenas que fazíamos nas “cruzinhas” próximas à estrada de ferro. Na época da seca, visitávamos em procissão, pequenos túmulos que havia na lateral da estrada de ferro, marcados apenas por uma pequena cruz e um gradil, e rezando depositávamos garrafas de água em cada uma delas, pedindo ao nosso bondoso Pai do Céu que nos abençoasse com uma chuva mansa e abundante. Em cada cruzinha (ou túmulo) íamos depositando garrafas cheias de água, cantávamos e rezávamos, pedindo chuva. Não sei por que, mas tínhamos certeza de que nossas preces seriam atendidas.
Tempos remotos, os valores e as prioridades eram outras, mas fazíamos nossa parte: no sol escaldante, rezando e cantando pedíamos a intercessão de Deus para minimizar nossas necessidades.
Atualmente, dadas as circunstâncias, esse ritual pouco ou nada valeria. A modernidade e o progresso nos trouxeram muitos benefícios, mas também alguns retrocessos, entre eles a escassez de água tanto para consumo quanto para mover nossas usinas.
“Todo progresso é precário e a solução para um problema coloca-nos (sempre) diante de outro problema”. (Marin Luther King)
(*) Aldora Maia Veríssimo – Presidente da AVL

Esta semana, li um pequeno texto no Facebook, cujo título era “Pai, começa o começo”. O texto fala de um filho que sempre que vai comer uma tangerina pede ao pai que “comece o começo”, ou seja, que arranque o primeiro pedaço da casca da fruta, que sempre é o mais difícil.
Minha idade e minhas vivências estão sempre a me fazer retroceder no tempo ao encontro de minhas mais queridas lembranças. Lembrei-me de ter vivido esta mesma situação inúmeras vezes. Também pedia a meu pai que “começasse o começo” das frutas que eu queria degustar. Era dar o primeiro furo na casca da fruta para eu continuar depois. Incomodava-me enterrar a unha na casca sumarenta da fruta, daí o pedido.
Foi impossível não fazer ilações sobre esse fato tão comum na minha vida. Comecei a pensar nos “começos” que meu pai me proporcionou. Foi ele que me ensinou, pelo exemplo, a ser honesta e responsável no trabalho e fazê-lo da melhor forma possível. Sua ida diária ao armazém, sempre sorridente e elogiado pelos clientes forjaram em mim a capacidade de trabalho, que me levou a ser professora durante 50 anos, sem me utilizar de licenças–saúde falsas e pouquíssimos abonos de faltas, embora fosse um direito trabalhista.
Foi ele que me levou a introjetar desde muito cedo que ser educada, polida e discreta com as pessoas me garantiria um maior acesso às estratégias para sanar minhas necessidades, já que é difícil dizer “não” quando a reivindicação é pautada no direito e a solicitação é pautada na educação.
Foi ele, que com seu jeito calado, me ensinou a ser bastante observadora e só falar quando a certeza fosse inabalável e a mensagem necessária. Para ele era “melhor passar-se por tolo do que por esperto demais”. Menos é mais, já me informava meu pai, ainda que metaforicamente. Isso configurou-se um traço em minha personalidade: quanto mais importante é a situação, menos eu falo, mais eu observo, não me atrevo a falar do que não tenho plena certeza.
Foi meu pai que pelo respeito direcionado a quaisquer pessoas, independente da classe social ou situação econômica, me ensinou a fazer o mesmo; valorizar as pessoas pelo que são e não pelo que aparentam. Ensinou-me, na prática, que se deve valorizar a “essência e não a aparência”. Dizia ele ser muito comum “por fora bela viola, por dentro pão bolorento”.
Foi meu pai, desde muito cedo, que me incutiu o conceito de “primeiro a obrigação e depois a devoção”. Não aceitava fanatismo religioso, acreditava ser o lar nosso primeiro e mais importante templo para se exercer o respeito a Deus e amor ao próximo. Dizia ele, não adianta ir à igreja e bater no peito e manter o coração cheio de amargor, revolta e inimizades.
Foi ele que me ensinou a “não tomar o que não fosse meu”. O cuidado que deveríamos ter com nossos pertences, principalmente material escolar, com a certeza da devolução ao dono, seguido de um justo castigo, caso houvesse alguma apropriação indevida. O respeito ao que é dos outros e o cuidado com o que é meu, foi meu pai que me ensinou.
O conceito de hierarquia, o dever e os direitos de cada um, o respeito e o amor devido a cada componente da família, foi meu pai que me ensinou. Nossos laços sanguíneos justificavam nosso amor e cuidado mútuos. Ninguém gosta mais de nós do que os nossos familiares. À família, nosso amor, respeito, consideração em qualquer situação ou dificuldade.
Em meio ao cenário político contemporâneo soa-me vergonhoso sentir respeito a quase totalidade dos políticos. Mas, para meu pai, as autoridades políticas mereciam nosso respeito incondicional. Admirava, grandemente, Jânio Quadros, Coronel Garrastazu Médici, entre outros. Se cometiam falcatruas e roubos, nem assim, meu pai os desrespeitava. Acreditávamos que essa postura era fruto de sua educação lusa.
Enfim, “começando o começo” do meu repertório moral e ético, acredito que meu pai cumpriu sua missão, de tal maneira que, independente do tempo passado desde a sua perda, ainda hoje, estabeleço relações de minhas concepções com os ensinamentos de meu pai. E reverbera em meu coração o carinho, o respeito e o orgulho pela incrível progênie que me trouxe ao mundo.
“Na educação das crianças, as atitudes dos pais, ensinam muito mais do que palavras”. (Autoria anônima)
(*) Aldora Maia Veríssimo – Presidente da AVL

Para nós, representantes da longevidade, o início do mês de junho sempre nos traz à memória as festas juninas, tão frequentadas em nossa infância e adolescência.
Havia festa junina na escola (ainda há!), havia festa junina na paróquia, havia festa junina no quarteirão. Música especial, fogueira, bandeirinhas, comidas típicas, correio elegante, muita “paquera” e muita alegria. Sem contar os fogos de artifício, que se faziam ouvir, assim que o mês de junho começava. Nas escolas, era difícil controlar que os espertinhos estourassem bombinhas no pátio, nos banheiros e até dentro da sala de aula.
Hoje, dia 24, é o dia consagrado a São João. Foi o dia de seu nascimento. João foi primo de Jesus, batizou-o no rio Jordão e foi o primeiro a reconhecê-lo como o Messias. Além do dia de São João, em junho comemora-se também o dia de Santo Antonio, no dia 13 e o dia de São Pedro no dia 29.
Pesquisas sinalizam que a origem das festas juninas é pagã; eram festas promovidas no mês de junho porque corresponde ao final da primavera e começo do verão no hemisfério norte, oportunidade em que se pedia aos deuses fartura nas colheitas.
Como o dia 24, dia do nascimento de João é o solstício de verão, as festas eram, a princípio chamadas de “joaninas” e posteriormente de “juninas”. O caráter pagão foi direcionado, pela Igreja Católica, à religiosidade, com a inserção dos outros dois santos, muito populares.
Sempre comemoramos as festas juninas em família, principalmente o dia de São João, já que meu irmão mais velho, nascido nesse dia, recebeu o nome de José. Isso mesmo, nasceu no dia de São João e em louvor ao santo do dia recebeu o nome de José!
Era uma noite aguardada ansiosamente por toda a criançada de casa, os primos e toda a vizinhança. Preparávamos a fogueira enquanto nossa mãe preparava a comidinha típica: pipoca, batata doce, milho cozido e assado, pé de moleque, quentão e a tradicional bolachinha de sal amoníaco. À noite meu pai chegava do trabalho e nos trazia bombinhas, fósforos de cor e rojões.
Muito cuidadoso, meu pai só trazia fogos fracos. Mesmo assim, a festa só começava, de verdade, nesse momento. Mas esperávamos, também ansiosamente, por nosso tio José Luís, que nos trazia mais fogos e, felizmente, muito fortes. Além dos fogos, também chegavam nossos primos preferidos e então tudo estaria perfeito “para nossa alegria”!
Lembro-me, com saudades, de uma dessas festas. Tudo corria bem e entusiasmadamente até chegar à meia noite. Minha irmã número 02 e uma prima resolveram pular a fogueira para se tornarem comadres. Posicionaram-se em lados opostos, e ao som de “Pula fogueira Iaiá, Pula fogueira Ioiô” que entoávamos animadamente, ambas pularam e chocaram-se sobre a fogueira.
Nesse momento, se desequilibram e caem sobre as achas de fogo. Aos nossos gritos ambas rolam para fora da fogueira espalhando as toras em brasa e levantando uma miríade de fagulhas, estranhamente bonita, apesar da gravidade. Correria, desespero, gritaria, mamãe corre para acudi-las imaginando as queimaduras e antevendo a choradeira. De pé, chacoalhando as saias rodadas de caipirinhas, percebemos que não haviam se queimado e nem danificado as roupas. Apenas um pequeno furo, como se feito por um cigarro, vimos na saia de nossa prima. Nenhum ferimento, joelhos no chão e agradecimentos a São João pela providencial proteção e tudo terminou em muita risada, apesar do descompasso dos corações.
Bom seria se tivéssemos mantido essas tradições e a pureza das crianças e jovens para continuarmos a nos divertir de forma tão saudável! Que venham as evoluções tecnológicas que tanto facilitam nossas vidas, mas que saibamos manter nossas tradições que nos são tão caras.
“A fogueira está queimando, toda a noite se ilumina. Alegria, minha gente, é mês de festa junina!” (Autoria anônima)
(*) Aldora Maia Veríssimo – Presidente da AVL – Cadeira nº 04

O Dia dos Namorados, em alguns países é chamado de Dia de São Valentim, uma data comemorativa na qual se celebra o amor entre casais. Em alguns lugares demonstra-se, também, afeição entre amigos, sendo comum a troca de cartões e presentes. Em Portugal e em Angola, e em muitos outros países, comemora-se no dia 14 de Fevereiro.
No Brasil, a data é comemorada no dia 12 de junho, véspera do dia de Santo Antônio de Lisboa, conhecido pela fama de “Santo Casamenteiro”. Essa data foi criada pelo publicitário João Doria (o pai). Doria trouxe a ideia do exterior e a apresentou aos comerciantes paulistas, iniciando em junho de 1949 uma campanha com o slogan “Não é só com beijos que se prova o amor”. A ideia se expandiu pelo Brasil, e é utilizada para incentivar a troca de presentes entre os apaixonados.
Em tempos de eu adolescente, tive comemorações memoráveis no dia dos namorados, desde uma rosa roubada no jardim da vizinha, até um anelzinho de pedra transparente simulando um “diamante”, passando por uma ida à sorveteria com direito a sorvete de casquinha sabidamente o mais caro.
Houve comemorações com o primeiro beijo na boca, com a primeira rusga, com um elogio incomum, com cartas apaixonadas quando namorei à distância, enfim, como era bom comemorar o dia dos namorados, mesmo que às demais pessoas pudesse parecer muito simples, para mim e meu namorado era absurdamente agradável e emocionante. Renovávamos nossos sentimentos. Nunca fui afeita a presentes caros, valorizava mais a lembrança e a espera do momento do encontro e da troca de mimos.
Neste ano, talvez pela inércia que a pandemia me impôs, prestei atenção às mensagens nas redes sociais. Pareceu-me ver, preponderantemente, mensagens produzidas por mulheres. Apregoam amor eterno, enaltecem a parceria com o companheiro, destacam as qualidades da cara metade, referem-se a momentos inesquecíveis já vivenciados, enfim, só aspectos positivos. Me pergunto onde estariam as mensagens dos homens para suas amadas? São tímidos? Não valorizam essa exposição? Não acham necessário expor publicamente o que sentem? Sentem mesmo?
Evidencia-se, mais uma vez, a diferença entre homens e mulheres. Elas, ansiosas por serem amadas e assumidas e eles “desapegados” e provavelmente despreocupados com os melindres femininos. E ambos, homens e mulheres, sendo atropelados pelas campanhas promocionais dos meios de comunicação e pelo visgo do consumismo.
Vi, também, várias postagens de casais mais enamorados “do que sonha nossa vã filosofia” e do que prova a mesmice tóxica do passar dos dias. Mas, já li que “quem realmente é feliz na vida real não tem tempo nem necessidade de fazer postagens na vida virtual” que tornem público o que não interessa ao público.
Isso é a vida. Isso é o que temos para hoje!
Bom seria que todas as mulheres pudessem ser amadas e valorizadas por seus parceiros, que, de quebra pudessem ter sensibilidade para não magoá-las, para respeitá-las, para apoiá-las, para caminhar com elas de mãos dadas na construção de uma vida compartilhada e minimamente feliz.
Se assim fosse, não seriam necessárias datas comemorativas, não seriam necessárias postagens que servissem de cortina de fumaça, pois então a vida a dois seria, não um “mar de rosas” mas uma “vida comum” em que ambos possam opinar, possam ser ouvidos, possam ser considerados como seres humanos merecedores de privilégios iguais, trilhando um caminho com altos e baixos, com reveses e recompensas, sem maniqueísmos, sem logros, sem falcatruas, sem maldade, sem violência de qualquer espécie.
“Partilhar sonhos, experiências e aprendizados; crescer e amadurecer com você todos os dias. Isso é amor!” (Autor anônimo)
(*) Aldora Maia Veríssimo – Presidente da AVL

Li que a Festa de Corpus Christi é celebrada na quinta-feira seguinte ao domingo da Santíssima Trindade, que se segue ao domingo de Pentecostes, e ocorre 60 dias depois da Páscoa.
É a festa do Corpo e Sangue de Jesus Cristo. Uma festa católica que busca celebrar o mistério da Eucaristia. Foi instituída pelo Papa Urbano IV no dia 8 de setembro de 1264.
Para comemorar o dia de Corpus Christi, tradicionalmente, as ruas são enfeitadas, ornamentadas para que por elas passe a procissão com o Santíssimo Sacramento. Cada cidade enfeita suas ruas com materiais diversificados de que dispõe: serragem, areia colorida, borra de café, cal, etc…
A procissão remete à caminhada do povo de Deus, em busca da Terra prometida, povo esse que é alimentado pelo próprio Corpo e Sangue de Jesus Cristo, conforme preconiza a fé católica.
Várias cidades brasileiras se destacam na decoração para comemorar a Festa de Corpus Christi, entre elas: Santana do Parnaíba, São Gonçalo, Matão, Curitiba, e em nossa região há que se destacar a querida Piquerobi, que em anos anteriores atraiu milhares de pessoas seduzidas pela ornamentação e pela fé; crianças, jovens, adultos, educadores e profissionais liberais se empenham para a confecção do tapete, cuja tarefa é também uma forma de demonstrar a fé na Eucaristia.
Este é o segundo ano em que as celebrações da Sagrada Eucaristia tiveram seu brilho diminuído pelas dores das perdas impostas pela pandemia de Covid 19; não houve a tradicional procissão a que estávamos acostumados; o que paradoxalmente provocou um fervor maior no coração e nas almas sequiosas do amor de Deus.
Com o coração apertado por circunstâncias pessoais e coletivas, não pude deixar de lembrar das procissões de Corpus Christi da minha infância e adolescência.
Sendo a mais nova de sete filhos, sempre me considerei uma mera observadora da vida vivida por minhas irmãs mais velhas. Morávamos em um bairro e, logicamente, as ruas de acesso à Igreja Nossa Senhora de Fátima eram de terra. Lá íamos todas nós, com meus pais, rumo à Igreja, normalmente ainda no início da tarde. Íamos todas com “roupa de missa”, entenda-se, roupa nova ou quase nova e sapatos, normalmente nos apertando os dedos acostumados à liberdade dos pés no chão.
Todas nós éramos cuidadosas e caprichosas com o figurino especial, mas ninguém superava minha irmã número 03. Era a mais cuidadosa com suas roupas e sapatos, a ponto de levar consigo um lencinho com o qual limparia os sapatos empoeirados pela areia do caminho.
Mas nada nos empolgava mais do que cumprir um ritual empolgante: chupar picolé após a procissão, preferencialmente, de groselha. Na sorveteria do Sr Poveda, próxima à Igreja. Era uma festa. Nossa vida muito simples e regrada não nos permitia certos exageros, mais por rigidez de educação do que por dificuldade econômica. Esse costume rendeu uma piada familiar: o primeiro namorado da minha irmã número 02, que depois se tornou seu marido, dizia que se apaixonara ao vê-la chupando picolé de groselha, com os lábios coloridos pelo suco que descia pelo queixo. Esse comentário gerava simultaneamente risos nossos e muita irritação em minha irmã, que nunca foi um doce de pessoa.
Nesta quinta-feira (03/06), com as celebrações reduzidas, e a alma marcada pela dor, sobrou-me espaço para pensar nos tempos idos em que ir às procissões se nos afigurava como um evento digno de nosso maior empenho e da nossa incomensurável confiança no amor de Deus por todos nós. Éramos muito felizes, nós e nossos pais, nós e nossas ingenuidades, nós e nossas alegrias simples, nós e nossa família completa, quando ainda não tínhamos noção dos percalços e das dores que a vida nos imprimiria.
“O pão que eu darei é minha carne para a vida do mundo.” (Jo, 06:51)
(*) Aldora Maia Veríssimo – Presidente da AVL
Coluna
Aldora Maia Veríssimo
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