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E agora, José?

Atualizado: 21 de jun. de 2023



E agora, José?/ A festa acabou,/a luz apagou,/o povo sumiu,/a noite esfriou,/e agora, José?/e agora, você?/você que é sem nome,/que zomba dos outros,/você que faz versos,/que ama, protesta?/e agora, José?/(...)/José, e agora?/Se você gritasse,/se você gemesse,/se você tocasse/a valsa vienense,/se você dormisse,/se você cansasse,/se você morresse.../Mas você não morre,/você é duro, José!/Sozinho no escuro/qual bicho do mato,/sem teogonia,/sem parede nua/para se encostar/sem cavalo preto/que fuja a galope,/você marcha, José!/José, para onde?


Carlos Drummond de Andrade escreveu o poema acima, quando o mundo estava em plena Segunda Guerra Mundial e o Brasil entrando na Ditadura, com o Estado Novo de Getúlio Vargas.


Na época em que Carlos Drummond de Andrade começou a escrever, o país fervilhava com mudanças, tanto no campo da arte, quanto na política e economia. O movimento literário conhecido como Modernismo se consolidava, reforçando a formação de uma identidade artística nacionalista.


Drummond foi o grande precursor da Poesia de 30. Seu estilo era tipicamente modernista: escrevia versos livres, sem preocupações com métrica e sem erudições. Sua poesia era sofisticada, mas, ao mesmo tempo, também era livre e popular.


Podemos dizer que Drummond foi um poeta com significativo engajamento social e atento às questões políticas de sua época, daí a escolha do poema, como elemento de reflexão para nosso momento cívico-político.


Guardadas as devidas diferenças cronológicas e sociais (se é que as temos!), entendo que o poema em tela com seu verso recorrente “E agora, José?”, uma pergunta trivial e prosaica, representa a incredulidade e decepção de muitos brasileiros com o momento atual. Com diferentes entonações: suave, estarrecida, em brados ou gritos precisamos verbalizar nossa indignação!


Tomados por incertezas e medo, “marchamos para onde” ou “para onde deveríamos marchar?” O que fizemos de nosso livre arbítrio; usamos bem? optamos bem? alternamos adequadamente?


Livre arbítrio exercitado, opção optada, alternância alternada... Mas, o que nos reserva o passar do tempo? A que deveremos nos adaptar, “digerir” ou “engolir”?



Não por acaso, o interlocutor chama-se José. Um nome muito comum no universo masculino brasileiro, classificado entre os 50 nomes mais usados. Certamente deve ser um Silva, já que esse é o sobrenome mais usado no Brasil. Aqui estamos nós, sem saber se estávamos ou se estamos certos. Errar é humano, persistir no erro... Afinal, erramos ou acertamos?


Em que sociedade estamos inseridos? Em que valores devemos nos ancorar? O que aprendemos com nossos pais e mestres não tem mais valor? Ética, moral, religião, a verdade, o certo, o errado; tudo pode, tudo está certo, tudo é aceitável. Está tudo bem!


É compreensível que a humanidade evolua, mude, transforme-se, mas há que haver um tempo de amadurecimento, que nos seja permitido dialogar, entender para então aceitar ou tolerar. E assim caminham os indivíduos, deixando-se influenciar e influenciando sobre assuntos que desconhecem visceralmente. Famílias inseguras, sociedade em crise, escolas encurraladas, professores desrespeitados e nosso futuro comprometido por esses e outros fatores e nossos jovens cada vez mais frágeis, cada vez mais solitários, cada vez mais reféns de um vazio existencial que não se preenche. “E agora, José?”


“O que me preocupa não é o grito dos maus. É o silêncio dos bons.”


(Martin Luther King: 1929 - 1968)


(*) Aldora Maia Veríssimo - Presidente da AVL

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