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No encalço

Atualizado: 20 de jun. de 2023



Esta semana fui a Presidente Prudente, ao médico, como a maioria dos venceslauenses. Sempre gostei do trajeto das minhas locomoções, sejam curtos ou longos, e dessa vez não foi diferente, apesar de useiro e vezeiro. Sou carona, tenho o melhor motorista do mundo, por isso viajo tranquila e posso conversar, cantar, apreciar a paisagem e o perpassar das árvores, das flores, do gado, das pequenas sedes de fazendas, os demais carros e seus condutores.


Lembrei-me, então, do tempo em que viajei para Assis, fazendo um curso de Pós-graduação. Deslocava-me uma vez por semana até a UNESP e na maioria das vezes ia sozinha. Insegura, tinha um certo receio do trânsito pesado, dos caminhoneiros que se sentiam “donos da estrada”, da velocidade dos carros dirigidos pelos mocinhos e mocinhas, que me pareciam muito ousados. Sempre temi a chuva, diminuo a velocidade, fico tensa e ponho-me a rezar.


Tinha medo de que a noite me surpreendesse na estrada porque um possível problema na mecânica do carro me apavorava. Imaginava-me com o carro parado, no escuro, o celular sem sinal, o medo de ser abordada por algum motorista, enfim, tenho medo do escuro e na estrada, pior ainda. Meu filho, quando criança, se viajássemos à noite, ele se preocupava com um possível término do combustível. “Papai, você abasteceu? E se a gasolina acabar?”


Por mais de uma vez, cansada, pois ia e voltava no mesmo dia, tive apagões passando por perigos concretos, porque, sozinha, era muito difícil manter-me atenta e acordada. A visão do entardecer após vencer uma subida assemelhava-se a um teto rebaixado, formado por ameaçadoras nuvens escuras, mais baixas do que possível. “Acordar” muito próxima da traseira de um caminhão de combustível, e que me pareceu estar, literalmente, entrando embaixo da carroceria à minha frente. O pânico expresso pelo coração acelerado, as pernas bambas que não davam conta do pedal do freio, a angústia de estar sozinha… Lembrei-me, então, de um dia específico em que voltando da aula, comecei a perceber no asfalto, algo que demorei a identificar: pareciam postas de carne ou algo parecido, algumas maiores e outras menores; algumas sobre poças de sangue. Como percebi tudo isso? Claro que aquelas “coisas” em uma certa sequência, me chamaram a atenção; diminuí a velocidade, óbvio.


E a trilha sanguinolenta continuava por longos quilômetros. Apavorada, comecei a fantasiar: o que teria acontecido? O que estava espalhado pelo asfalto? Lembrava-me uma carnificina, acordando narrativas dos programas policiais sensacionalistas da TV aberta. E lá vinha eu, sozinha, apavorada, criando histórias fantasiosas sobre o que estava vendo. Acelerei um pouco mais, com os olhos esbugalhados, taquicardia severa, tronco projetado para a frente, observando as peças no asfalto. Pareceu-me um percurso muito longo, um tempo igualmente longo, eu nada entendendo e o meu receio aumentando.


De repente, com o trânsito menos intenso, vejo à minha frente, um caminhão basculante, deslocando-se vagarosamente, tão vagarosamente, que eu o alcancei. E então pude desvendar o mistério que me amedrontava há cerca de 100 quilômetros e aproximadamente 2 horas: o tal caminhão, velho, já bem prejudicado, resfolegando e soltando fumaça nas subidas, estava cheio, muito cheio de uma carga estranha; um carregamento de vísceras, miúdos, patas, couro e outras coisas que tais, e sem estar coberto com encerado ou amarrado de alguma forma, distribuía pela Raposo Tavares pedaços (nada nobres!) de bovinos e/ou suínos, recolhidos, provavelmente, em um matadouro qualquer!


Quase deixei o carro afogar, tal meu espanto. Afinal, nada demais, a não ser a irresponsabilidade do motorista em não proteger sua carga. Pensando bem, acho que ele colaborou para que acontecessem vários “banquetes” que seriam degustados pelos animais carnívoros que habitam as pequenas matas que ladeiam a estrada.


Ultrapassei o velho caminhão e aliviada rumei para Venceslau. Era sexta-feira, início da noite. Eu teria coisas melhores, mais importantes e prazerosas para me preocupar!


“Preencha sua vida com experiências, não coisas. Tenha histórias para contar e não coisas para mostrar.” (Autor anônimo)


(*) Aldora Maia Veríssimo – Presidente da AVL

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