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Sem lenço, sem documento…

Atualizado: 20 de jun. de 2023



Minha geração foi educada para o casamento, profissão, estabilidade, patrimônio, ter filhos, escolarizar os filhos, auferir bens, ter netos e uma velhice tranquila.


Nascemos em famílias com esses valores que nos são repassados naturalmente e, na maioria das vezes, não questionamos, sequer imaginamos que a vida possa ser diferente desses moldes que nos são apresentados. E a quase totalidade de mulheres e homens da minha geração acabam por seguir esses parâmetros, acreditando que são a fórmula da felicidade.


Sou de índole e formação conservadora e sinto-me confortável nesse padrão embora com seus percalços e dificuldades; por isso, espíritos “fora da curva” costumam me incomodar, deixam-me na defensiva, talvez por não conhecer outros jeitos de viver e, portanto, não acreditar serem possíveis.


Há muito uma figura comum nos acostamentos das estradas, nas regiões interioranas ou nas regiões metropolitanas, me incomoda: o andarilho. Nos dicionários, andarilho é o indivíduo que anda muito, vagueia, anda de forma errante.


Sempre que em alguma viagem longa ou curta passamos por algum andarilho, minha vontade é parar o carro, aproximar-me do indivíduo e conhecer-lhe as causas dessa vida itinerante. A figura de um andarilho é impactante: roupas puídas, pés descalços ou de chinelos, camisas sobrepostas, calças amarradas com fios de corda ou barbante, cabelos compridos, um velho boné e uma extrema magreza que evidencia uma palidez preocupante. Um velho saco  completa o personagem, no qual, provavelmente leva algum pertence ou quem sabe algum resquício da vida pregressa.


Pergunto-me: será que teve ou tem esposa? Tem filhos? Tem bens, casa, terras, enfim, tem vínculos ou raízes? Ainda terá pai e mãe? Irmãos? O que pensa, o que quer, o que almeja? Tem sonhos a serem alcançados ou sonhos que já se desfizeram e desapareceram no pó da estrada? O que o terá afastado do círculo familiar: uma grande decepção ou um sonho de liberdade que nem todos podem entender?


Percebo que ao  passar  um carro ao  lado  de  um  andarilho, o mesmo sequer olha, ignora o por completo, como se não o percebesse. Suas vestes precárias, quase reveladoras do corpo magro, parecem ser segunda pele, em tudo sua figura parece ser menos, mas os cabelos, normalmente compridos, livres ao vento remetem à liberdade e ao descompromisso, sugerem desapego, ruptura de laços,  despojamento absoluto.


Quando o sol poente indefine as imagens e sugere sombras ameaçadoras, quando a noite vem e a escuridão se impõe, o que acontece com o andarilho? A grama é o seu colchão e as estrelas o seu cobertor? Nesse momento não se reavivam as lembranças da vida abandonada? Um amor inesquecível, um filho que não viu crescer, um calor humano para aquecer o coração e os ossos! Será a noite pior que o dia? Sem lua que possa atrair mariposas? Noite sem vagalumes, escuridão amiga que protege sentimentos guardados a sete chaves, não fotografáveis, nem desvendáveis em câmaras escuras mas sempre presos em seu olhar indecifrável?


Mas, como tudo muda, na sequência virá como recompensa, venturosa manhã com outras paisagens e outros caminhos.  E outros dias virão, quando  veremos, em seu silencioso caminhar à margem da sociedade, entre árvores ou sob o sol causticante, pensamentos bons e claros, sonhos puros e simplistas, característicos dos espíritos livres que em sua peculiar maneira de vive, amiúde meditativo e esporadicamente feliz, sedimentam suas escolhas: andarilho por opção e por filosofia de vida.


“Somos todos andarilhos a vagar num mesmo deserto cheio de pessoas”. (Pedro Aquino de Mello e Cunha)


(*) Aldora Maia Veríssimo –  Presidente da AVL

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