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Acredite se quiser...


Conheci o seu Antônio, para nós meninos, tio Tonho, quando tinha cerca de 10 anos. Zelador do campo de futebol situado nos altos da cidade o velho, embora muito ranzinza, permitia que jogássemos nosso futebol nos finais das tardes. Sentava-se na frente de casa que ficava aos fundos do campo, embaixo de frondosa mangueira e, com um copo americano de cachaça numa das mãos e um cigarro de palha na outra ficava proseando com a molecada até a noite chegar. Tio Tonho era uma pessoa especial . Tinha o hábito de duvidar de tudo. Não acreditava em nada dizia. Não acreditava em Deus, mas de vez em quando, dizia ‘se Deus quiser’, não acreditava nos médicos e preferia crer na dona Maria benzedeira porém quando teve uma gastroenterite correu para a Santa Casa e , então, não acreditava em nada mas se desmentia a cada momento. Politico por excelência, janista “roxo”, dizia não acreditar nas eleições e na apuração dos votos, mas após o término do pleito não descolava os ouvidos da “ZYH7” com papel na mão somando os sufrágios de seus candidatos e se eles perdessem a eleição o tio ficava doente e arrumava briga com os adversários... Seu Tonho era assim e, com seu jeitão, animava nossas tardes de folguedos! Uma vez nos reunimos na calçada ao anoitecer e combinamos ir até o campo a noite assustar o velho que dizia não acreditar em fantasmas ou em almas penadas. Após as 21 horas, já sabendo que o homem deitava cedo, arrumamos uma capa escura e um lençol branco, fizemos uma cruz de madeira e, usando uma lamparina, nos postamos à frente de sua porta entoando hinos estranhos e lançando gritos imitando agonia e dor; então ouvimos o homem rezar alto e clamar pela proteção de Deus. Rimos muito quando nos contou o episódio e quando falamos que ele não acreditava nestas coisas desconversou.


Fui estudar fora e já cursando medicina voltei para as férias na cidade. Era o mês de Julho e estávamos naquele ano de 1969 inaugurando nosso primeiro aparelho de TV, um móvel enorme com imagem em preto e branco, antena no telhado e na maior parte do tempo com “chuvisco” que atrapalhava nossa visão. Naquele dia 20 a sala e a varanda estavam lotadas pelos nossos vizinhos e amigos que ainda não possuíam aquela modernidade e, entre eles, lá estava o tio Tonho muito envelhecido, magrinho, mas com o mesmo olhar vivo e a cara “fechada” que conheci na infância. O dia era especial! Íamos assistir pela televisão a chegada do primeiro homem à lua. O mundo inteiro ansiosamente esperava por este momento histórico...


Então, de repente, quando o silêncio e a expectativa tomava conta de todos o tio Tonho saiu com esta joia inesquecível “- vá ,vá! Eu não acredito nisto. Homem chegar à lua! Passarinho ainda pode ser mas o homem jamais”. Acredite se quiser...


(*) O autor é médico e membro da Academia Venceslauense de Letras

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