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As minhas mãos


Examino as minhas mãos enquanto espero. Elas já apresentam aquelas pequenas manchas da senectude. Ao examiná-las percebo e reconheço a sua enorme importância para a vida. Engraçado, no dia a dia, quase não as percebemos e, no entanto, são fundamentais. Ao nascer o lactente apoia suas mãozinhas no seio materno de onde sorve o abençoado leite, a seiva da vida; ao dar os primeiros passos a criança estende sua mão para a mãe protetora e desta forma vence a insegurança e o medo de iniciar sua caminhada. Também com as mãos pega objetos e percebe o que é solido e o que é liquido, o que é quente e o que é frio, o que lhe dá sensação agradável e o que lhe provoca dor. Na primeira infância usa as mãos para escrever as primeiras letras e, às vezes, como aconteceu comigo, tem que usar o caderno de caligrafia (ainda existe?) para ocupar o espaço certo. Na juventude usamos as mãos para a pratica dos esportes, para segurar nas mãos da namorada, para fazer carinho e, também, para se defender da agressão que, infelizmente, também ocorre. Depois vem o trabalho e as usamos na lida diária, bordando, escrevendo, embrulhando, empurrando, puxando, construindo e, algumas vezes, destruindo!


Olho à minha volta e vejo, sentado ao meu lado, um trabalhador braçal. Suas mãos são diferentes das minhas; calejadas, grossas, são a comprovação de uma vida dedicada ao trabalho...Mãos que plantaram a semente que se transformou em alimento em minha mesa, mãos que construíram, tijolo por tijolo, a casa em que moro, a linda cidade em que habito. E, então, a admiração por aquele cidadão que mal conheço enche o meu coração e transborda no sorriso sincero que lhe dirijo. As nossas mãos são a história e o documento de nossas vidas!


As minhas mãos também têm muita história para contar. Fico imaginando que elas foram úteis para trazer ao mundo muitas, incontáveis crianças que hoje são trabalhadores, pais e mães de família, edificando com suas mãos suas vidas. Fazendo partos da quarta geração de mulheres penso que minhas mãos contribuíram com a felicidade e a realização de numerosas famílias.


Também serviram para amparar, para dar força, para estar ao lado de muitas e muitas pessoas no momento de dor, de sofrimento, de despedida. As minhas mãos hoje com algumas manchas da senilidade ainda continuam na intensa atividade do trabalho. Nesta semana trouxe à vida o pequeno Daniel que, espero, um dia será também um trabalhador a construir sua existência com suas próprias mãos.


Escrevo e são elas que transportam para o papel o que vai na minha alma e, no escuro, pelo tato, me mostram o caminho a trilhar e me levam ao porto seguro. Também são elas que me permitem acenar para as pessoas que encontro pelas ruas, que me ajudam no amplexo apertado com o qual traduzo para o ente querido todo o meu carinho, todo o meu amor. São elas que, na despedida, acenam para quem vai embora lhe transmitindo o desejo de boa caminhada e breve regresso. Enfim, são elas que observo agora e sinto aqui dentro do peito a validade incomensurável de poder tê-las e sempre contar com elas.


Então ergo as minhas mãos unidas para os céus e agradeço a Deus por esta preciosa dádiva e o meu coração O louva: “Grandioso és Tu, grandioso és tu Senhor”.


(*) O autor é médico e membro da Academia Venceslauense de Letras

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