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Buião


Naquele tempo Cataguases ainda era uma cidade bem pequena próxima às margens do rio Pomba, importante afluente do rio Paraiba do Sul, na zona da mata mineira, muito diferente da cidade de hoje, importante polo industrial mineiro e uma das responsáveis pelo desenvolvimento da região. Como toda cidadezinha que se preze Cataguases tinha também seus cidadãos típicos, que chamavam a atenção e eram conhecidos por todos. Havia o padre Lourenço que nas missas de domingo esbravejava com as mulheres que iam à igreja sem véus , a dona Maricota que não saia da janela e sabia da vida de todo mundo até que o doutor Raimundo tinha uma amante mas que não dizia quem era porque devia muito ao médico que curava suas mazelas sem cobrar nada, no entanto a figura que mais chamava a atenção de todos era o Buião, um homem de meia idade cujo verdadeiro nome ninguém conhecia que, maltrapilho, vagava o dia todo pela cidade sempre cantarolando, nas noites quentes dormia na pracinha e nas frias no átrio da igreja, comia pela bondade das pessoas e, embora forte, não trabalhava. Buião, diziam, sofria das “faculdades mentais” e, embora não agressivo, causava pânico na criançada que corria dele e mudava de calçada quando com ele se encontrava. Este medo era estimulado pelos adultos que diziam à molecada “ se não comer vou chamar o Buião”, “ escureceu entra pra dentro senão o Buião vai te pegar”... Tia Dolores mesmo era mestra em nos causar pavor com a figura do Buião. Nas conversas de boteco se dizia que o homem tinha matado um desafeto lá em Porto Novo do Cunha, divisa com o Rio de Janeiro e que um golpe com aquele sarrafo que sempre carregava era capaz de matar uma criança.


Mas moleque é moleque! A garotada quando saia da escola e via o Buião pegava mamona e de longe jogava contra o homem para que ele corresse atrás deles e, naquela algazarra, rápidos, corriam para dentro de suas casas ou para a proteção dos adultos e ficavam a zombar do maltrapilho.


No final de Setembro a primavera encheu a praça de cores e perfumes e lá estavam os moleques a provocar o pobre do Buião. Uma mamona lançada pelo Dito acertou bem o rosto do homem que se voltou com raiva e começou a correr atrás dos meninos, o sarrafo na mão brandindo no ar, a expressão de odio no olhar. Todos correram, mas, por azar, Mindinho tropeçou e caiu sendo alcançado por Buião. O mesmo o pegou no colo e se dirigiu para as margens do rio Pomba onde costumava sempre ficar. Apavoradas as crianças avisaram seus pais que “o louco” havia pegado o Mindinho e que provavelmente ia afoga-lo. Correria total. Chamaram a policia que, armada, se dirigiu junto com a multidão para as margens do rio; até dona Maricota saiu da janela e acompanhou a turma. Divisaram o homem sentado junto a água com o menino no colo lavando com carinho as escoriações do joelho que a queda havia lhe dado. Todos, mudos, testemunharam o beijo que Buião deu naquele rostinho trigueiro e o encaminhou para os pais. O tempo passa rápido e só soube do homem há poucos dias. Me disseram que anos depois do ocorrido veio a falecer de morte natural e seu enterro foi o mais concorrido e bonito da história da cidade.


(*) O autor é médico e membro da Academia Venceslauense de Letras

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