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Coincidências


Eu era apenas um menino! Tinha cerca de 10 anos quando chegamos a Presidente Venceslau. Fomos morar ali na Avenida Princesa Isabel onde hoje se encontra as ‘Casas Bahia’. Era um predinho onde embaixo funcionava o açougue de seu Moreno e em cima vivíamos nós. Na esquina havia a farmácia São Paulo e em cima dela, no primeiro andar, o consultório de papai e, no segundo andar, a casa de um coleguinha de classe que se tornou meu melhor amigo, o Wilson, também filho de médico, do doutor Cristóvão Rutiller Teixeira Maciel, que trabalhava no Hospital ‘Nossa Sra Aparecida’ a poucas quadras de casa, onde hoje funciona o colégio Venceslauense. Subíamos todos os dias a pé para o IE, estudávamos à tarde e depois disputávamos várias partidas de futebol de botão que, na época, era nossa maior diversão. O doutor Cristóvão era um homem de meia idade, cabelos grisalhos, muito querido por seus pacientes e por toda a população; era gaúcho, tinha participado da segunda guerra mundial e era militar. Começara sua atividade na área da saúde como protético e dentista e só depois concluíra sua faculdade de medicina. Homem calmo, de fala mansa, transmitia às pessoas confiança e tranquilidade talvez o principal motivo para sua enorme clientela. A mim tratava com enorme carinho e, como jogava xadrez, começou a me ensinar os segredos do jogo com seus peões, torres, cavalos, bispos, rainha e rei. Com enorme paciência me ensinou a mover as peças e, em seguida, a planejar as estratégias para ganhar a partida. Embevecido com o jogo procurava sempre estar por perto do doutor quando ele se sentava em frente do tabuleiro. Jogávamos e eu sempre perdia mas, eventualmente, ganhava uma ou outra partida o que me animava mais a continuar aprendendo os difíceis lances deste nobre jogo. Além do xadrez o doutor também nos falava sobre a vida e a atividade médica. Nos dizia que a atenção para com o paciente era fundamental, a caridade com o próximo deveria nortear a nossa vida e que o mais importante de tudo era ser humilde, reconhecer que éramos humanos, tínhamos falhas e que sempre deveríamos estar nos dedicando a melhorar nossa existência. Dizia que nosso maior legado era deixar no coração das pessoas o reconhecimento por nossa dedicação e trabalho e a gratidão do próximo era o maior tesouro que podíamos receber. Grandes lições de vida!


Ao terminar o ginásio fui para a casa de minha avó paterna em Campinas para fazer o cientifico e me preparar para o ingresso na faculdade. Algum tempo depois recebi a notícia de que meu mestre do xadrez havia falecido com um mal súbito. Disseram a mim, depois, que seu enterro mobilizou toda a nossa população e causou enorme comoção em todos; da minha parte senti demais e chorei muito a morte daquele amigo.


Então me formei e em 1974 voltei para Presidente Venceslau a fim de exercer aqui o meu mister. Comecei trabalhando no Hospital Álvaro Coelho e, depois de algum tempo, achei que estava na hora de abrir meu consultório particular. Havia um impasse. Não tinha ainda numerário para adquirir os móveis específicos para a clínica. Numa bela tarde de verão, após o almoço, recebo em minha casa a visita de dona Julinha, mãe do amigo Wilson e viúva do doutor Cristóvão. Ela vem me oferecer de presente os móveis do consultório do marido dizendo que, no íntimo de seu coração, sentia que o doutor estaria contente se eu aceitasse. Lógico que, muito grato, aceitei esta dádiva. Mais emocionado fiquei quando ela me falou do carinho que o esposo sentia por mim e que muitas vezes perdia o jogo de xadrez de propósito para me estimular e “não perder o parceiro” ...


Através de concurso público fui contratado pelo estado para exercer a atividade médica no posto de saúde e fui nomeado para exerce-la no posto de saúde de Piquerobi onde trabalhei por 35 anos até me aposentar em 2009. Ali fiquei sabendo, após algum tempo, que também o doutor Cristóvão havia trabalhado naquele local e as pessoas que eu atendia diziam a mim que a maneira de atende-las lembravam- lhes muito o antigo médico. Muita emoção tomou conta de minha alma e, quando tive oportunidade, conversei com alguns vereadores amigos que, através de lei, deram a denominação ao posto de ‘Doutor Cristóvão Rhutiller Teixeira Maciel’ em homenagem áquele profissional que deixou seu nome gravado naquela cidade.


O tempo passou e neste momento de minha vida ao recordar estas coincidências que aconteceram agradeço a Deus por ter conhecido e desfrutado da amizade e do carinho deste extraordinário médico, meu professor de xadrez, que marcou minha vida com exemplos de humildade, caridade e dedicação ao trabalho.


(*) O autor é médico e membro da Academia Venceslauense de Letras

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