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Pequenas tragédias


A vida do estudante universitário naquela época era difícil. Poucos recursos, dificuldades para viver longe dos familiares, livros enormes e praticamente inacessíveis nos obrigando a ir à biblioteca e pouquíssima vida social que, na verdade, só existia dentro da faculdade já que a sociedade local nos evitava. Assim, quando um de nós conseguia acesso a uma garota curitibana fazia enorme sucesso. Aconteceu com o gordo, meu amigão, que naquela sexta feira estava feliz porque tinha sido convidado a almoçar no sábado na casa da garota que conhecera na frente do Colégio São José. Ali, na “boca maldita,” local no início da rua XV onde se reuniam políticos, futebolistas, desocupados e universitários, comendo os salgadinhos do boteco, o gordo me contou a história e eu desejei a ele todo o sucesso.


No sábado pela manhã o gordo tomou seu banho, fez a barba com espuma de sabonete lux, usou “glostora” para assentar o cabelo rebelde, vestiu uma camisa nova, a melhor calça que tinha e partiu para o almoço. A menina morava em um apartamento classe média nos altos da rua XV bem próximo do campo do Coritiba e o rapaz esperou um pouco para chegar ao edifício afim de diminuir sua ansiedade. Orientado pelo porteiro subiu ao décimo andar e foi recebido no apartamento pela loirinha que, segundo ele, era a mais linda garota que conhecera. A mãe da menina o cumprimentou sorridente e fez uma breve inquisição lhe perguntando de que lugar ele era, quem eram seus pais, o que faziam e que especialidade médica pretendia fazer. O pai, sentado na sacada, folheando “a Gazeta do Povo,” pouca atenção lhe deu o que lhe aumentou a ansiedade. O gordo e a menina ficaram sentados na sala de estar conversando amenidades esperando o almoço ser servido.


De repente, não mais que de repente, uma cólica fina e sutil sobressaltou o rapaz. Provavelmente os salgadinhos da véspera estavam dando algum sinal...A cólica voltou mais intensa e ficou extremamente frequente provocando um mal estar incrível no gordo que já apresentava intensa sudorese e sensação de iminente evacuação. Constrangido solicitou à garota o banheiro e ela o conduziu ao lavabo que ficava entre a sala de estar e a cozinha com a área de serviço. A empregada escutava música alta e o cheiro da comida que estava sendo elaborada trouxe ao menino vigorosa náusea. Trancado no lavabo o gordo apresentou enorme diarreia e ficou aliviado ao perceber que o som alto da cozinha cobria o ruído da descarga que estava tendo e então relaxou um pouco amaldiçoando os salgadinhos da “boca maldita”. Mas parece que os azares nunca vêm sozinhos... Ao terminar, o gordo procurou papel higiênico e não encontrou. Ali, no lavabo, não tinha papel! Não, não iria chamar a garota. Afinal estavam começando o namoro e ele não viu nenhuma possibilidade de lhe pedir ajuda. Uma brilhante ideia lhe surgiu: se lavaria na pia, se enxugaria com a cueca e depois a jogaria pela janela e ficaria só com as calças e ninguém perceberia. Se aproximou da pia colocou o corpo junto à bacia e abriu a torneira. Maravilha! A água que tocou a sua pele era tépida e, então, ele se esqueceu de seus 98 quilos só se lembrando quando com um estalido e enorme estrondo a pia se partiu e ele foi ao solo com o cano jorrando o precioso líquido por cima dele e o escoando por baixo da porta do lavabo. O gordo, não se sabe como, vestiu-se rapidamente com as calças molhadas, calçou os sapatos abriu a porta do lavabo e, correndo, passou pela cozinha diante do olhar atônito da cozinheira, saiu pela área de serviço e desceu os dez andares das escadas sem sequer perceber. Na rua pegou o primeiro coletivo que passou e foi parar na periferia da cidade onde finalmente, ainda dispneico, pode chorar sua desdita.

Na segunda feira quando chegamos na faculdade para a primeira aula da manhã o porteiro da escola entregou ao gordo um pacote que tinha dentro uma cueca suja e toda molhada.



O gordo nunca mais viu a loirinha curitibana.


(*) O autor é médico e membro da Academia Venceslauense de Letras

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