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Tia Finoca


Quando fui caminhar naquele domingo a tarde não podia imaginar que meu coração iria se encher de saudades com lembranças da infância e juventude. Encontrei no caminho uma senhora, minha paciente, que vinha caminhando com dificuldade apoiada em uma bengala e que me contou que após uma queda havia fraturado o fêmur e só agora, após 3 longos meses, voltara a caminhar novamente e com muita lentidão. Desejei a ela melhoras e continuei com minha atividade. No entanto, agora com o pensamento voltado para este desastre que pode acometer às pessoas de idade, principalmente às mulheres, e que ceifa a vida de centenas e centenas de pessoas. Todos os dias presenciamos a chegada ao Pronto Socorro de velhinhos e velhinhas conduzidos pelo “Resgate” após queda em casa e com fratura no principal osso do membro inferior. E notem, não precisa ser uma queda muito grande, basta um escorregão no banheiro ou no piso molhado e, pronto, a fratura acontece geralmente próxima à parte mais proximal do fêmur. O caso sempre é cirúrgico e, evidentemente, pela idade da pessoa, pela osteoporose já presente, pelo risco enorme de uma embolia pulmonar causada pela gordura da medula óssea, pelas dificuldades naturais da anestesia e do próprio procedimento operatório o risco desta ocorrência é exponencial e lamentavelmente já assisti muitas pessoas falecerem em decorrência da fratura trazendo dor e enorme sofrimento aos seus entes queridos.


Foi o que ocorreu com tia Finoca. Na verdade não sei se chamava Josefina ou, talvez, Filomena o fato é que desde a primeira infância já a conhecia com o nome de “tia Finoca”; tia avó era uma velhinha muito simpática e risonha, nos tratava com carinho acentuado, contava histórias a noite para dormirmos, tinha paciência com nossas bagunças e nos defendia sempre quando vovó vinha esbravejar conosco. Aos 80 anos era super ativa e, mesmo morando em uma grande cidade, pela manhã ia às compras levando seu dinheirinho enrolado em um lenço. Há 60 anos ainda era possível um ancião andar pelas ruas sem ser molestado e receber das pessoas toda atenção e respeito sem a necessidade de placas informando que os idosos deviam ter certos privilégios. Mas isto é passado e hoje vemos pessoas de idade em pé nos ônibus ou horas nas filas enquanto jovens permanecem sentados manuseando indiferentes seus celulares. Mas voltando à tia Finoca, toda vez que ela ia às compras não se esquecia de trazer, escondidas, nos bolsos de seu vestido, guloseimas que nos dava sem que os mais velhos percebessem. Às vezes apenas uma bala de mel ou uma pequena barra de chocolate ou um pirulito daqueles que, puro açúcar, grudava em nossos dentes. E era uma alegria receber os mimos da tia principalmente porque eram entregues sorrateiramente o que aumentava o nosso prazer, com o gostinho da aventura!


O tempo passou e, já médico, recebi a noticia que um escorregão no banheiro tinha causado uma fratura no fêmur da tia querida. Alguns dias depois soube que a velhinha havia falecido em decorrência do trauma. Lembrei-me então de seu cabelo branquinho todo ajeitadinho com um coque, de seu rosto suave e risonho, da sua voz doce e amena que tantas vezes embalou o meu repouso e meu sono, de seu pirulito entregue por baixo da mesa para cada um de nós. Não pude deixar de verter algumas lágrimas por ela e fazer uma oração por sua alma com o coração entristecido.


tem uma velhinha em casa não se esqueça de colocar no banheiro equipamentos de segurança, cuidado com tapetes e com degraus, com pisos molhados e escorregadios. Na via publica ajude o idoso a atravessar a rua, a subir uma escada, de a ele a primazia de seu lugar na fila e o trate com atenção e respeito. Um dia seremos nós a precisar das pessoas e, espero sinceramente, que possamos ter o amparo, o carinho e a atenção que todos deveriam e devem ter.


(*) O autor é médico e membro da Academia Venceslauense de Letras

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